Quem perde a mãe é órfão, quem
perde o marido é viúva, mas quem perde um filho?
No avião, aquele senhor mais parecendo um artista com seus
cabelos brancos, perguntou-me sobre a minha atividade profissional.
Informei que era professor na faculdade de medicina e atendia a um
convite feito pelo Ministério da Saúde. Disse-me, então,
que era Juiz de Direito, mas que a minha responsabilidade era maior.
Explicou-me que o juiz pode errar e prejudicar uma pessoa, mas o professor,
se for negligente, poderá causar dano em muitas mentes.
Calou-me fundo o comentário e hoje dele me recordo, diante
da menina e da administração venosa de vaselina líquida,
no lugar da solução salina isotônica. Quem fora
seu professor?
Todo ser humano deve se beneficiar dos padrões éticos
de maior nível nas ciências biomédicas. Que prova-provação
difícil para a mãe ver a filha agonizando e pedindo
para que não a deixasse morrer!
Para o Conselho de Enfermagem a semelhança entre os frascos
de vaselina líquida, que foi colocada no lugar do soro não
justifica erro. “Não é possível confundir
quando isso está sendo feito por um profissional devidamente
capacitado, qualificado e preparado para aquele procedimento”,
disse o membro do Conselho.
Tenho conversado, por e-mail, com uma pessoa que perdeu o filho. Uma
carta está no Jornal dos Espíritos (1) A mãe
lamenta que o Chico Xavier não esteja mais junto de nós
psicografando para aliviar as dores extenuantes, difíceis até
de nomear.
Será que podemos pensar a fatalidade venosa utilizando três
palavras: imprudência, negligência e imperícia?
Vamos ao dicionário:
“Imprudência,
em termos jurídicos é a inobservância das precauções
necessárias. É uma das causas de imputação
de culpa previstas na lei.
Negligência é falta de atenção,
inobservância e descuido no agir.
Já a imperícia é falta de
habilidade ou experiência reputada necessária para
a realização de certas atividades e cuja ausência,
por parte do agente, o faz responsável pelos danos ou ilícitos
penais advenientes.”
No avião, o que teria dito
aquele Juiz de Direito?
O comentário daquele profissional me fez transitar entre a
responsabilidade social do cientista e a do docente na universidade.
Tentando me antecipar (2) escrevi artigo dirigido aos “da saúde”.
“O fornecedor de serviços responde, independente da existência
de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação de serviços.”
O hospital, ao fornecer serviços de saúde médico-hospitalares,
está sujeito às normas do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). A relação jurídica
estabelecida com os seus pacientes é contratual, legítima
relação de consumo, com as conseqüências
legais decorrentes. As atividades complementares, ao atendimento do
paciente, também ficam protegidas pelo manto deste contrato.
Entre elas está o serviço de enfermagem. Vamos recordar
que a obrigação incluída neste contrato do hospital
é de meios e não de resultados. No entanto, a assistência
médica deve ser a mais adequada possível, devendo dispor
de pessoal competente, nos procedimentos oferecidos aos seus pacientes
nos atendimentos, uma vez que no contrato está implícita
a cláusula de incolumidade, que tem característica de
uma obrigação de resultados.
Neste artigo (2), as palavras-chave foram erro biomédico, Microbiologia
Médica, Bioética e Biodireito. Poderia agora acrescentar
a prudência, a diligência e a perícia, sempre estimuladas
na educação continuada. Melhores serão os resultados,
da equipe de saúde, se estivermos diante de profissionais apresentando
mestria, qualidade de perito e profundo respeito pela pessoa.
Pessoa é o indivíduo na sua dimensão ética,
o valor fonte de todos os valores. “A educação
da alma é a alma da educação”, psicografou
o médium Chico Xavier. Nos fundamentos do Estado Democrático
de Direito (CRFB/88, Artigo 1º) vamos encontrar a “dignidade
da pessoa humana”. Ao titular desse direito e razão de
ser da própria existência, acresce-se o direito à
vida, sem o qual a pessoa humana seria inconcebível. O “Rei”
cantou: “A vida é amiga da arte”. “Eu vi
muitos cabelos brancos na face do artista.”
Abençoadas as cartas do artista da mediunidade(3), aquele que
festejamos seu centenário. Com elas, aquelas mães, potencialmente
suicidas, puderam perceber que a morte do corpo não mata a
vida. Seu filho é imortal! Mãe, aceita a prova, mas
não precisa passar com dez. Estamos juntos!