Espiritualidade e Sociedade



Luiz Carlos D. Formiga

>    Razões da Dor - Os Espíritas e o STF diante dos Fetos Anencéfalos

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Luiz Carlos D. Formiga
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Os fetos anencéfalos possuem uma alma? Onde fica o espírito de uma pessoa viva? Será no cérebro? Anomalias fetais: devemos abortar? (5). Alguns oferecem opinião com facilidade, mas decidir nem sempre é fácil. No caso Daniel Dantas a operação Santiagraha da Policia Federal prendeu o banqueiro. No entanto, por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal ele foi solto. Esta decisão dividiu opiniões. Um especialista acha que o ministro tem razão, outro fala em “abuso de direito”, chegando a dizer que merece “impeachment”.

O aborto de anencéfalos é tema que vai produzir muita divisão, como aconteceu com o das células-tronco embrionárias. Mas nós, os espíritas, vamos decidir examinando a obra de Kardec, como fazem os bons juristas ao estudarem a Constituição da República. Estes a examinam como um todo, não escamoteiam artigos nem esquecem princípios fundamentais. Kardec era descendente de família que se destacou na magistratura e nas lides forenses (1).

Renata Mariz (6) escrevendo sobre o aborto de fetos anencéfalos diz que “a pauta recheada de polêmicas só começou. Depois da agitada — e quase empatada — votação sobre o uso de embriões humanos em pesquisas científicas (que terminou 6 a 5 pró-pesquisas sem restrições), novos julgamentos controversos estão prestes a ser travados no Supremo Tribunal Federal (STF)”. André Luiz comenta no livro Libertação, psicografia de Francisco Candido Xavier, FEB Editora, que “chega sempre um instante no mundo em que nos entediamos dos próprios erros”. Na evolução, esse é o momento em que nasce o homem-ministro novo através da reflexão bioética, que agora consegue perceber com sua natureza transdisciplinar.

No livro do espírito André Luiz, no capítulo 14, intitulado “Singular Episódio”, o espírito Leôncio, diante dos mensageiros do bem e dos fatos que havia presenciado, experimenta seus primeiros momentos de transformação. Caindo em si, lembra que seu herdeiro ainda reencarnado está sendo envenenado. Nesta hora não hesita em pedir ajuda: “Benfeitor, por piedade! Meu desventurado Ângelo permanece à beira do túmulo... Admito que o fim do corpo esteja marcado para breves dias, se mãos amigas e devotadas não nos socorrerem à altura de nossa indigência. Já fiz tudo quanto se achava ao alcance de nossas possibilidades, porém sou parte integrante de uma falange de seres malvados e o mal não salva, nem melhora ninguém”.

Renata Mariz (6) informa que da lista de controvérsias que dividem a sociedade, a primeira a sair da gaveta deve ser a ação que pretende descriminalizar o aborto de fetos sem cérebro, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, que está parado desde 2004 no STF, vai agendar para agosto a segunda audiência pública da história do tribunal, com o objetivo de discutir a questão. A primeira, e até agora inédita, foi pedida em abril do ano passado para debater o tema das células-tronco embrionárias”.

Agora, em agosto de 2008 teremos que tomar nova decisão. Após o recesso de julho, o Supremo Tribunal Federal julgará o aborto de fetos anencéfalos.

Algumas informações aparentemente velhas necessitam de nova leitura, porque talvez não tenhamos observado o detalhe que pode modificar o pensamento, como aconteceu não apenas com Leôncio no “Singular Episódio”, na presença do mensageiro do bem. “O mal não salva, nem melhora”. Espíritas, ou não, cometemos erros diante do julgamento anterior, mas “chega sempre um instante no mundo em que nos entediamos dos próprios erros”. Por isso, parece pertinente examinar recente artigo do professor universitário Décio Iandoli Júnior, sobre as Células, a Ciência e o Espiritismo, que está na página da Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo com o título “Quando Começa a Vida“ (1).

Renata Mariz (6) lembra que foi o ministro Marco Aurélio que autorizou, com uma decisão liminar, em julho de 2004, a retirada de fetos sem cérebros do útero materno e que três meses depois da liberação, porém, o plenário do Supremo decidiu derrubar a liminar.

Na madrugada em que os ministros tornavam novamente crime a interrupção da gravidez no caso de anencéfalos, sujeita a três anos de prisão, Severina Ferreira estava no leito de um hospital em Pernambuco. Grávida de quatro meses, ela se submeteria à cirurgia naquela manhã de 20 de outubro de 2004, pois seu bebê não tinha cérebro.

Severina conta que foi o médico quem lhe informou que o parto antecipado estava proibido no país. Restou-lhe batalhar por uma autorização judicial para o procedimento, que só veio aos sete meses de gestação. Estimativa do Instituto de Medicina Fetal mostra que já chegaram à Justiça brasileira cerca de 3 mil pedidos de aborto de anencéfalos — 97% deles aceitos pelos juízes.

Atingida pela tipicidade a ilicitude inerente a conduta pode ser desprezada se estamos diante de determinadas circunstâncias previstas no código penal. Essas circunstâncias são referidas como excludentes de antijuridicidade. Assim, mesmo que a conduta típica seja praticada a circunstância a justifica e afasta a ilicitude. Um exemplo é o estado de necessidade, onde, não havendo outro meio, se acaba lesando o interesse de outro. A legitima defesa (para repelir injusta agressão), o estrito cumprimento do dever legal (dever imposto mediante lei) e o exercício regular de direito (cirurgião produz lesões corpóreas) são outros exemplos.

Renata Mariz (6) diz que se no meio judicial há um relativo consenso, o tema é explosivo na seara religiosa e que o padre Luiz Antonio Bento, membro da Comissão de Bioética da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) teme que a aprovação da matéria abra as portas para a legalização irrestrita do aborto e a prática da eugenia. Diz ele: “A criança que está sendo gerada com anencefalia é como qualquer outro ser humano, que merece respeito e dignidade. Se matamos o bebê com anencefalia hoje, o que faremos amanhã com os deficientes físicos?”

Informa a jornalista do Correio que “a CNBB teve negada, pelo ministro Marco Aurélio, sua candidatura à posição de amicus curiae (espécie de perito especializado ouvido como parte em processos no STF) no caso dos anencéfalos. Do outro lado, a favor da liberação, está a Conectas Direitos Humanos, uma organização não-governamental” que ainda não tinha tido resposta de sua candidatura.

Estado de necessidade nos faz lembrar o artigo de Raquel Donato (3), no nosso Jornal dos Espíritos. Nele nos entristecemos ao lembrar que a fome ameaça 100 milhões de criaturas. A fome não tem ética. Raquel nos lembra para agradecermos a Deus o alimento disponível e nos pede para doarmos de coração uma parte da refeição em favor dos necessitados. Também parece difícil ser ético durante uma guerra e, no Brasil, na política.

Vamos lembrar com Lodi da Cruz (2) o ano 70 d.C.. A cidade de Jerusalém foi sitiada pelo general Tito, em represália a uma rebelião dos judeus. “Os zelotes percorriam as ruas em busca de alimento. Duma casa saía cheiro de carne assada. Os homens penetraram imediatamente na habitação e pararam diante de Maria, filha da nobre família Bet-Ezob, extraordinariamente rica, da Jordânia oriental. Maria tinha ido como peregrina a Jerusalém para a festa da Páscoa. Os zelotes ameaçaram-na de morte se não lhes entregasse o assado. Perturbada, a mulher estendeu-lhes o que pediam, e eles viram, petrificados, que era um recém-nascido meio devorado – o próprio filho de Maria".

Cruz diz “que se poderia tentar justificar a atitude da mulher faminta, com o seguinte argumento: se ela não tivesse matado o próprio filho, ambos teriam morrido; ao matá-lo para saciar sua fome, pelo menos uma das vidas foi poupada”. No entanto, afirma que nunca é lícito matar diretamente um inocente, nem sequer para salvar outro inocente. Em seguida nos faz pensar, quando pergunta se diante dos conhecimentos biomédicos atuais, na prática, o aborto realmente pode servir de meio para salvar a vida da gestante?

O católico, ao oferecer um exemplo questiona outra vez. Diante de uma intervenção cirúrgica cardiovascular em uma mulher grávida que poderia ter como conseqüência a morte do nascituro o que se deve fazer? Cruz aponta quatro condições para podermos praticar atos que tenham duplo efeito, um bom e outro mau. Desta forma nos coloca diante do principio da causa com duplo efeito na Academia de Medicina do Paraguai.

Apresenta outro caso para julgamento pelo ministro do supremo tribunal de nossas consciências: “uma mulher grávida sofre de uma infecção renal. O médico prescreve-lhe um antibiótico. Há, porém, o perigo remoto de a droga causar danos ao nascituro. No entanto, não há outro antibiótico que seja menos nocivo ao bebê e nem é possível esperar o nascimento da criança para iniciar o tratamento”. O que fazer?

O espírita não pode deixar de ler “o principio da causa com duplo efeito” dos médicos paraguaios, descrito no artigo do católico Cruz (2).

Anteriormente, desejando estimular a reflexão espírita respondemos a pergunta: deve-se aceitar o aborto para “salvar a vida” da gestante portadora do vírus da AIDS, grávida pelo estupro? (4)

Antes de prolatar a sentença não podemos esquecer que somos arquitetos do próprio destino. Nossas ações, decisões, produzem reações, diante da Lei. Por isso, herança aqui é “conquista” pessoal. Não haverá injustiça na hora do inventário. A melhor parte ficará com aquele que não apenas admirar a ética espírita, mas colocá-la em prática.

A condição passageira de “estar” ministro pode ser uma provação, mas os espíritos superiores disseram que a paternidade é missão. Até diante da anencefalia? (5)

 

(1) Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo. Artigo – Liberdade de Crença e Estado Laico. Publicado na Folha de São Paulo, 07/07/2008. http://www.ajesaopaulo.com.br/

(2) Cruz, LCL. A Causa com Duplo Efeito. Um principio ético importantíssimo para se entender certos casos relativos ao aborto. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11487

(3) Donato, R. Fome Ameaça 100 milhões. 13 de julho 2008. http://www.jornaldosespiritos.com/index.htm

(4) Formiga, LCD. Ética, Sociedade e Terceiro Milênio. http://www.panoramaespirita.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=4981

(5) Formiga, LCD. Anomalias Fetais: abortar? http://www.jornaldosespiritos.com/2007.3/col49.6.htm

(6) Mariz, R. Correio Brasiliense. 08 de junho, 2008.

 

Fonte: http://www.jornaldosespiritos.com/2007.3/col49.30.htm

 

 


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