A concepção pode dar
origem a fetos teratológicos, aqueles sem aparência humana
e ausência de órgãos que funcionem. Na realidade
são apenas corpos, para os quais nenhum espírito foi
destinado. A inexistência de um modelo organizador biológico
humano aponta na direção da inexistência de um
espírito. Sem espírito não há vida e,
portanto, nenhum atentado é possível contra ela. O ministro
Celso Melo enfatiza: “o crime de aborto pressupõe gravidez
em curso e que o feto esteja vivo”. Diante de um feto teratológico
há “dor na alma”. O sofrimento psíquico
é inerente à vida humana, mas não é coisa
que lhe degrade a dignidade. Por isso o ministro Cezar Peluso disse
que “a natureza não tortura”.
Não podemos comparar fetos
sem aparência humana e sem órgãos em funcionamento
com anencéfalos. Pode-se até desejar desumanizar anencéfalos
com objetivos políticos, mas é impossível fazê-lo,
sob o ponto de vista biomédico. Por outro lado, toda criança
que sobrevive é um espírito encarnado, porque senão,
não seria humano, não importando o tempo de sobrevivência.
Aparentemente, não podemos mensurar a importância desse
tempo, mas a comunicação mediúnica fala de seu
valioso significado. Se o feto tem controle automático dos
batimentos cardíacos e outras vísceras é porque
possui estruturas neurais compatíveis com as funções.
Anencéfalos podem demonstrar partes do encéfalo preservadas,
havendo danos com graus variados. O termo anencéfalo é
enganoso, ao sugerir “ausência total”. Isso influenciou
o voto de, pelo menos, dois daqueles ministros.
Sabe-se que há relação
direta entre fetos anencéfalos e o abortamento espontâneo.
Cerca de 65% morrem no período intra-útero. Dos que
sobrevivem, cerca de 2/3 falecem nas primeiras três horas. O
registro mostrou que, de 180 anencéfalos vivos, 58% não
sobreviveram após as primeiras 24 horas. Quando a alma está
presente?
Que é a alma? A resposta no
“Livro dos Espíritos”, está na questão
134 e diz que é “um espírito encarnado”.
Mas, que era a alma antes de se unir ao corpo? “Um Espírito”.
O corpo pode existir sem alma, não
sendo homem, mas massa de carne sem inteligência (q.136).
Peluso argumenta que “o ordenamento
jurídico reconhece o indivíduo ainda no seio materno
como sujeito de direito, enquanto portador de vida. Ele não
é uma coisa, mas sujeito de direito. Não sendo também
objeto de direito alheio. A mãe não tem poder jurídico
de disposição sobre o filho ou filha anencéfalo!”
Nas questões deste capítulo,
de "O Livro dos Espíritos", encontramos “de
novo” o vocábulo (alguns/algumas) na q. 356. Nela verificamos
que entre os natimortos há alguns onde não foi destinada
a encarnação de espíritos. Isso pressupõe
que para outros pode ser diferente (q. 356 b).
O espírito em experiência
na carne e na agonia, algumas vezes, já tem deixado o corpo
havendo apenas vida orgânica. Sob o ponto de vista prático,
como saber se o espírito já deixou o corpo? Como saber
também se está ligado ao corpo, diante da possibilidade
do automatismo biológico?
São questões aparentemente
difíceis de responder como o problema que é determinar
com absoluta segurança uma anencefalia. Por outro lado, a vida
é inviolável, mas se você a relativiza, dizendo
que o feto não tem condições para viver e por
isso lhe aplica a pena de morte, estará autorizando o mesmo
procedimento no sentido da eutanásia, diante do “paciente
terminal”, que vive enquanto morre.
O reconhecimento do indivíduo
ainda no seio materno como sujeito de direito é elemento complicador
diante da possibilidade do erro médico. A possibilidade do
erro jurídico nos afasta da pena de morte. A do erro médico
deveria fazer o mesmo. No Brasil podemos dizer que “a criança
respirou, mas estava juridicamente morta.”
O Livro dos Espíritos é
claro quando informa que se a criança vive após o nascimento
ela tem forçosamente encarnado em si um espírito e é
um ser humano (q 356b). Essa informação que nos conduz
ao período anterior ao nascimento, quando teremos que tomar
decisões, parece explicar a posição, mesmo que
minoritária, dos dois ministros.
As informações dadas
a Allan Kardec auxiliam a entender os percentuais acima referidos.
O ministro Peluso acrescenta: “a
alegação de que a morte possa ocorrer no máximo
algumas horas após o parto em nada altera a conclusão
segundo a qual, atestada a existência de vida em certo momento,
nenhuma consideração futura é forte o bastante
para justificar-lhe deliberada interrupção. De outro
modo, seria lícito sacrificar igualmente o anencéfalo
neo-nato.” “A curta potencialidade ou perspectiva de vida
em plenitude com desenvolvimento perfeito segundo os padrões
da experiência ordinária, não figura sob nenhum
aspecto razão válida para obstar-lhe a continuidade.”
Uma mulher tem o direito de levar
a termo uma gestação com uma criança seriamente
afetada, quando isso representa uma carga financeira e social imensa
para toda a sociedade?
Voltemos ao discurso do ministro Peluso.
“O doente de qualquer idade, em estado terminal, portador de
enfermidade incurável de cunho degenerativo por exemplo, sofre
e também causa sofrimento a muitas pessoas parentes ou não,
mas não pode por isso ser executado”. “Na ínfima
possibilidade de sobrevida, na sua baixa qualidade ou na efêmera
duração pressuposta, argumento para ceifa-la por impulso
defensivo, por economia ou por falsa piedade, é insustentável
à luz da ordem constitucional que declara, sobreleva e assegura
valor supremo à vida humana”. Aqui, “a atuação
avassaladora do ser poderoso e superior e detentor de toda a força
infringe a pena de morte ao incapaz de pressentir a agressão
e de esboçar qualquer defesa.”
Espíritos em provas de limitação
mental sofrem o constrangimento dos órgãos defeituosos
(q. 372).
No momento de decisão devemos
nos debruçar sobre a resposta dos Espíritos Superiores
(q. 356b) – “há forçosamente um espírito
encarnado”. O ministro Peluso diz que “o bebê anencéfalo
pode viver segundos e até meses, o que é inquestionável.”
Em seguida pergunta: “a compreensão jurídica do
direito à vida legitima a morte, por causa do curto espaço
de tempo da existência humana? Por certo que não!”
E completa: “a ausência dessa perfeição
ou potência, embora tenda a acarretar a morte nas primeiras
semanas, meses ou anos de vida, não é empecilho ético
nem jurídico ao curso natural da gestação, pois
a dignidade imanente à condição de ser humano
não se degrada nem se decompõe só porque seu
cérebro apresenta formação incompleta.”
Um bebê anencéfalo passou
o primeiro dia em casa em estado estável, em Patrocínio
Paulista (SP). Alguns advogam que não era anencefalia. Nesse
ponto também estamos com Peluso: “Nem sempre a Medicina
pode garantir que o caso seja de anencefalia. Se há dúvidas
sobre o diagnóstico, possível e provavelmente, muitos
abortos serão autorizados para casos que não são
de anencefalia.”
Marcela de Jesus completou cinco meses
no dia 20 de abril de 2007 e respirava sozinha, até dois anos.
“É importante comparar
o caso do anencéfalo com outras situações, mas
que não autorizam de per si a decretação da morte
do paciente. A vida humana provida de intrínseca dignidade
anterior ao próprio ordenamento jurídico, fora das hipóteses
legais específicas, não pode ser relativizada nem pode
classificar de seus portadores, segundo uma escala cruel que defina
com base em critério subjetivos e sempre arbitrários,
quem tem ou não direito a ela”. “Havendo vida e
vida humana, atributo do feto e bebê anencéfalo, se está
diante de um valor jurídico fundante e inegociável que
não comporta margem alguma para esta transigência.”
“Independentemente das características
que assuma, na concreta e singular organização de sua
unidade psicossomática, a vida vale por si mesma, mais de qualquer
bem humano supremo como suporte pressuposição de todos
os demais bens materiais e imateriais”
Para não desgastar a sua saúde,
Marcela de Jesus Ferreira contava com auxílio de um capacete
fornecedor de oxigênio. Afinal, “tem dignidade qualquer
ser humano que esteja vivo, ainda que sofrendo de doença terminal
ou potencialmente causando sofrimento ao outro, como o anencéfalo.
O feto anencéfalo tem vida, ainda que breve, sua vida é
constitucionalmente protegida.”
No entanto, se o desumanizarmos poderemos
adormecer as consciências (1).
“Aborto, auxílio ao suicídio,
homicídio apresentam objetivamente os mesmos resultados físicos
que é subtrair a vida de um ser humano por nascer ou já
nascido, sob o argumento de diversas origens tais como liberdade,
dignidade, alívio de sofrimento ou direito a autodeterminação.”
Peluso ainda diz que “a natureza
não tortura, o sofrimento é elemento inerente à
vida humana e não lhe degrada a dignidade.” Há
sofrimento junto ao paciente terminal e também com a mulher
que ficou grávida depois da violência.
Espero que aceitem a minha posição
contra a eutanásia. Que aceitem o fato de que o paciente enquanto
morrendo/vivendo precisa de ajuda para ampliar e valorizar o seu passado,
diante do futuro aparentemente pequeno. Sou contra, mesmo na doença
em estado avançado, disseminada, com prognóstico severo,
onde já se esgotou todo o arsenal terapêutico, cirurgia,
radioterapia, quimioterapia, onde a equipe médica não
tem mais nada a oferecer. Onde não há mais lucro. Onde
há dor, aparente incurabilidade e inutilidade.
Penso que a eutanásia é,
sempre e em qualquer hipótese, um homicídio. O "direito
de matar" ou "de se fazer matar" não pode configurar-se
diante de uma lógica ou de uma necessidade ético-jurídica,
pois direito é aquilo que está cristalizado na tradição;
nos costumes e no interesse social. Desse modo, não se pode
falar em "direito de matar" ou em "direito de morrer",
pois a racionalização e a humanização
do direito tutelou e consagrou a vida como o mais valioso dos bens.
Difícil conciliar uma medicina
que cura com uma medicina que mata. Ensinava Kant que a melhor maneira
de se medir a licitude de uma ação era imaginá-la
como regra geral. Caso se concluísse pela negativa, a ilicitude
seria manifesta. Imagine-se a eutanásia legalizada e nas mãos
de todos os interesses: políticos, religiosos, econômicos,
eugênicos, entre outros (2).
Os que justificam a prática
da eutanásia o fazem baseados na incurabilidade que é
um dos conceitos mais movediços e duvidosos. No sofrimento,
mas a dor é algo controlável e extremamente pessoal.
Na inutilidade, que nestas condições, é mais
uma concepção preconceituosa e consumista do que um
meio científico de decisão.
No julgamento, a autoridade da sentença
está na razão da autoridade moral do juiz que a pronuncia.
Vamos fazer um exercício bioético. Agora você
é ministro/juiz. Aceitaria o aborto para “salvar a vida”
da gestante, soro convertida (HIV), grávida pelo estupro? Pensemos
(3). A ética visa mais o bem a ser conquistado e garantido
que ao mal que deve ser evitado. A bioética é a ética
aplicada aos novos problemas que se desenvolvem nas fronteiras da
vida. Ela vem em salvaguarda do ser humano. Leva em conta a singularidade
da individualidade e também a universalidade da sua humanidade.
Não pretende ser restritiva, mas tem a tarefa de colocar limites
éticos a fim de salvaguardar a pessoa humana, sua vida singular
e humanidade.
No exercício acima, depois
de profunda reflexão, incluído a violência sofrida
pela mulher, é possível que um profissional ético
chegasse a conclusão de que esta é uma matéria
sem resposta definitiva (influência da sorologia positiva) no
processo gestacional e da própria saúde do feto (singularidade
e humanidade manifestas). Depois de muito caminhar na estrada da bioética,
poderia concluir que ainda não existe nenhum argumento ético,
jurídico ou técnico, capaz de fundamentar a interrupção
de uma gravidez numa mulher soro-convertida ou já doente de
AIDS, a não ser que suas condições de saúde
sejam agravadas pela gestação, que cessada a gravidez
cesse o perigo e que não haja outro meio de salvar-lhe a vida
(3).
Alguns casais já estiveram
diante da gravidez complicada pela rubéola. A possibilidade
de terem filhos defeituosos levaram muitos a optarem pelo aborto como
solução. Certa vez ouvi um casal dizer que resolveram
receber o filho da forma que viesse. O final foi feliz, mas a criança
poderia nascer surda e cega ou seria um deficiente físico semelhante
a Stephen Hawking. Na tela da memória vemos Leonardo DaVinci,
Albert Einstain, Charles Darwin, Winston Churchill (dislexia), o pintor
Francisco Goya (deficiencia auditiva) e a admirável escritora
Helen Keller (deficiencia auditiva e visual).
No Brasil temos a Rede SACI. A Rede
é um “projeto do Programa USP Legal, da Pró Reitoria
de Cultura e Extensão Universitária – Universidade
de São Paulo. Atua como facilitadora da comunicação
e da difusão de informações sobre deficiência,
visando a estimular a inclusão social e digital, a melhoria
da qualidade de vida e o exercício da cidadania das pessoas
com deficiência.”(4)
Lá vamos encontrar um texto
sobre Helen Keller, que discute preconceitos comuns e também
a divulgação de um evento “diferente”.(5)
Refiro-me ao “Primeiro Congresso Internacional de Cegos Espíritas”,
semana santa, 17 de abril de 2003, e que teve como tema Central: "O
Cego e o Terceiro Milênio".
“O pior cego é aquele
político que não quer ver”.
O ministro Ricardo Lewandowski, que
votou contra a descriminalização do aborto de anencéfalos,
disse que “não é dado aos integrantes do Poder
Judiciário promover inovações no ordenamento
normativo como se parlamentares eleitos fossem”. Disse ainda
que “não era lícito ao maior órgão
judicante do país envergar as vestes de legislador criando
normas legais.”
A propósito: o Congresso pode
anular essa decisão, com base no artigo 49, inciso 11 da Constituição?
O ministro Lewandowski, quando disse que “não temos competência
para decidir”, estaria pensando no artigo 103, segundo parágrafo
da mesma Constituição. Houve uma invasão de competência
da Justiça no Legislativo?
Julgar é muito difícil.
Quando fazia a Faculdade de Educação, aprendi que a
avaliação é difícil porque chega a níveis
de complexidade altos do domínio cognitivo. É por isso
que uma banca de tese de doutorado ou de concurso para professor adjunto-doutor,
na Universidade, é composta, geralmente, por cinco examinadores,
de competência comprovada, diante de seus pares. Como elemento
complicador, sempre há influência de um domínio
sobre o outro e, em certas ocasiões, o afetivo fica agitado,
beliscando o cognitivo. Como sofreram pressões aqueles ministros
no Supremo! O ministro Gilmar Mendes até teve coragem de dizer:
“argumentos de organizações religiosas podem e
devem ser consideradas pelo Estado porque também se referem
a razões públicas”. O Estado é laico mas
não é ateu, como se percebe nas primeiras páginas
da Constituição.
Você acha que o Congresso deveria,
mesmo em ano eleitoral, examinar essa questão?
Avaliar é difícil. Até
no julgamento do movimento espírita podemos cometer injustiças!
Mas, é melhor do que ser indiferente.
Com tristeza recebemos do Supremo
Tribunal Federal o placar de 8 a 2. Embora o Brasil tenha hoje um
expressivo número de espíritas, ainda não somos
capazes de influenciar e ajudar ministros.(6)
O que liga o comportamento suicida
ao aborto de anencéfalos?
1. http://www.aeradoespirito.net/ArtigosLCF/A_POLITICA_DO_ABORTO_LCF.html
http://aeradoespirito.sites.uol.com.br/A_ERA_DO_ESPIRITO_-_Portal/ARTIGOS/ArtigosGRs3/A_POLITICA_DO_ABORTO_LCF.html
http://www.jornaldosespiritos.com/2007.3/col49.2.htm
http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/F_autores/formiga_Luiz_politica_aborto.htm
2. http://www.jornaldosespiritos.com/2007.3/col49.29.htm
3. http://www.espirito.org.br/portal/artigos/neurj/etica-sociedade.html
4. http://saci.org.br/
5. http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=2789