Embora aparentemente simples, as questões
do que é e para que serve a filosofia estão entre as
que mais dificuldades e divergências causam entre os filósofos.
Esse mero fato, porém, já indica algo importante sobre
a natureza da filosofia: o questionamento sistemático, incessante
e profundo de tudo o que se afirma.
É comum caracterizar-se a filosofia como aquilo que fazem os
grandes filósofos: Platão, Aristóteles, Tomás
de Aquino, Descartes, Locke, Hume, Kant, entre tantos outros. Embora
pareça circular, essa definição também
ajuda a delinear o domínio dessa disciplina, desde, é
claro, que se estudem as obras desses homens. Quando fazemos isso
damo-nos conta de que existe uma ampla variação nos
problemas, teses e métodos que se consideram pertinentes à
filosofia.
Voltando às origens da filosofia na Grécia Antiga, notamos
que, pela própria etimologia do termo, a filosofia era entendida
como o amor ao saber, ou a busca da verdade. Naquela época
e, em certa medida, por muitos séculos da era cristã,
a filosofia englobava todos os ramos do conhecimento puro (em contraste
com as artes e ofícios). Só gradualmente é que
alguns deles foram se tornando autônomos, como a matemática,
a astronomia, a história, a biologia, a física. Em particular,
a distinção entre filosofia e ciência é
bem recente, esboçando-se no início do período
moderno, no século XVI, e acentuando-se nos séculos
seguintes.
Hoje em dia costuma-se considerar pertencentes ao tronco principal
da filosofia as disciplinas da estética, lógica, ética,
epistemologia e metafísica, sendo que as duas primeiras mostram
tendência à autonomização. De forma muitíssimo
simplificada, pode-se dizer que a estética examina abstratamente
a beleza e a feiúra; a lógica investiga o encadeamento
formal das proposições; a ética estuda questões
relativas ao bem e ao mal, aos direitos e deveres; a epistemologia
ocupa-se do conhecimento, suas origens, fundamentos e limites, enquanto
que a metafísica procura especular sobre a natureza última
das coisas. Fora esses ramos fundamentais, há ainda diversos
outros que resultam de suas interconexões e especializações,
como por exemplo a filosofia política, a filosofia da linguagem,
a filosofia da ciência, a teologia.
Uma das principais correntes filosóficas contemporâneas
propõe que a filosofia não deve ser entendida como a
formulação ou defesa de teses ou conjuntos de teses
sobre o que quer que seja, mas simplesmente como o desenvolvimento
de métodos de análise crítica e sistemática,
a serem aplicados especialmente ao chamado conhecimento científico.
Nessa perspectiva, o filósofo seria alguém que tenta
explicitar os conceitos, os pressupostos, a estrutura lógica
e as implicações das teorias científicas, políticas,
religiosas, etc. Semelhante atitude crítica - mas não
de uma crítica leviana, estouvada ou interesseira - seria a
essência da filosofia, o elemento comum que permearia a grande
variedade de linhas filosóficas já concebidas.
Embora quando se olhe para as abstrações e sutilezas
tipicamente discutidas pelos filósofos se possa concluir que
a filosofia para nada serve ¾ e não poucos filósofos
concordariam com isso -, a referida proposta talvez permita encontrar,
num plano seguramente afastado do das necessidades materiais cotidianas,
uma finalidade útil para a filosofia: a clarificação
das bases, métodos e implicações das ciências
e de outras disciplinas intelectuais, contribuindo-se assim para a
identificação de fundamentos falsos ou inseguros, de
falácias argumentativas, de dogmas encobertos.
Ensinando, ou pelo menos convidando, o homem a refletir criticamente
sobre tudo o que se afirma ou faz em todos os setores, a filosofia
de alguma forma auxilia o aprimoramento de seu intelecto e, talvez,
de seus sentimentos, que o diferenciam de um mero animal que come,
bebe, dorme e se reproduz.