Conforme registra a edição histórica de Le
Livre des Esprits publicada pela FEB em 1998 (ver
resenha em Mundo Espírita, fevereiro de 2002, p. 5), a 5a
edição francesa, de 1861, trazia uma errata, com extensão
de uma página. A errata apareceu somente nessa edição;
na edição da FEB a errata foi reproduzida na posição
original, no final da obra. Por sua importância histórica,
daremos em seguida sua tradução integral. Os números
de página referem-se à edição francesa
(o exame comparado da errata com o texto da 2a edição,
reproduzido fotograficamente pela FEB, indica que a 5a edição
manteve a paginação da 2a). Para facilitar a localização
em outras edições, damos, quando necessário,
o item ou sub-item, entre colchetes. Teceremos depois alguns comentários
sobre as alterações indicadas por Kardec.
ERRATA
Página 73, no final da
nota [n° 165], acrescentar: Na morte natural, a perturbação
começa antes da cessação da vida orgânica,
perdendo o Espírito toda consciência de si no momento
da morte. Segue-se daí que ele jamais testemunha o último
suspiro. As convulsões da agonia são efeitos nervosos
que quase nunca o afetam. Dizemos quase, porque em certos casos
tais sofrimentos lhe podem ser impostos como expiação.
Página 109, n° 226, no final da nota, acrescentar:
Entre os Espíritos não encarnados, alguns há
que têm missões a cumprir e ocupações
ativas, gozando de relativa felicidade, enquanto que outros vagueiam
na incerteza. São estes últimos os errantes, na
verdadeira acepção do termo, constituindo, de fato,
aquilo que se designa pela expressão almas a penar. Os
primeiros nem sempre se consideram errantes, pois fazem uma distinção
entre a sua situação e a dos outros (1015).
Página 137, n° 285 [a], acrescentar: Quando necessário,
podem igualmente se reconhecerem pela aparência que tinham
quando vivos. Ao Espírito recém-chegado, e ainda
pouco familiarizado com seu novo estado, os Espíritos que
o vêm receber apresentam-se sob uma forma que lhe permite
reconhecê-los.
Página 191, n° 437, acrescentar: ver o n° 257,
“Ensaio teórico da sensação nos Espíritos”.
Página 210, n° 479, acrescentar: ver o Livro dos Médiuns,
cap. “Da Obsessão”.
Página 252, linha 2 [n° 586, final da resposta], suprimir:
e intuitiva.
Dessa errata, apenas o último item foi incorporado às
edições posteriores, embora somente a partir da 10a
edição. Apresenta-se aqui uma série de dúvidas
de natureza histórica, cujo esclarecimento requer dados não
disponíveis. Mesmo assim é útil enumerá-las,
analisando-as como pudermos, para que saibamos doravante o que fazer
com a errata em nossos estudos espíritas.
Por que a errata apareceu somente na 5a edição? Por
que, com a apontada exceção, não foi incorporada
ao texto das edições subseqüentes? Pode ser que
razões econômicas tenham se anteposto a isso, pois
com o sistema de impressão da época qualquer alteração
que exigisse repaginação implicaria refazer todo o
texto daquele ponto em diante. Inspecionando graficamente o original,
no entanto, nota-se que isso ocorreria apenas com os itens 226 e
285, as demais alterações sendo incorporáveis
sem repaginação. Se uma alteração foi
incorporada, por que não as outras três? Pode-se supor
que aqui Kardec levou em conta a natureza das alterações:
a do item 586 é imperiosa, pois configura um erro –
certamente um lapso, e não alguma falha de observação
ou raciocínio –, enquanto que as demais são
em certa medida opcionais.
Essa suposição é bem plausível no caso
dos itens 437 e 479, que são meras indicações
de referências cruzadas. Quanto à outra mudança
que não requereria repaginação, a do item 165,
trata-se de um esclarecimento bastante útil acerca do processo
de desencarnação. Teria Kardec julgado que ainda faltava
apoio mais sólido ao que afirmou na errata? De qualquer forma,
à luz do que sabemos hoje não parece haver falhas
nas afirmações feitas.
São igualmente interessantes as alterações
referentes aos itens 226 e 285, cuja incorporação
no texto apresentaria dificuldades gráficas. A última
complementa de forma muito relevante a resposta inicial, um tanto
obscura, referente ao modo de reconhecimento dos Espíritos.
Essa complementação foi corroborada plenamente pelos
estudos espíritas ulteriores, especialmente pelos relatos
mediúnicos detalhados de que dispomos hoje, como os de André
Luiz, Philomeno de Miranda, Yvonne Pereira, etc.
Finalmente, quanto ao item 226, nota-se que Kardec procurou, na
errata, restabelecer o sentido próprio da expressão
Espírito errante. Ora, com o desaparecimento da errata e
a não incorporação dessa correção
às edições subseqüentes, esse objetivo
acabou não sendo alcançado. Cristalizou-se em toda
a literatura espírita o significado que Kardec reconheceu
como impróprio, segundo o qual Espírito errante é
sinônimo de Espírito desencarnado, independentemente
de sua condição.
Tentemos agora, para concluir, avaliar a errata de forma geral,
para nortear nossos estudos daqui para diante, e sugerir diretrizes
aos editores da obra fundamental do Espiritismo.
É inegável que o único erro propriamente dito
é o do item 586, que foi corrigido por Kardec,
embora tardiamente. Dele estão isentas as edições
correntes em francês, português, inglês e esperanto
a que tivemos acesso; devem, pois, ter se baseado em edições
posteriores à 10a.
As referências cruzadas, do penúltimo
e antepenúltimo item da errata, são evidentemente
úteis, devendo pois ser incorporadas às novas edições.
O mesmo vale, com mais forte razão, para os esclarecimentos
sobre a perturbação espiritual conseqüente à
desencarnação e sobre a aparência dos Espíritos
desencarnados.
Quanto ao adjetivo errante, é claro que
a reversão do uso corrente no meio espírita é
difícil, quando não impossível, ao menos a
curto prazo. Isso não impede, porém, que a observação
de Kardec seja inserida nas edições futuras.
Além disso, seria interessante que os escritores e expositores
espíritas levassem em conta esse ponto, o que gradualmente
induziria ao restabelecimento do sentido etimológico do termo.
Resta a questão editorial: as novas edições
devem reproduzir a errata no final ou incorporar as alterações
ao longo do próprio texto? Não temos dúvida
de que a segunda opção é preferível.
Primeiro, a errata está disponível para os pesquisadores
em sua versão original, na edição histórica
da FEB. Depois, e mais importante, o leitor espírita médio
de hoje certamente terá mais facilidade para perceber as
mudanças se elas estiverem no próprio texto. É
claro que neste caso deve haver notas de rodapé indicando
precisamente cada alteração, com uma referência
histórica geral à errata numa introdução
ou apêndice do editor.
A descoberta e publicação da errata foi uma contribuição
relevante para os estudos referentes ao Livro dos Espíritos,
e portanto ao Espiritismo de um modo geral, não devendo,
por isso, ficar confinada ao restrito círculo daqueles que
puderam ler o importante volume editado pela FEB.