O professor ainda terá
espaço para trabalhar valores. O jovem se tornará mais
apto para enfrentar seus desafios. Eu tive bons professores, na casa
espírita e na escola. Mas a família estruturada é
fundamental.
Fatores biológicos ou psicológicos podem impulsionar
os jovens para a beira do precipício, mas esses impulsos são
liberados ou bloqueados através da influência social
e o que dá legitimidade às interdições
sociais são os laços afetivos familiares.
O afeto recebido no período infanto-juvenil é que os
torna capazes de tolerar e se submeterem às normas sociais
e familiares, controlando seus impulsos ao invés de por eles
serem controlados (1).
Do Largo do Tanque nos deixava em Cascadura. Chegou repleto. Encontrei
lugar. Inusitado, sentei rápido. Poderia ir no estribo, como
todo jovem. O belo tipo, faceiro, tinha as mãos em garra. Olhei
discretamente e percebi também orelhas alongadas.
Na volta, chegando a casa relatei a sorte de ter encontrado lugar
e falei sobre mãos e orelhas.
Minha mãe falou-me sobre uma “colônia de leprosos”
e que não me preocupasse. As pessoas podem apresentar sequelas,
mas estão curadas. Não contaminam mais ninguém.
Eu estava na era dos antibióticos e nem suspeitava que a minha
monografia experimental de graduação seria com treze
antimicrobianos.
Tornei-me professor da faculdade de medicina e através dos
laços afetivos visitava pacientes, na antiga colônia,
agora Hospital de Dermatologia Sanitária. Lá funciona
uma casa espírita.
Antes da faculdade, eu era jovem espírita, pois minha mãe
havia me contaminado. O jovem, mesmo o espírita, tem suas depressões.
Era tímido e não tinha coragem de abrir o coração.
Minha mãe logo percebia o “momento de tristeza”.
Era diferente do efeito colateral do antihistamínico que usava.
Falou-me: “soube que aqui perto virá um palestrante
muito bom. Por que você não dá um pulo lá
e fica para o passe?”
Pelo visto era pessoa importante para os espíritas
do Rio de Janeiro. Depois da prece lhe foi dada a palavra.
De longe parecia com o homem do bonde. Aquelas orelhas, as pálpebras
caídas. Uma muleta apontava a deficiência física,
mas quando começou a falar... Era um portador do “bem
de Hansen”. Falou-nos da vida e com poesia lembrou Jesus.
Ele comentou que antes da doença havia pensado em ser político.
Chegaria à prefeitura de sua cidade, mas a hanseníase
votou nele.
O bonde da vida me levou ao biomédico na Faculdade de Ciências
Médicas e depois ao magistério superior. Mesmo depois
da aposentadoria ainda trilho a estrada do ensino e da pesquisa. Ainda
vivo entre teses de ciências e a fé cotidiana. Na dúvida,
produzir resultados experimentais ou privilegiar valores morais, mais
difíceis de serem sobrepujados?
(2)
O domínio cognitivo é traiçoeiro na terceira
idade, mas quando penso naquele dia predomina o afetivo. Ele falou
como Joanna: “ante as dificuldades do caminho e as rudes
provas da evolução, resguarda-te na prece ungida de
confiança em Deus, que te impedirá resvalar no abismo
da revolta.”(3)
O paciente diz: “Mas,
porque eu?”
O palestrante: “um pouco de silêncio íntimo
e de concentração, a alma em atitude de súplica,
aberta à inspiração, eis as condições
necessárias para que chegue apaziguadora resposta divina.”
“Cria o clima de prece como hábito,
e estarás em perene comunhão com Deus, fortalecido para
os desafios da marcha.”
Depois de mais de 50 anos, não me lembro de suas palavras.
Ficou a emoção como reforço da vacinação
recebida no ambiente sócio familiar.
Aquele homem ensinava e emocionava como Renato Teixeira: “ando
devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já
chorei demais”.(4)
Sua voz de Hércules, emoldurava o sorriso franco e largo: “é
preciso, conhecer as manhas, o sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor, pra poder pulsar. É preciso paz pra
poder seguir, É preciso chuva para florir."
Como se desejasse diminuir a
compaixão de alguém, disse com humildade: “hoje
me sinto mais forte. Mais feliz, quem sabe, eu só levo a certeza
de que muito pouco sei, ou nada sei.”
Falou-nos de suas crenças
e revelou que antes desdenhara a imortalidade da alma: “sinto
que seguir a vida seja simplesmente conhecer a marcha e ir tocando
em frente. Como um velho boiadeiro, levando a boiada, eu vou tocando
os dias pela longa estrada, eu vou. Estrada eu sou."
Nos fez recordar o bem da vida, a Lei de Ação
e Reação: “cada um de nós compõe
a sua própria história e cada ser em si carrega o dom
de ser capaz de ser feliz”. Acalmou-nos a alma falando
do reencontro com nossos amores, aqui e no além.
Eu precisava daquelas palavras.
Na infância enfrentei o luto. Minha professorinha, irmã
mais velha, desencarnara na juventude. Fiquei “filho único”
através da dor. No planeta regenerado cientistas e educadores
da infância receberão o reconhecimento social.
Aquele palestrante não usava apenas a cognição.
Palavras-luzes eram emitidas pelo coração: “todo
mundo ama um dia. Todo mundo chora. Um dia a gente chega e no outro
vai embora.”
Retornei renovado. Pedi a Deus que pudesse fazer o mesmo algum dia,
como retribuição.
Um dia, em 1988, ele me chamou
ao Centro Espírita Filhos de Deus. Teríamos uma reunião
com o Coronel Edgard Machado. Dela saí com a tarefa de escrever
um texto para publicarmos em “cartas dos leitores”. O
Jornal foi além. (5)
Obrigado, Amazonas Hércules.
(6)
(2) http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/2011/11/universidade-e-espiritualidade-entre_11.html
(3) "Vida Feliz", Divaldo P. Franco, pelo
espírito Joanna de Ângelis.
(4) Tocando em Frente. Música de Renato Teixeira.
Mancha Anestésica Social. Publicado como Editorial
na Revista Brasileira de Patologia Clínica, 24(2):31, 1988; "O
Globo" - País/Ciência e Vida, 19 fev. p.11. ; "O
Dia" - Domingo, 31 julho, p.14.; Revista Psicologia - Comportamento,
14: 30; Boletim Informativo do Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho (UFRJ), 7(63): e Citado no Pronunciamento do Deputado Elias
Murad - PTB-MG. Assembléia Nacional Constituinte. Câmara
dos Deputados (17 de maio).