Alguns pacientes
de AIDS atravessam todo o processo da doença sem necessitarem
da ajuda dos profissionais da Saúde Mental. No entanto,
outros sentem ansiedade ou angústia aumentadas, o que origina
reações diversas, como intensa tristeza, desesperança
ou reações depressivas. O sentimento de culpa, o desânimo,
a insônia, ou a eventual idéia de suicídio repercutem
de tal forma que o sistema imunológico de defesa apresenta
reações não menos depressivas. A apatia faz
parte da evolução da doença, mas é possível
encontrarmos distúrbios de memória, atenção
ou de outras funções ligadas ao domínio cognitivo.
A negação, a
revolta, a raiva.
"Por que eu? O laboratório
deve estar errado. É muito azar! É castigo."
Iremos encontrar aqueles tomados de
sentimentos persecutórios, sentindo-se alvo de maldições
ou coisas semelhantes. Estas são reações paranóides
que, num ambiente acolhedor, tendem a ceder e posteriormente são
trabalhadas de forma ambulatorial.
Encontraremos os que adotam uma atitude arrogante, de indiferença
ou mesmo de desprezo diante da própria enfermidade e do tratamento.
É uma tendência à negação da realidade.
São reações maníacas que muitas vezes
necessitam da intervenção do médico psiquiatra.
Encontraremos ainda reações hipocondríacas,
conversivas, ou as dissociativas, como, por exemplo, a amnésia,
os estados crepusculares, ou ainda a personalidade múltipla
que são reações histeriformes. Aqui o ponto
principal é a perda da identidade. Essas últimas vão
exigir a atuação médica especializada.
A doença é de tal ordem ameaçadora que existem
quadros onde mais de uma entidade está participando. São
os quadros clínicos psico-orgânicos, onde sintomas
mentais podem vir acompanhados de problemas neurológicos.
Há o comprometimento do nível de consciência.
Isto introduz um agente complicador que obriga ao diagnóstico
diferencial, entre manifestações emocionais, psiquiátricas
e organo-cerebrais.
Há na AIDS a eclosão de reações psicológicas
e/ou psiquiátricas, mas, se já não bastasse,
é necessário considerar a própria característica
do paciente que nos locais de atendimento público é
predominantemente de baixa renda, sem trabalho fixo ou subempregado,
embora jovem, do sexo masculino e anteriormente saudável.
A metade dos pacientes é representada pelos toxicômanos,
que é condição também predominante no
sexo feminino, associada à prostituição.
Num país que vive uma séria crise sócio-econômica,
estas observações nos fazem pensar, além do
aspecto puramente médico, nas condições de
saúde e moradia dessas pessoas antes da contaminação.
O fato da grande maioria, dos pacientes, pertencer a grupos com
comportamentos de risco dificulta, ainda mais, as suas relações
interpessoais. Nesse particular, difícil é a posição
da Equipe de Saúde que, com neutralidade, tem que lidar com
os valores e o estilo de vida escolhido pelo paciente, ao mesmo
tempo que emprega todos os esforços na tentativa de restabelecer
o seu estado de ânimo, a sua esperança no tratamento.
Nesta doença, os contactos iniciais com a equipe de saúde
são repletos de desconfiança e de omissões
de informação, pelo receio do uso que o profissional
possa dela fazer. É por isso que nas entrevistas são
sempre asseguradas a privacidade e o sigilo, para possibilitar uma
relação de confiança, que permita ao paciente
relatar particularidades de sua vida e de seus problemas pessoais.
De modo geral os pacientes homossexuais evitam o contacto com a
equipe de psicologia e os usuários de drogas são motivados
por uma crédula solução mágica, que
os ajude a largar o hábito.
O resultado do exame.
Momento de crucial importância
é aquele em que se tem que revelar o resultado do exame sorológico
positivo.
As experiências têm demonstrado que o médico
deve ser franco quanto aos resultados dos exames e informar sobre
todos os recursos de ajuda disponíveis. Embora alguns possam
advogar que o paciente está sob forte sofrimento e despreparado
para tal revelação, esta conduta coloca sob risco
outros membros da comunidade e afasta o processo educativo, que
leva ao compromisso de quebra da cadeia de transmissão.
A incerteza de seu futuro conduz à ansiedade ou angústia
com manifestações de medo, revolta, impaciência,
opressão toráxica, insônia, etc. Dificuldades
no mundo exterior intensificam essas manifestações,
não raro surgem as ameaças de transfiguração
estética, temor da morte, do abandono, perda de emprego,
etc.
Reações psicológicas após a confirmação
da suspeita.
De modo geral estes pacientes respondem com reações
que se assemelham àquelas descritas por Kubler-Ross, para
os pacientes referidos como terminais.
NEGAÇÃO - mecanismos de defesa protetores
do ego. Existe a fantasia da não contaminação.
Sendo assintomáticos, continuam a fazer uso de drogas e a
realizar relações sexuais, sem uso de preservativos.
Curandeiros podem ser procurados, assim como outros laboratórios
para tentar, num novo exame, encontrar o resultado negativo.
REVOLTA - Culpando a família, o parceiro
ou outro, questiona: "Por que eu?"
A síndrome de vingança é extremamente rara,
ficando apenas na ameaça verbal, quando em ambiente solidário.
Imaturos emocionalmente os surpreendemos com a arrogância,
o narcisismo, a onipotência tentando desafiar a realidade
em atitudes de desprezo pela auto-preservação. Para
outros, a doença aparece como um castigo, vindo exatamente
no momento em que estavam se recuperando da vida desregrada que
levavam. Passam então à fase seguinte conhecida como
barganha ou negociação.
BARGANHA - é o momento das promessas. Duro
é buscar voluntariamente tratamento para abandonar os tóxicos
e não ser aceito por ser portador do vírus. Passa
então à nova fase quando tenta resolver situações
não resolvidas com as pessoas das suas relações.
INTERIORIZAÇÃO é a fase onde
ainda não está preparado para aceitar a morte.
Na ACEITAÇÃO, última fase,
faz o planejamento realístico para a morte, nesse momento
já resolveu o que era possível no tempo disponível.
Qualquer mudança na condição de saúde
do paciente pode precipitar uma mudança de estágio
que não é tão uniforme como acima apresentado.
Reações familiares
Com pacientes toxicômanos e/ou homossexuais é
muito freqüente a ausência de um dos pais, ou a presença
de conflitos familiares anteriores ao diagnóstico. O estilo
de vida do paciente era para eles desconhecido e por isso recebem
duplo choque. É confirmada a fragilidade dos vínculos
familiares ou em outras famílias a adaptação
ao estilo de vida do paciente.
Surge a necessidade de reestruturação da família.
Mas, como se proteger sem abandoná-lo? Como evitar a rejeição
social da família? Encontra-se também a superproteção
e fatos são escondidos ou camuflados. A condição
de vítima do paciente dificulta o seu amadurecimento emocional.
A ajuda à família omissa é de vital importância.
Deve-se tirar dúvidas sobre a doença e dar apoio psicológico.
Será que haverá vaga para uma nova internação?
Reuniões individuais e grupais fazem parte desta programação.
Aspectos psico-imunológicos
Numa doença que provoca tantas reações, fica
clara a necessidade do diagnóstico diferencial entre manifestações
emocionais, psiquiátricas e organo-cerebrais. Este fato nos
remete também a outro domínio, que tem sido objeto
de estudos recentes, o da influência dos fatores psicológicos
na predisposição ou no curso de enfermidades orgânicas,
principalmente aquelas ligadas ao sistema imune como infecções,
doenças auto-imunes ou malignas.
Atualmente, é consensual admitir que o "stress"
produz efeito imunossupressivo. Leucócitos, linfócitos
são os soldados desse imenso exército de defesa do
corpo humano, que são os primeiros a serem afetados por estados
alterados psicológicos. O estudo em dois grupos de indivíduos
mostrou que os angustiados mais deprimidos, tinham menor capacidade
de reparação do DNA danificado, quando seus leucócitos
eram expostos à irradiação de raios X.
Resultado que adiciona evidências sugestivas da influência
de fatores psicológicos, é o descontrole apresentado
diante do vírus Epstein-Barr da mononucleose infecciosa,
que causa uma severa dor de garganta. Mulheres que estiveram passando
pelo desconforto da separação conjugal e do divórcio
possuíam níveis maiores de anticorpos anti-vírus
Epstein-Barr. Por outro lado, os maridos de mulheres em estágio
avançado de câncer de mama, após a viuvez apresentavam
supressão significativa de linfócitos, com reflexos
tanto na imunidade humoral (uma espécie de artilharia imunológica),
quanto na imunidade celular (semelhante a uma infantaria mecanizada).
O estudo com estudantes de Medicina, em vésperas de exame,
também tem demonstrado a influência dos fatores psicológicos
na economia biológica. Os acadêmicos podem apresentar
infecções respiratórias após os exames
e mais uma vez vamos encontrar supressão dos linfócitos
"killer" (células semelhantes a soldados treinados
com técnicas marciais), o que também foi observado
em indivíduos com auto-relato de solidão ou em pacientes
internados que estiveram muito sozinhos neste período. Os
estudantes também apresentaram baixos níveis de interleucina
II (uma espécie de comunicação e incentivação
do exército de células em combate ativo) e o descontrole
diante de determinados vírus como o do Herpes e da Mononucleose.
É conhecida a ação dos corticosteróides
como agentes imunossupressores. Os níveis de cortisona podem
estar aumentados em pacientes internados solitários, que
podem também apresentar diminuição da atividade
dos linfócitos.
Estamos diante de observações que nos fazem refletir
sobre a Aids e a História da Medicina. Nunca uma doença
foi tão rapidamente identificada e descrita com detalhes
em seu aspecto etiológico.
Nós, que estivemos nestes últimos 20 anos com o pires
na mão diante das agências de financiamento de pesquisas,
continuamos a manter a esperança nos imunologistas, nos pesquisadores
da quimio-antibióticoterapia, nos engenheiros da Genética,
mas não esquecemos daqueles que sempre foram relegados a
um segundo plano, na chamada Política Científica,
os professores, os educadores, os sociólogos, e os psicólogos,
entre outros profissionais de inegável valor e importância
nos dias que correm.
Um tratado de Psicoimunologia
A melhor vacina continua sendo a informação que propicia
mudança de comportamento. A Aids veio para ficar e testar
também nossos valores ético-morais. Vencerá
aquele que tiver melhor capacidade adaptativa as novas exigências,
mas dependerá também do outro, que nesta hora por
força das circunstâncias terá que ajudar.
O desequilíbrio na relação "stress"
- doença é desencadeado por situações
diversas da vida individual ou social. Chegamos ao paradoxo
de por egoísmo ter de que adotar comportamentos altruístas.
"O amor é irmão gêmeo da dor".
O fator crítico que é a adaptação pode
ser influenciado por experiências passadas, suporte social,
características de personalidade e de defesa do ego, padrão
de comportamento habitual, etc. A má adaptação
às mudanças é o que parece provocar as alterações
do sistema imune, que terminam no aparecimento de sinais e sintomas
de doenças.
Poucos estão alertados de que a boa adaptação
envolve um problema de crescimento espiritual, e que o hormônio
desse crescimento não tem origem na hipófise. Pena
que só mais tarde muitos irão saber porque o Evangelho
é o maior tratado de Psicoimunologia.
Quem viu Jesus doente?
Capítulo do livro "Dores, Valores,
Tabus e Preconceitos", CELD-Editora.