Em agosto de 1998, a Federação Espírita Brasileira
(FEB) publicou obra de significativo valor histórico: o original
francês da segunda edição de Le Livre
des Esprits (O Livro dos Espíritos), dado a público
no início de 1860. Como todos sabem, foi esta a edição
que se tornou definitiva, tendo quase o dobro da extensão
da primeira edição, de 1857. O que a publicação
traz de novo é o fato ser a reprodução fotomecânica
da edição original, a partir de precioso exemplar
existente na biblioteca da FEB. Temos, pois, o texto tal como saiu
das mãos de Kardec (ou quase; ver adiante). Isso permite
conferir eventuais falhas de impressão nas edições
atuais. De fato, já pudemos constatar, por exemplo, algumas
pequenas trocas de letras e falhas de pontuação na
edição francesa corrente, da Dervy-Livres (Paris,
s.d., dépôt légal 1985; essa edição
aparentemente coincide com a que a FEB digitalizou e tornou disponível
em seu site, embora no texto eletrônico conste “Éditions
de l’Union Spirite Kardeciste Belge, 1954”). Além
disso, a nova publicação mostra exatamente a estética
do texto original, com a sóbria e criteriosa escolha de tipos,
espaçamento, etc. que caracterizava as obras de Kardec.
Infelizmente, a edição é limitada, não
se encontrando à venda. Para o bem das pesquisas espíritas,
esperamos vivamente que os editores tornem o importante volume disponível
para qualquer interessado. Seria também desejável
que a eventual reedição futura do livro apresentasse
melhor padrão gráfico. Pelo menos o exemplar que temos
às mãos (que nos foi gentilmente cedido pela FEB)
tem diversas páginas com letras relativamente esmaecidas
e, de um modo geral, falta nitidez em quase todo o livro. Na sugerida
reedição, poderiam ser utilizados os mesmos critérios
e métodos técnicos empregados nas excelentes reproduções
do Imitation de l’Évangile selon le Spiritisme (1979),
do próprio Evangile selon le Spiritisme (1979), do Procès
des Spirites (1975) e do Répertoire du Spiritisme (1974).
Esperamos, por fim, que a reprodução do Livre des
Esprits represente a retomada dessas felizes iniciativas da FEB,
tão necessárias para enriquecer o material bibliográfico
espírita, e que novas obras de valor histórico sejam
igualmente objeto de publicação.
Colaboraram nessa nova edição do Livro dos Espíritos
o Conselho Espírita Internacional (coordenação),
o Instituto de Difusão Espírita (impressão)
e a União Espírita Francesa e Francófona. A
esta última coube a realização de pesquisas
na Biblioteca Nacional da França, para averiguar possíveis
alterações nas edições que se seguiram
à segunda. Foram de fato encontradas diversas mudanças,
conforme indica a Nota Explicativa dos editores. Passamos agora
a indicar e comentar brevemente os itens dessa nota, reservando
para outros artigos a serem publicados por este periódico
a consideração detalhada de cada um deles, assim como
de outros tópicos relacionados a essa edição.
1) Uma “Nota” aos Prolegômenos,
que foi depois retirada, a partir da 10a edição, de
1863. Na edição da FEB a nota foi reproduzida no local
em que originalmente estava, ou seja, no final dos Prolegômenos.
2) Uma “Errata”, de uma página de extensão.
Ela apareceu apenas na 5a edição, de 1861, após
a última página. Dela, apenas um item, a supressão
de duas palavras no final da resposta à questão 586,
foi incorporado às edições posteriores. Na
edição da FEB a errata foi reproduzida na posição
original.
3) Pequenos acréscimos e modificações,
em sete pontos, no texto da 13a edição, de 1865, que
foram incorporados às edições subseqüentes.
A edição da FEB incorpora essas sete alterações
no próprio texto, sem nenhuma indicação local;
a Nota Explicativa menciona as mudanças, mas em dois casos
as informações dadas não permitem saber exatamente
o que foi alterado, mencionando-se apenas, genericamente, “modificações”
ou “acréscimos” nas linhas tais e tais. Isso
desaponta o pesquisador espírita. O problema poderá,
no entanto, ser facilmente corrigido na futura reedição,
que esperamos ver, fornecendo-se, na Nota Explicativa ou em um apêndice,
as indicações completas e precisas. Seria preferível
que as alterações não fossem
incorporadas ao texto, com atualmente. Afinal, trata-se de reprodução
fotográfica do exemplar da segunda edição,
e nela tais alterações não figuravam. Teríamos,
então, um texto histórico puro, tal qual era vendido
no Quai des Augustins ou no Palais Royal em 1860. Como saiu, o texto
nem é este texto estritamente histórico, pois incorpora
sem aviso preciso as alterações de 1865, nem é
o texto ideal que, aparentemente, Kardec gostaria de ter visto,
pois não incorpora, por razões gráficas, os
itens da Errata de 1861, com exceção da supressão
das duas palavras no item 586.
Ademais, quanto a este último ponto, temos de reconhecer
que provavelmente nunca saberemos ao certo o que seria esse texto
ideal: Por que a Nota aos Prolegômenos foi, afinal, retirada?
Por que a Errata só apareceu na 5a edição?
Por que, dela, somente um item mínimo foi incorporado às
edições subseqüentes, quando a existência
das outras alterações mostra claramente que Kardec
teve a oportunidade de incorporar todos? Estudos históricos
poderão, talvez, nos dar bases para alguma suposição
acerca disso tudo, mas a rigor nunca saberemos.