Uma criança anencéfala
é uma tentativa frustrada da natureza?
É um espírito encarnado ou não?
Anencéfalo tem alma? Que é a alma? Seria válido
o aborto diante de anomalias fetais graves e incuráveis? Como
detectar a presença do espírito? Há um espírito
encarnado?
Schiefler-Fontes, juiz substituto
em Santa Catarina, escreveu o “ Aborto do diagnosticado anencéfalo:
o disparate dos pedidos judiciais de alvará ou autorização
de aborto.” Nele diz que: “instruídos com exames
médicos atestando anomalia do feto, geralmente especificando
malformação congênita intitulada acrania/encefalocele,
patologia supostamente incompatível com a vida extra-uterina,
pedidos de "autorização de aborto de feto anencéfalo"
têm sido ajuizados no Judiciário brasileiro, acarretando
polêmica atual no Supremo Tribunal Federal”. (Schiefler-Fontes,
Márcio. Aborto do diagnosticado anencéfalo: o disparate
dos pedidos judiciais de alvará ou autorização
de aborto. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1465, 6 jul. 2007.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10093).
Desde novembro de 1993, a equipe do Instituto de Medicina Fetal e
Genética Humana de São Paulo vinha tratando a questão
da interrupção de gestações, nas quais
haviam sido diagnosticadas anomalias fetais graves e incuráveis,
com uma estratégia muito bem estabelecida. Solicitavam alvarás
judiciais para as interrupções com base no laudo dos
exames realizados; relatórios de três médicos
e laudo psicológico do casal. Pensavam que amealhando sentenças,
envolvendo uma razoável quantidade de patologias, elaboradas
por juizes de diferentes pontos do país chegariam na reformulação
do nosso código penal. Desta forma teriam aliado o judiciário
à própria luta, o que era de importância fundamental.
Afinal, os juizes podem iniciar sua justificativa afirmando que “o
pedido de interrupção seletiva da gravidez deve ser
deferido, consoante inúmeras decisões proferidas em
situações idênticas...”
A estratégia era oriunda de uma sugestão dada pelo juiz
Miguél Kfoury Neto, autor da primeira sentença formulada
em Londrina, em 1992, autorizando a interrupção de uma
gravidez complicada por anencefalia. Isto aconteceu vários
anos depois da primeira discussão no Congresso Brasileiro de
Genética, julho de 1976, em Brasília. Nesse tempo evoluímos
da fase do diagnóstico pré-natal dos anos 80 para a
medicina fetal dos anos 90. Hoje pode-se tratar algumas patologias
fetais e não há dúvidas de que se contam com
sucessos indiscutíveis.
Quando escrevemos sobre os direitos do paciente terminal lembramos
que o doente enquanto está morrendo está vivendo. Schiefler-Fontes
pergunta se seria justo ou razoável condenar o anencéfalo
à pena máxima onde o paradoxo assombra: se há
impossibilidade de "vida extra-uterina" é porque
há "vida intra-uterina".
Considerando a irreversibilidade da morte, diz que nessas condições,
é evidente que a irreversibilidade da medida impõe maior
prudência, de modo que até esta altura sobejam razões
para o indeferimento dos pedidos judiciais de "autorização
de aborto" e que é preciso que se alerte da periculosidade
de precedentes que têm surgido nos tribunais em casos de anencefalia
, uma vez que incontáveis questionamentos têm emergido
com o suposto progresso das ciências, em especial as biológicas.
Mas, o que fazer quando são malformações múltiplas
ou aberrações cromossômicas graves? Uma criança
portadora de malformação merece viver como qualquer
ser humano? Se eliminarmos uma criança por causa de sua malformação,
poderemos também eliminar os que não têm a cor
da pele ou sexo esperado?
Foram obtidas sentenças autorizando interrupções
de gravidez em fetos portadores de aberração cromossômica
incompatível com vida extra-uterina prolongada e, em dois casos,
constava dos laudos médicos que a mãe absolutamente
não corria risco de vida.
Pressionados pelas emoções cometemos grandes enganos.
Quase concordamos com a reivindicação daquele pai-professor
que teve a filha como uma das vítimas do maníaco “moto-boy”.
Depois refletimos, a pena de morte não se apóia em nenhum
direito e a experiência parece documentar que a sua prática
não é capaz de deter a mente resolvida a praticar o
mal. O argumento da possibilidade de erro jurídico é
suficiente para invalidar toda a retórica dos que lutam à
favor da pena de morte. Haverá aberração cerebral
grave nesses seres capazes de crimes hediondos?
Um médico e professor estudioso do “Complexo Cérebro-Mente”
nos diz que “parece muito claro que o cérebro, por si
só, não é capaz de justificar toda capacidade
da mente humana e o conhecimento científico é muito
limitado para alcançar as razões filosóficas
da natureza humana e do seu destino”. Bem antes do nascimento,
as manifestações de vivências agradáveis
ou não da mãe já imprimem na mente da criança,
que vai nascer, reações que logo após o parto
podem ser semiologicamente confirmadas.
Nos congressos de Neuropediatria já estão incluídos
em sua temática a apresentação de trabalhos sobre
o Psiquismo Fetal. Diz o médico Nubor Facure que a confirmação
de um “Psiquismo Fetal”, intimamente ligado ao “Psiquismo
Materno”, implica em mais um motivo para nossa meditação
quando falamos em aborto.
A criança portadora de malformação, membro pleno
da espécie humana, merece também viver no seu tempo
programado como qualquer ser humano. Tanto a pena de morte quanto
o aborto de crianças portadoras de malformações
se tratam de opções intelectuais e morais que não
se podem justificar racionalmente até o fim! Será que
no futuro também serão eliminados os que não
tenham o sexo esperado? Para o nazismo o defeito genético era
outro.
Surgem hoje muitos questionamentos. A ética avalia o comportamento
do ser humano enquanto ser humano, independente de qualquer convicção
religiosa ou política? Problemas éticos podem ser resolvidos
pela estatística ou será a ética de ordem qualitativa?
A base da legislação é a ética? O Estado
é o centro legislador para todos os cidadãos? O aborto
situa-se no campo ético, que é competência do
Estado? Um feto anencéfalo é apenas uma tentativa frustrada
e deformada da natureza? Uma realidade biológica irreparavelmente
deformada não pode ser considerada pessoa? Se uma pessoa-em-potencial
(feto) ainda não é uma pessoa, podemos, desta forma,
recomendar o aborto?
O que se quer é desumanizar o feto. Como princípio jurídico,
a dignidade da pessoa vai designar não apenas o “ser
pessoa”, mas a “humanidade da pessoa”, a reunião
de todos os homens no que eles possuem em comum. Assim, a dignidade
é atributo do gênero humano. Se o anencéfalo,
de origem humana, compõe a humanidade, como os nascidos portadores
da trissomia do cromossoma 21, eles têm esta mesma dignidade
no “domínio” da humanidade.
É difícil conciliar uma medicina que cura com outra
que mata.
Que argumentos são utilizados para conceder validez moral ao
ato da interrupção de uma gravidez complicada por ausência
dos hemiférios cerebrais?
A resposta é curta porque o cerne argumentativo repousa na
ausência de vida, associado à imagem de subumanidade.
Os “sub” são aqueles para quem a vida é
fadada ao “fracasso”, ou para quem, no mínimo,
o conceito de vida não é adequado. Os anencéfalos
não podem ser diferenciados dos animais, pois não possuem
o órgão-sede, que por seu desenvolvimento evolutivo,
permitiria essa diferenciação. Assim, admite-se estar
no cérebro a localização da humanidade.
A gestante foi estigmatizada como um “caixão ambulante”.
Fernando Altemeyer Junior, comenta no Jornal do Brasil, em 1º
de abril de 1996, que a idéia de vida que nutre essa imagem
não é apenas a que diz respeito à integridade
biológica. Por trás desta ideologia, que esconde a verdadeira
intenção, existe uma expectativa de vida muito mais
ampla e é exatamente isto o que une, de forma relativamente
clara, um feto anencefálico a um feto portador de trissomia
do cromossoma 21 ( Síndrome de Down, Mongolismo).
A quem interessa o aborto? Encontramos respostas em Maria José
Miranda Pereira. Aborto: a quem interessa? Jus Navigandi, Teresina,
ano 10, n. 1090, 26 jun. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8562
A mesma motivação existe em relação a
fetos com ausências de membros distais que são alvos
potenciais da “interrupção seletiva da gravidez”.
No fundo, vamos encontrar uma idéia social de vida, respaldada
é claro, pela plenitude biológica, o que justifica grande
parte das solicitações de aborto seletivo.
Os juizes assentam a legitimidade do procedimento na ausência
de vida dos fetos justificando que “o objeto jurídico
do aborto consiste na preservação da vida humana que,
na hipótese sob análise, não ficaria prejudicada
pela interrupção da gravidez, ante o fato descrito...”.
Parte-se de uma construção legal de positividade de
vida (proíbe-se assim a eutanásia) para uma negatividade
de vida em nome da sub-humanidade extrema do feto.
Os dilemas éticos parecem ser mais facilmente solucionados
quando a medicina e a vida social apontam para a total impossibilidade
de vida biológica e moral. Mas, nas zonas sombrias, nos casos-fronteira,
como o de um feto portador de trissomia do cromossoma 21, este mesmo
argumento “vida humana” toma outra conotação.
Aí os juizes concedem um domínio da concepção
moral de vida sobre os argumentos exclusivamente técnicos de
sobrevivência ou de qualidade de vida. Chegamos ao suporte juridico-moral,
à decisão legal e ficamos diante da moral medicalizada,
a moral justificada por intermédio do discurso biológico.
Adverte Fontes que “a um só tempo, os direitos à
saúde, à liberdade em sentido amplo, à autonomia
da vontade, ao devido processo legal e, acima de tudo, à vida
e à dignidade do ser humano estão por um fio, trêmulos
sobre o gume de uma lâmina. Princípios e fundamentos
constitucionais, como o da dignidade do ser humano, são freqüentemente
invocados para justificar decisões contrárias ao sistema
legal-constitucional brasileiro, mas, são parte do todo que
o direito compõe, não seus elementos exclusivos. Nada
mais absurdo que considerar a interpretação da Constituição
à luz do Código Penal, do Código Civil ou de
que lei for. O direito é um todo e possui seus caminhos de
aplicação.”
Assevera Fontes que “o jurista não tem condições,
sob aspecto técnico, de averiguar se pelo atual estágio
de desenvolvimento da medicina efetivamente não existe solução
para a anomalia de que supostamente padecem fetos anencéfalos.
Segundo estimativas extra-oficiais, existem hoje no Brasil mais de
350 alvarás judiciais autorizando a prática da interrupção
seletiva da gravidez em nome de anomalias fetais incompatíveis
com a vida extra-uterina.
Sabe-se que há relação direta entre fetos anencéfalos
e abortamento espontâneo. Cerca de 65% morrem no período
intra-útero. Dos que sobrevivem, cerca de 2/3 falecem nas primeiras
três horas. Alguns registros mostraram que, de 180 anencéfalos
vivos, 58% não sobreviveram após as primeiras 24 horas.
Quando a alma está presente?
Que é a alma? A resposta é encontrada no “Livro
dos Espíritos”, na questão 134 e diz que é
“um espírito encarnado”. Mas, que era a alma antes
de se unir ao corpo? “Um Espírito”.
O corpo pode existir sem alma, não sendo um homem mas massa
de carne sem inteligência (questão 136). Na agonia, algumas
vezes, já tem deixado o corpo havendo apenas vida orgânica.
Cabe perguntar, sob o ponto de vista prático, como saber se
o espírito já deixou o corpo e como saber se está
ligado ao corpo do anencéfalo.
Nas questões deste capítulo do "O Livro dos Espíritos"
vamos encontrar novamente o vocábulo (alguns/algumas) na questão
356, onde verificamos que entre os natimortos há alguns onde
não foi destinada a encarnação de espíritos.
Por outro lado, o Livro dos Espíritos é claro quando
informa que se a criança vive após o nascimento ela
tem forçosamente encarnado em si um espírito e é
um ser humano (questão 356b). Interessante é que não
tendo sido destinado à encarnação de espíritos,
corpos podem chegar a termo de nascimento, algumas vezes (de novo
o vocábulo), mas não vivem (questão 356a).
Essas questões parecem explicar (percentuais referidos anteriormente)
os 65% de anencéfalos que morrem no período intra-útero
e ainda os outros 42% que sobrevivem após as primeiras 24 horas.
Uma mulher tem o direito de levar a termo uma gestação
com uma criança seriamente afetada, quando isso representa
uma carga financeira e social imensa para toda a sociedade?
No momento de decisão vamos nos debruçar sobre a resposta
dada pelos Espíritos Superiores (na questão 356b) –
“há forçosamente um espírito encarnado”.
O bebê anencéfalo passou o primeiro dia em casa em estado
estável, em Patrocínio Paulista (SP). Após receber
alta ontem, Marcela de Jesus Ferreira, que vai completar cinco meses
amanhã (20 de abril de 2007), respira sozinha. Para não
desgastar a sua saúde, ela conta com auxílio de um capacete
fornecedor de oxigênio.
A mãe Cacilda informou que a garota está bem e é
alimentada com suco de frutas e leite em pó, por meio de uma
sonda. A pediatra responsável pelo caso, Márcia Beani
Barcellos, fará visitas regulares para acompanhar a evolução
da saúde da criança. A menina, que nasceu na Santa Casa
de Patrocínio Paulista, próximo a Ribeirão Preto,
São Paulo, está morando com a mãe em uma residência
próxima ao hospital. Com estado de saúde estável,
ela contrariou as previsões médicas que só lhe
davam alguns dias de vida (Redação Terra, Quinta, 19
de abril de 2007).
Fontes é enfático: “decretar viver ou morrer não
é poder do juiz.” Certamente ele vai deixar os calouros
de direito em reflexão profunda, quando adjetiva: “mais
inviável do que o nascituro tido como anencéfalo é
a pretensão de alcançar judicialmente uma autorização
de aborto, porquanto injusta, ilegal, inconstitucional, juridicamente
impossível, irrelevante e inútil.”