1. Introdução
A mediunidade desempenha papel essencial
no estabelecimento da base experimental da ciência espírita
e nas atividades dos centros espíritas. Seu estudo sistemático
e contínuo possibilita a correta compreensão tanto
de sua natureza como de suas finalidades, habilitando-nos a dela
obter seguros e produtivos resultados, com vistas ao nosso aperfeiçoamento
intelectual e moral.
Esse estudo deve necessariamente
estar centralizado no mais completo e profundo tratado que já
se escreveu sobre a mediunidade: O Livro dos Médiuns,
de Allan Kardec. Os presentes apontamentos devem ser tidos unicamente
como uma exposição incompleta de alguns tópicos
importantes, destinada a facilitar posteriores contatos com essa
obra fundamental e a vasta literatura subsidiária surgida
desde sua publicação, em 1861.
No Vocabulário Espírita
que forma o capítulo 32 desse livro Kardec dá como
sinônimos os termos mediunidade e medianimidade, definindo-os
com "a faculdade dos médiuns".
Quanto à palavra médium, Kardec explicita o seu significado
em várias passagens de suas obras, como por exemplo nesse
mesmo Vocabulário, onde se encontra esta definição
sucinta:
MÉDIUM.
(do latim, medium, meio, intermediário). Pessoa que pode
servir de intermediário entre os Espíritos e os homens.
Ao analisar os conceitos de médium
e de mediunidade, faz notar que a palavra médium comporta
duas acepções distintas, expressas com clareza neste
trecho da Revue Spirite:
Acepção ampla:
Qualquer pessoa apta a receber ou
a transmitir comunicações dos Espíritos é,
por isso mesmo, médium, quaisquer que sejam o modo empregado
e o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência
oculta até à produção dos mais insólitos
fenômenos.
Acepção restrita:
Em seu uso ordinário, todavia,
esse termo tem uma aplicação mais restrita, aplicando-se
às pessoas dotadas de um poder mediador suficientemente grande,
seja para a produção de efeitos físicos, seja
para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou
pela palavra.
Quando analisamos um texto ou um
discurso onde o termo médium aparece, é importante
reconhecer em qual desses sentidos está sendo empregado,
a fim de se evitarem mal-entendidos e discussões sem fundamento.
Assim, por exemplo, a afirmação feita no parágrafo
159 de O Livro dos Médiuns de que "todos
[os homens] são quase médiuns" deverá
ser entendida apenas na acepção ampla do termo, pois
sabemos, pela questão 459 de O Livro dos Espíritos,
que todos somos passíveis de receber a influência dos
Espíritos, ainda que sob a forma sutil de intuição.
Incorreremos em grave equívoco se concluirmos daí
que todos somos mais ou menos médiuns no sentido restrito
e usual da palavra, ou seja, se julgarmos que todos podemos produzir
manifestações ostensivas, tais como a psicofonia,
a psicografia, os efeitos físicos etc.
2. A natureza da mediunidade
Limitando-nos daqui para frente
à acepção restrita do termo «médium»,
que é a mais usual e relevante, estaremos, no que se vai
seguir, entendendo a mediunidade como a aptidão especial
que certas pessoas possuem para servir de meio de comunicação
entre os Espíritos e os homens.
A questão que naturalmente
surge neste ponto é a de se determinar qual é a natureza
da faculdade mediúnica: quais as suas causas, por que surge
somente em determinadas pessoas e em modalidades e graus diversos,
se é passível de desenvolvimento forçado mediante
alguma técnica etc.
Um aspecto central relativo à
natureza da mediunidade acha-se exposto na resposta à questão
que Kardec endereçou aos Espíritos no parágrafo
226 de O Livro dos Médiuns:
O desenvolvimento da mediunidade
guarda proporção com o desenvolvimento moral dos médiuns?
"Não; a faculdade propriamente dita prende-se ao organismo;
independe do moral. O mesmo, porém, não se dá
com o seu uso, que pode ser bom ou mau, conforme as qualidades do
médium”.
Como observamos pela resposta dos
Espíritos, a capacidade de servir de "ponte" entre
o mundo espiritual e o mundo material está ligada a fatores
de ordem orgânica. Esse ponto encontra-se exarado
em vários lugares das obras de Kardec e de outros autores
espíritas abalizados, passando, no entanto, despercebido
à maioria das pessoas, mesmo espíritas.
Já em 1859 Kardec afirmava,
em seu livro Instruções Práticas sobre
as Manifestações Espíritas que "essa
faculdade depende de uma disposição orgânica
especial, suscetível de desenvolvimento”.
Em O Livro dos Médiuns as referências nesse sentido
são numerosas. No parágrafo 94, por exemplo, que trata
das manifestações físicas espontâneas,
os Espíritos informam que a aptidão de ser médium
de efeitos físicos "se acha ligada a uma disposição
física”. Bem mais adiante, ao estudar a formação
dos médiuns (§ 209), Kardec retorna ao assunto:
Têm-se visto pessoas inteiramente
incrédulas ficarem espantadas de escrever [mediunicamente]
a seu mau grado, enquanto que crentes sinceros não o conseguem,
o que prova que esta faculdade se prende a uma disposição
orgânica.
Notemos que nesta última
passagem há referência a mais um princípio importante:
a mediunidade não depende das convicções filosóficas
ou das crenças religiosas do médium.
Por fim, em resposta à questão
19 do parágrafo 223 desse mesmo livro os Espíritos
esclarecem que "a mediunidade propriamente dita independe
da inteligência bem como das qualidades morais"
do médium. Portanto a mediunidade independe também
do desenvolvimento intelectual do médium.
Resumindo o que vimos até aqui:
A mediunidade é a faculdade
especial que certas pessoas possuem para servir de intermediárias
entre os Espíritos e os homens. Ela tem origem orgânica,
e independe:
·
da condição moral do médium;
· de
suas crenças;
· de
seu desenvolvimento intelectual.
No parágrafo 200 de O
Livro dos Médiuns, Allan Kardec deixa claro que
"não há senão um único meio de
constatar [a existência da faculdade mediúnica em alguém]:
a experimentação”. Ou seja, só poderemos
saber que uma pessoa é médium observando que efetivamente
é capaz de servir de intermediário aos Espíritos
desencarnados.
Isso naturalmente remete à
importante questão do desenvolvimento da mediunidade. Por
sua importância e pelas confusões e equívocos
a que se tem prestado, merece ser abordada numa seção
especial.
3. O desenvolvimento da mediunidade
Uma primeira observação
a ser feita é que se a presença da faculdade mediúnica
em uma pessoa independe de sua condição moral, intelectual
e de crença, ninguém poderá tornar-se médium
tão-somente pelo fato de moralizar-se, ou de estudar, ou
de aderir às convicções espíritas. É
evidente que essas atitudes serão de imenso proveito para
a criatura, pois a colocarão em condições de
compreender e utilizar bem a faculdade mediúnica que porventura
possua.
É significativo, a esse respeito,
que Kardec tenha alertado já no terceiro parágrafo
da Introdução de O Livro dos Médiuns que muito
se enganaria aquele que "supusesse encontrar nesta obra uma
receita universal e infalível para formar médiuns”.
Lança mão, a seguir, de uma comparação
muito clara e objetiva, que esclarece o assunto à saciedade
:
Se bem que cada um traga em si o
gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium,
tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento
depende de causas que a ninguém é dado conseguir se
verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da
música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou
músicos os que não têm o gênio de algumas
dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam no emprego de suas
faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo
consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica,
tanto quanto o permitam as disposições de cada um,
e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando
ela exista.
O caráter espontâneo
da faculdade mediúnica é ainda destacado no parágrafo
208 de O Livro dos Médiuns (o destaque é
nosso):
Se os rudimentos da faculdade [mediúnica]
não existem, nada fará que apareçam [...].
No capítulo intitulado "Manifestações
dos Espíritos" de Obras Póstumas (parágrafo
6, no 34) encontramos esta densa passagem (destaque nosso):
O desenvolvimento da faculdade mediúnica
depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito
do médium e da maior ou menor facilidade da sua assimilação
pelo dos Espíritos; depende, portanto, do organismo e pode
ser desenvolvida quando exista o princípio; não pode,
porém, ser adquirida quando o princípio não
exista.
E no parágrafo 198 de O Livro
dos Médiuns, que trata da diversidade das faculdades mediúnicas,
lemos ainda:
Em erro grave incorre quem queira
forçar a todo custo o desenvolvimento de uma faculdade que
não possua. Deve a pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça
possuir o gérmen. Procurar à força ter as outras
é, antes de tudo, perder tempo, e, em segundo lugar, perder
talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.
Encerrando esse parágrafo,
Kardec transcreve comunicação mediúnica de
Sócrates sobre o desenvolvimento da mediunidade, que contém
grave advertência:
Quando existe o princípio,
o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais
inequívocos. Limitando-se à sua especialidade, pode
o médium tornar-se excelente e obter grandes e belas coisas;
ocupando-se de tudo, nada de bom obterá. Notai, de passagem,
que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas faculdades
é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos
nuncam deixam impune. Os bons abandonam o presunçoso, que
se torna então joguete dos mentirosos. Infelizmente, não
é raro verem-se médiuns que, não contentes
com os dons que receberam, aspiram, por amor-próprio ou ambição,
a possuir faculdades excepcionais, capazes de os tornarem notados.
Essa pretensão lhes tira a qualidade mais preciosa: a de
médiuns seguros.
Apenas como exemplo de opinião
de um outro autor, corroborativa da de Allan Kardec, vejamos como
Emmanuel responde à questão 384 de
seu livro O Consolador, questão essa que
versa especificamente sobre o tema que estamos focalizando:
Dever-se-á provocar
o desenvolvimento da mediunidade?
A mediunidade não deve ser fruto de precipitação
nesse ou naquele setor da atividade doutrinária, porquanto,
em tal assunto, toda a espontaneidade é indispensável,
considerando-se que as tarefas mediúnicas são dirigidas
pelos mentores do plano espiritual.
Logo em seguida, em resposta à
questão 386, o conceituado Espírito
reitera:
Ninguém deverá forçar o desenvolvimento
dessa ou daquela faculdade, porque, nesse terreno, toda
a espontaneidade é necessária; observando-se,
contudo, a floração mediúnica espontânea,
nas expressões mais simples, deve-se aceitar o evento com
as melhores disposições de trabalho e boa-vontade
[...].
Precisamos, portanto, estar vigilantes
quanto à opinião, infelizmente tão comum no
meio espírita, de que as pessoas que aparecem nas casas espíritas
devem, cedo ou tarde, ser encaminhadas às chamadas "sessões
de desenvolvimento mediúnico". São dois os motivos
mais freqüentemente alegados para esse tipo de recomendação:
1. o empenho e dedicação
com que alguém se interesse pelo Espiritismo, sugerindo,
segundo julgam, que tem "todas as condições"
para exercer a mediunidade;
2. os desequilíbrios variados
de saúde ou de comportamento que apresente, notadamente quando
venham desafiando a perícia dos médicos.
Ora, no primeiro caso dever-se-ia ponderar que as boas disposições
da pessoa deverão ser aproveitadas antes de mais nada em
seu aperfeiçoamento intelectual e moral, e, em se
tratando de sua colaboração nas atividades do centro
espírita, naquele setor ao qual mais se ajuste por sua formação
profissional, seus interesses e disponibilidades, quais sejam a
condução de estudos, a evangelização
infanto-juvenil, a administração, a biblioteca, as
visitas fraternas, a costura de enxovais, a faxina, a distribuição
de alimentos, a acolhida aos novos freqüentadores etc., ou
os trabalhos mediúnicos, se os sinais de mediunidade se apresentarem
de forma espontânea.
No segundo caso, que é o
mais freqüente, seria preciso compreender que o mero fato de
alguém encontrar-se desequilibrado significa que não
pode ser inserido no grupo mediúnico, sob o risco de comprometer
o seu bom funcionamento. A mediunidade em si é uma
faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com
os desajustes físicos, mentais e espirituais da criatura.
Estes surgem por motivos específicos, e requerem o tratamento
médico, psicológico ou espírita adequado ao
caso. Somente após seu retorno à normalidade é
que a pessoa poderá participar, como médium, dos trabalhos
mediúnicos, se a faculdade surgir espontaneamente. O exercício
da mediunidade não é recomendável na presença
de determinadas enfermidades físicas, como por exemplo, nas
doenças contagiosas, ou onde o equilíbrio orgânico
esteja "por um fio" e a atividade mediúnica envolva
situações que emocionem muito o médium. No
caso dos desequilíbrios mentais e espirituais, o exercício
mediúnico não pode nunca ser iniciado, ou continuado.
Um médium nessas condições não poderá
contribuir positivamente, além de gerar dificuldades para
o grupo, facilitando mesmo a atuação de Espíritos
interessados na instalação da desarmonia, dos melindres,
das suspeitas, do enregelamento das relações entre
os membros.
O desenvolvimento mediúnico
a ser promovido nos centros espíritas não deve nunca
ser entendido como o aprendizado de técnicas e métodos
para fazer surgir a mediunidade, pois que não os há
nem pode haver, mas exclusivamente como o aprimoramento e direcionamento
útil e equilibrado das faculdades surgidas de forma natural,
o que pressupõe o aperfeiçoamento integral do médium,
por meio do estudo sério e de seus esforços incessantes
para amoldar suas ações às diretrizes evangélicas.
Ressaltemos, outrossim, que os núcleos
espíritas não deverão iniciar qualquer trabalho
mediúnico, quer de desenvolvimento (no sentido correto do
termo), quer, menos ainda, de assistência aos Espíritos
enfermos, se não estiverem seguros de que dispõem
de colaboradores suficientemente preparados, por seus conhecimentos
doutrinários, por seu equilíbrio psicológico
e por sua conduta cristã, que disponham de tempo para encetar
com regularidade tão delicada tarefa.
Resumindo o que foi visto nesta seção:
· A mediunidade é uma
faculdade natural, que surge espontaneamente.
·
Não se deve procurar desenvolvê-la enquanto não
aflorar por si só.
· O
desenvolvimento da mediunidade deve ser entendido unicamente como
a sua educação, o seu aprimoramento, a sua disciplina,
o seu direcionamento útil para o bem.
·
A mediunidade não é a causa primária dos desequilíbrios
orgânicos e psicológicos.
· O
exercício da mediunidade não deve ser colocado como
a culminação obrigatória das atividades do
cooperador da casa espírita.
4. Os mecanismos da mediunidade
Na presente seção
procuraremos reunir alguns informes sobre os mecanismos
da faculdade mediúnica, ou seja, sobre como se dá
o fenômeno mediúnico. A fonte básica continuará
sendo Allan Kardec. Iniciemos com este trecho, já parcialmente
transcrito, do capítulo "Manifestações
dos Espíritos" de Obras Póstumas (§ 6, no
34; o destaque é nosso):
O fluido perispirítico
é o agente de todos os fenômenos espíritas,
que só se podem produzir pela ação recíproca
dos fluidos que emitem o médium e o Espírito. O desenvolvimento
da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou menos
expansível do perispírito do médium e da maior
ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos.
Esmiuçando as informações
aqui contidas, notamos:
1. O perispírito desempenha papel de capital
importância no processo mediúnico.
2. Sendo o perispírito "o
agente de todos os fenômenos espíritas", e estes
só podendo produzir-se pela ação recíproca
dos fluidos que emitem o médium e o Espírito, temos
como regra sem exceções que, ocorrendo um fenômeno
de comunicação com o mundo espiritual, necessariamente
haverá a participação de um médium.
Em alguns casos, como em certas manifestações de efeitos
físicos, não se nota a presença do médium,
mas podemos estar certos de que haverá alguém, em
algum lugar, servindo de médium, ainda mesmo que este não
esteja consciente do papel que desempenha. Também percebemos
que serão vãos os esforços de certos pesquisadores
que, desprezando a riquíssima contribuição
do Espiritismo para o estudo daquilo que (impropriamente) denominam
"paranormalidade", tentam detectar o Espírito unicamente
por meio de aparelhos. Se algum instrumento chegar a registrar um
espírito, é porque houve a participação
oculta de algum médium. Neste caso, seria mais confiável
analisar a manifestação diretamente, sem o recurso
indireto de instrumentos, que sempre constituem fonte adicional
de incertezas.
3. A presença da faculdade
mediúnica em alguém liga-se à possibilidade
de seu perispírito "expandir-se".
Veremos logo mais que essa "expansão" do corpo
espiritual pode ser entendida como a sua parcial desvinculação
do corpo físico.
4. A efetivação da
comunicação exige, além da "expansão"
do perispírito do médium, a assimilação
deste com o perispírito do Espírito comunicante,
ou seja, tem de haver sintonia entre ambos. Esse fato importante,
de que o médium em geral não é capaz de comunicar-se
indiscriminadamente com todos os Espíritos, é exposto
em Obras Póstumas imediatamente após o trecho que
acabamos de transcrever (§ 6, no 35; os grifos são nossos):
As relações
entre os Espíritos e os médiuns se estabelecem por
meio dos respectivos perispíritos, dependendo a
facilidade dessas relações do grau de afinidade existente
entre os dois fluidos. Alguns há que se combinam facilmente,
enquanto outros se repelem, donde se segue que não basta
ser médium para que uma pessoa se comunique indistintamente
com todos os Espíritos. Há médiuns que só
com certos Espíritos podem comunicar-se ou com Espíritos
de certas categorias, e outros que não o podem a não
ser pela transmissão do pensamento, sem qualquer manifestação
exterior.
No exame do assunto do item 3, podemos
colher subsídios em André Luiz, o autor espiritual
que tanto tem contribuído para a extensão de nosso
conhecimento científico acerca da mediunidade. Em sua obra
Evolução em Dois Mundos, ao analisar a fase evolutiva
em que se elaborava a faculdade de desprendimento do veículo
perispiritual durante o sono (capítulo 17, item "Mediunidade
espontânea"), adianta esta valiosa informação
(grifamos):
Consolidadas semelhantes relações
com o Plano Espiritual [...], começaram na Terra os movimentos
de mediunidade espontânea, porquanto os encarnados que demonstrassem
capacidades mediúnicas mais evidentes, pela comunhão
menos estreita entre as células do corpo físico e
do corpo espiritual, em certas regiões do campo somático,
passaram das observações durante o sono às
da vigília, a princípio fragmentárias, mas
acentuáveis com o tempo [...].
Vemos, assim, que o respeitado cientista
deixa entrever a correlação íntima entre a
possibilidade de contato com a realidade espiritual durante a vigília
(mediunidade) e um certo "afrouxamento" das ligações
entre as células do perispírito e as suas correspondentes
do corpo material. Prosseguindo, André Luiz explicita mais
essa correlação:
Quanto menos densos os elos de ligação
entre os implementos físicos e espirituais, nos órgãos
da visão, mais amplas as possibilidades na clarividência,
prevalecendo as mesmas normas para a clariaudiência e modalidades
outras, no intercâmbio entre as duas esferas [...].
Refletindo um pouco sobre as assertivas
de André Luiz, verificamos, inicialmente, que não
conflitam com a explicação dada por Kardec, em termos
da capacidade de expansão do perispírito do
médium. Há, pelo contrário, até
um reforço, já que a noção de "expansão"
é aqui suficientemente abrangente e flexível para
permitir ulteriores elaborações e detalhamentos, dentro
da natureza eminentemente progressiva do Espiritismo. Podemos compreender,
deste modo, a "expansibilidade" do perispírito
como a sua faculdade de desvinculação parcial e temporária
do corpo físico, passando, nesse estado especial,
a partilhar da realidade do mundo espiritual para nela colher impressões
diversas, sem no entanto perder a possibilidade de atuação
sobre o corpo denso.
É fundamental deixar claro
que o que acabamos de expor não corrobora de modo algum a
idéia popular de que no processo mediúnico o Espírito
do médium "sai" e "dá lugar" ao
Espírito comunicante, que passaria então a servir-se
diretamente do corpo do médium. Os Instrutores Espirituais
já esclareceram a Kardec, no importante capítulo "Do
papel do médium nas comunicações espíritas"
de O Livro dos Médiuns que essa idéia não
corresponde à realidade. A mensagem sempre passa pelo Espírito
do médium, mesmo quando ele não guarda disso a consciência
ao despertar do transe. Vejamos o que dizem no item sexto do parágrafo
223:
O Espírito que se
comunica por um médium transmite diretamente o seu pensamento,
ou este tem por intermediário o Espírito do médium?
"É o Espírito do médium que é o
intérprete, porque está ligado ao corpo que serve
para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós
e os Espíritos que se comunicam, como é preciso um
fio elétrico para comunicar à grande distância
uma notícia e, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente
que a receba e transmita”.
Compreendemos então que,
em última instância, o comando do veículo físico
só pode ser feito pelo seu próprio "dono".
Poderíamos dizer que o corpo material é feito "sob
medida" para cada Espírito, e que não "serve"
para nenhum outro. O Espírito estranho não tem como
agir diretamente sobre as células materiais formadas sob
a influência de outro Espírito e para o seu próprio
uso.
É interressante notar que
nas questões seguintes à transcrita os Espíritos
frisam mesmo enfrentando uma oposição inicial de Kardec
que essa é uma regra absoluta, sem exceções,
nem mesmo na mediunidade dita "mecânica", ou ainda
nos casos de efeitos físicos onde uma mensagem inteligente
é transmitida (tiptologia, escrita por meio de pranchetas
etc). Vemos, na questão 10 do referido parágrafo,
que os Espíritos expressam indiretamente sua desaprovação
a esse modo de denominar a mediunidade na qual o médium não
guarda consciência do conteúdo da cominicação:
o médium jamais atua como máquina, mecanicamente.
Resumindo
o conteúdo desta seção:
· O perispírito desempenha
papel essencial em todos os processos mediúnicos.
· A
faculdade mediúnica liga-se à possibilidade de o perispírito
desvincular-se parcialmente do corpo físico durante a vigília.
·
A comunicação não se efetiva sem que haja sintonia
entre os perispíritos do médium e do Espírito.
·
A comunicação espiritual, ainda que de efeitos físicos,
sempre passa pelo Espírito do médium.
5. As modalidades mediúnicas
Um aspecto importante dos esclarecimentos
de André Luiz é que permitem compreender não
somente como se dá o fenômeno mediúnico, mas
também o porquê da existência de diferentes
modalidades de mediunidade. Observamos, pelos trechos citados,
que a faculdade mediúnica será deste ou daquele tipo
conforme a região do organismo em que as células
do perispírito apresentem maiores possibilidades de desvinculação
das que lhe correspondem no corpo físico. Desse
modo, segundo o exemplo dado, se for nos órgãos da
visão que ocorre a maior liberdade das células do
perispírito, a mediunidade assumirá a forma de vidência;
se nos órgãos da audição, a de audiência;
se nos da fala, a de psicofonia, e assim por diante.
Devemos notar, no entanto, que os
órgãos a que se refere André Luiz são,
conforme se depreende de outras passagens de sua obra, não
tanto os órgãos periféricos olhos, ouvidos,
mãos etc., mas fundamentalmente as regiões
do cérebro responsáveis por seu comando.
De fato, a ciência mostrou que há no cérebro
grupos de neurônios (células nervosas) mais ou menos
especializados para as diversas faculdades sensoriais e motoras.
No caso da visão, por exemplo, tais neurônios recebem,
através do nervo óptico, os impulsos elétricos
gerados na retina do olho, sinais esses que a alma interpreta como
imagens. O mesmo se dá, mutatis mutandis, com os demais sentidos.
No caso das funções motoras, ao comando da alma determinados
centros cerebrais enviam, através dos diferentes nervos,
impulsos elétricos aos músculos, resultando daí
os movimentos corporais.
Kardec dividiu os médiuns
em duas grandes categorias: os de efeitos físicos
e os de efeitos intelectuais. Os primeiros são
"aqueles que têm o poder de provocar efeitos materiais,
ou manifestações ostensivas"; os segundos, "os
que são mais especialmente próprios a receber e a
transmitir comunicações inteligentes" (O Livro
dos Médiuns, parágrafo 187). Para fins didáticos,
é conveniente subdividir a categoria de efeitos inteligentes
em dois grupos: efeitos sensoriais (percepção da realidade
espiritual na forma de uma impressão dos sentidos) e efeitos
intelectuais propriamente ditos (transmissão de uma mensagem
inteligente pela palavra escrita, oral, por gestos etc.).
Apresentaremos agora um quadro sinótico
com os principais tipos de fenômenos mediúnicos, associados
às diversas modalidades mediúnicas. Trata-se de uma
adaptação do que foi elaborado por Jayme Cerviño
em seu livro Além do Inconsciente, reunindo
apenas as modalidades mais importantes. Nesse interessante e original
livro, o autor infere, a partir de estudos clássicos da psicologia
experimental e da neurofisiologia, bem como de investigações
sobre os fenômenos espíritas, quais regiões
do encéfalo estariam associadas às diferentes categorias
de fenômenos espíritas.
EFEITOS INTELECTUAIS
(mediunidade de expressão cortical)
Efeitos estritamente intelectuais
(córtex frontal)
intuição
psicografia
psicofonia
psicopraxia
Efeitos sensoriais
(córtex extrafrontal)
vidência
audiência
sensitividade
EFEITOS FÍSICOS
(mediunidade de expressão subcortical)
Telergia
sons
luzes
odores
movimentos
curas
Teleplastia
materializações
Somatização
transfiguração
estigmatização
6. O exercício da mediunidade
Na seção 2 deste trabalho
vimos que se deve fazer uma distinção clara
entre a mediunidade, enquanto faculdade, e o seu uso ou exercício.
Se a faculdade em si é neutra, o mesmo não vale para
o seu uso, que pode ser bom ou mau, dependendo da condição
moral do médium.
Na Introdução de O
Livro dos Médiuns Kardec destaca entre os objetivos da obra
a orientação para que a mediunidade seja empregada
de modo útil. Um requisito essencial para isso é a
compreensão de sua natureza e mecanismos, no que o Espiritismo
tem contribuído de forma decisiva. Respeitando a liberdade
humana, ele não poderia prescrever normas de conduta para
os médiuns de maneira cega, impositiva, sem um esclarecimento
racional da sua necessidade. É fácil constatar a justeza
da afirmação de Kardec, nessa mesma Introdução,
de que "as dificuldades e os desenganos com que muitos topam
na prática do Espiritismo se originam na ignorância
dos princípios desta ciência".
A preocupação com
a compreensão e o exercício corretos da mediunidade
vem sendo partilhada pelos espíritas sérios, que se
conscientizaram da necessidade do crescimento espiritual do médium
para que sua faculdade seja bem empregada. Muitos dos grandes autores
espíritas dos dois planos da vida nos têm legado estudos
e lições preciosas sobre a mediunidade e seu objetivo.
Procuraremos, no que se vai seguir, compilar alguns desses ensinamentos.
Comecemos, no entanto, com O
Livro dos Médiuns, em cujo parágrafo 226
Kardec pergunta aos Espíritos (no 3):
Os médiuns que fazem
mau uso de suas faculdades, que não se servem delas para
o bem, ou que não as aproveitam para se instruírem,
sofrerão as conseqüências dessa falta?
"Se delas fizerem mau uso, serão punidos duplamente,
porque têm um meio a mais de se esclarecerem e não
o aproveitam. Aquele que vê claro e tropeça é
mais censurável do que o cego que cai no fosso."
A questão da responsabilidade
moral do uso da mediunidade é semelhante à
das demais faculdades do homem. Aquele que emprega mal a inteligência,
a palavra, os dotes artísticos ou a força física
arcará com as conseqüências desse emprego, devendo
expiar e reparar as faltas cometidas. No caso da mediunidade há
um agravante, conforme se salienta na resposta dada, pois ela é
poderoso recurso iluminativo.
É por meio da mediunidade
que nos certificamos de nossa natureza imortal, fato de suma importância,
em torno do qual gira todo o Espiritismo e sua doutrina moral. É
ela que nos desvenda a vida futura, possibilitando-nos conhecer
de modo abrangente os efeitos de nossas ações. Ajuizaremos
então com mais acerto sobre o que nos convém ou não
fazer, com vistas à nossa felicidade integral.
Para nós, os encarnados,
a mediunidade constitui advertência contra o equívoco
de tudo considerarmos do ponto de vista de nossos interesses materiais
e imediatos, incentivando-nos a lutar contra o egoísmo, o
embrutecimento dos prazeres, a estagnação do conhecimento.
Para os desencarnados sofredores,
revoltados ou aturdidos, representa muitas vezes a via preferencial
de despertamento, possibilitando-lhes retomar o progresso espiritual.
A maioria das instituições espíritas em nosso
país hoje em dia centraliza sua atuação mediúnica
precisamente nessa tarefa, tão louvável pelos benefícios
que espalha, mas também tão delicada em sua condução,
exigindo muito preparo da equipe, quer no que concerne ao conhecimento
doutrinário e à disciplina, quer quanto ao espírito
fraterno e à devoção incondicional ao bem do
próximo.
A esse respeito adverte Emmanuel
no capítulo "Examinando a mediunidade"
do livro Encontro Marcado:
O exercício da mediunidade nas tarefas espíritas exige
larga disciplina mental, moral e física,
assim como grande equilíbrio das emoções.
Na obra Educação
e Vivência, lição "Mediunidade
e problemas", o Espírito Camilo
tece as seguintes considerações, ainda dentro desse
tópico:
Tristemente, porém, muitas dessas criaturas que se sabem
ou se imaginam médiuns não são bafejadas pelos
recursos de amadurecido estudo, a fim de que compreendam o que é
que se passa nesse vasto território dos fenômenos psíquicos.
Seria de esperar que os indivíduos
que se embrenham pelos bosques das percepções mediúnicas
fossem caindo em si, aprendendo que todos terão que dar conta
desses talentos formidáveis que lhes são concedidos,
nas experiências terrenas, na condição de empréstimo,
proporcionando liberdade e ventura íntimas, logrando evadir-se
dos tormentosos episódios do pretérito culposo ou
negligente.
E em Cintilação
das Estrelas (capítulo 32) esse lúcido Espírito
prossegue no assunto:
Em mediunidade é
importante que o médium se aplique em melhorar-se a si próprio,
ampliando as percepções, iluminando-se a cada hora,
nas lutas que deve enfrentar, na pauta do cotidiano.
O desenvolvimento da mediunidade
marcha ladeando o desenvolvimento do médium. Quanto
melhor o indivíduo, maior a sua fulgência mediúnica
no bem.
Aprimore-se o homem para que se
lhe ampliem as posições de sensibilidade mediúnica.
Têm-se infelizmente observado
muitos agrupamentos mediúnicos descuidados quanto às
superiores finalidades da mediunidade, bem como quanto às
diretrizes doutrinárias que devem guiar sua prática.
Não raro desenvolvem suas atividades de forma ritualística,
tratando os médiuns como simples máquinas de comunicação.
No momento do intercâmbio,
os trabalhadores assumem posturas formais, como que denotando concentração
e devoção ao bem, mas que nem sempre se fazem acompanhar
das atitudes íntimas correspondentes. Manoel Philomeno
de Miranda comentou esse tópico no capítulo
intitulado "Mediunidade e viciação",
do livro Sementeira da Fraternidade (p. 123):
O médium é filtro
por cuja mente transitam as notícias da vida além-da-vida.
Nesse sentido, consideramos a concentração
mental de modo diverso dos que a comparam a interruptor de fácil
manejo que, acionado, oferece passagem à energia comunicante,
sem mais cuidados... A concentração, por isso mesmo,
deve ser um estado habitual da mente em Cristo, e não uma
situação passageira junto ao Cristo.
Já analisamos na seção
3 a situação na qual o aparecimento da faculdade mediúnica
se dá juntamente com desequilíbrios físico-espirituais
variados, destacando o erro dos que consideram tais distúrbios
como uma conseqüência da mediunidade em si. Em Educação
e Vivência (p. 111), Camilo enfoca
outro ângulo dessa questão:
A decantada "mediunidade de
provas" não passa de episódio no qual alguém
em provas e sérias expiações recebeu da Divina
Misericórdia as excelências da sensibilidade mediúnica,
através de cujas portas será chamado ou convocado
à assunção de responsabilidades, bem como ao
cumprimento dos deveres para com Deus, através do próximo.
Dessa forma a mediunidade, mesmo
quando se apresente assinalada por impertinentes padecimentos dos
médiuns, representa para eles a mão da Celeste Providência
evitando dores maiores e tormentos mais acerbos.
A origem do nosso sofrimento, da
nossa aflição, não reside na mediunidade, mas
a bagagem de desacertos que ainda trazemos, acumulada nesta e em
vidas pregressas. É por isso que nossos recursos mediúnicos,
neutros em si memos, amiúde ainda se ligam aos mundos de
sombra. Mal empregada, a mediunidade significará o cultivo
da ignorância, a disseminação da dúvida
e da mentira, o insuflamento do egoísmo e do orgulho, da
vaidade e do personalismo, o verbo e o texto degradantes, a manipulação
de forças mentais deletérias, a porta aberta às
obsessões.
No capítulo 39 do livro Sementeira
da Fraternidade, Vianna de Carvalho descreve
a mediunidade como "canal cósmico por onde transitam
seguras as consolações e esperanças para o
atribulado espírito humano" (p. 179), destacando outro
aspecto da mediunidade: o consolo que prodigaliza ao homem em sua
vida de incertezas e de dores. Que de mais belo existe do que saber
que o abismo que se imagina existir entre nós e os entes
queridos que já partiram não é intransponível;
que os sofrimentos que não conseguimos evitar têm causas
justas ligadas ao nosso passado!...
Dádiva com que a misericórdia
divina nos favorece, informando-nos de nossa natureza de seres imortais,
a mediunidade bem empregada reveste as formas de esclarecimento
acerca da vida além-túmulo, de consolo para os que
perderam a esperança, de advertência salvadora para
os equivocados, de amparo para os que cambaleiam, de recursos terapêuticos
para os que enfermaram, de despertamento para os sofredores e os
trânsfugas do dever que já cruzaram a aduana da morte.
Daí a necessidade de desenvolvermos esse abençoado
talento, nos trabalhos da caridade, nos exercícios constantes
de benevolência para com todos, indulgência para com
as imperfeições dos outros, de perdão das ofensas,
conforme a questão 886 de O Livro dos Espíritos.
Reconheçamos, acima de tudo, que
mais importante do que sermos bons médiuns, no que toca à
faculdade, é sermos médiuns bons, a serviço
de Jesus.