Nas palavras do neurocirurgião
Paulo Niemeyer, Claudio Leite (1) era
o maior cirurgião infantil do país. Lança,
pela Editora Lacre, um livro sobre a “doença da negação”,
através da qual passou por dores extenuantes. Ele diz que
está se expondo. No entanto, o benefício que o livro
pode trazer aos que passam pela mesma doença, e ainda não
se identificaram com ela, compensa a quebra do anonimato.
O médico, hoje com 83 anos,
confessa que se julgava acima de tudo. Agnóstico, orgulhoso
e prepotente, não queria entender que era portador de uma
doença que iguala a todos.
“No AA, você vê
juiz ao lado do rapaz de 17 anos que roubou carro para o tráfico.”
“Eu vivia trancado no quarto, sem tomar banho, bebendo vodca.”
“Em 1978, tive um infarto. Não quis ficar internado,
porque não poderia beber. Fui para casa e bebia uma garrafa
e meia de uísque por dia, infartado.”
Em 1997, com 68 anos, no dia 11
de novembro, seu filho lhe deu uma última chance de tratamento:
“tome banho e venha comigo”. Claudio diz que tem uma
gratidão eterna pelo AA, pois perdeu muito tempo bebendo
a própria vida. Está sóbrio desde então.
Recentemente, estive num Seminário sobre Dependência
Química, no Rio de Janeiro. Comecei a pequenina participação
com um “Se Beber Não Opere” e terminei com o
depoimento da “esposa de um dependente” (2). Claudio
diz que “procurava não beber na véspera da cirurgia
e nunca entrou num centro cirúrgico bêbado”.
Por outro lado percebia as mãos trêmulas. “Um
dia, com o paciente já na mesa de cirurgia, liguei para o
meu assistente e disse que não tinha condições.”
Tudo começou tomando um uisquinho à noite, para relaxar
e descontrair. “Hoje trabalhei muito, mereço.”
Todos começam bebendo moderadamente e nem percebem a doença
de progressão lenta. Difícil, depois, reconhecer que
se está bebendo demais.
A mulher já não falava mais com ele e durante dez
anos não dormiram juntos. O doente gosta de quem não
fica dizendo: “não beba”. Por isso, vai ao motel
e fica 2 ou 3 dias com prostituta, para beber. Ainda encontramos
associado ao álcool mais de 60 doenças secundárias,
o que não é dito na mídia.
“Durante anos sofri e me
destruí, destruí minha família, minha profissão
e cheguei à solidão extrema e à completa
desmoralização.”
Depois de 20 anos de escravidão,
o médico aos 68 anos encontra o AA e desde então são
14 anos sóbrio. O final poderia ser diferente. Conta ele
que tinha mania de arma, fez tiro ao alvo. Um dia o filho tirou
tudo de casa, porque ele estava com a intenção de
dar um tiro na cabeça.
Hoje escreveu “Alcoolismo – A Doença
da Negação”. Seu lançamento
será adiante.
Certamente ajudara doentes, que ainda não perceberam a própria
condição, a dar o salto de qualidade, da consciência
de sono à desperta/lúcida.
O alcoolismo é uma dependência química que afeta
os componentes físico, mental e espiritual.
“Espiritualidade não
é religiosidade”, diz o médico.
Religião, religiosidade
e espiritualidade já são discutidas em pós-doutorado.
Precisamos examinar essa tese, sem preconceito.