Qualquer espírita que não tenha tido formação
científica ficará, no mínimo, surpreso se,
após ler, na Parte I. Capítulo 1 de O Livro dos Espíritos,
as questões 4 a 9, que tratam das Provas da Existência
de Deus, for informado de que a maior parte da comunidade científica
não só não crê em Deus como sequer considera
a existência ou não de Deus uma questão a ser
tratada.
Antes de esclarecermos o ponto acima destacado,
convém definirmos bem dois termos com significados diferentes,
mas que costumam, equivocadamente, ser tratados como se sinônimos
fossem, quais sejam, ateísmo e agnosticismo.
O ateu nega a existência
de Deus e da realidade espiritual. A atitude de um ateu é,
portanto, negativa em relação à do crente.
Já o agnóstico, este apenas afirma
que não é possível hoje comprovar quer a existência,
quer a não existência de Deus, sem, contudo, negar
que, um dia, tal prova, a favor ou contra, possa ser encontrada.
Desse modo, se, por um lado, o ateu sempre abrirá polêmica
contra o crente, o agnóstico simplesmente fará saber
ao crente que o assunto Deus não é para ele foco de
interesse nem tema válido de discussão.
Bem, o que têm as definições
acima a ver com nosso estudo? Muito simples: A filosofia predominante
da ciência hoje em dia e desde o início do século
XX é, com menores ou menores variações, o chamado
Positivismo Lógico, que, como iremos ver,
tem uma postura totalmente agnóstica.
O Positivismo Lógico foi uma corrente filosófica
que surgiu na Áustria e na Alemanha na década de 20
do século passado, voltada à análise lógica
do conhecimento científico. O Positivismo Lógico
negava qualquer sentido na filosofia tradicional e na metafísica,
afirmando que muitos dos problemas então ditos filosóficos
careciam até mesmo de sentido enquanto problemas. Na década
de 30, os mais importantes representantes do Positivismo Lógico
migraram para os Estados Unidos, onde influenciaram consideravelmente
a filosofia americana. Pode-se dizer que, até a década
de 50 do século passado, o Positivismo Lógico foi
adotado praticamente como única abordagem à filosofia
da Ciência pela comunidade internacional. Daí o porque
de sua influência ainda ser tão forte hoje em dia,
apesar de propostas mais flexíveis terem ganhado força
posteriormente, em decorrência da própria ampliação
do campo de pesquisa das ciências em direção
ao macro e ao micro-cosmos.
De acordo com o Positivismo Lógico,
somente existem duas fontes de conhecimento: o raciocínio
lógico e a experiência empírica.
Diz o chamado Princípio da Verificabilidade
que uma sentença faz sentido se e somente se ela puder ser
provada verdadeira ou falsa, pelo menos em princípio, por
meio de experiência. Em outras palavras, uma sentença
é significativa factualmente para uma pessoa qualquer se
e somente se ela souber como verificar a proposição
que tal sentença pretende expressar, isto é, se a
pessoa souber quais observações poderão ser
feitas que a levarão, sob certas condições
definidas, a aceitar a proposição como verdadeira
ou a rejeitá-la como falsa.
O sentido de uma sentença, portanto, está
no conhecimento que temos das condições em que a dita
sentença poderá ser provada verdadeira ou falsa. Sentenças
metafísicas são, por isso mesmo, inválidas
para o Positivista Lógico, pois, para ele, não fazem
sentido como sentenças. O motivo para tal é evidente.
Afinal, nenhum dos atributos normalmente relacionados ao divino
pode fazer parte de uma sentença válida para o Positivismo
Lógico, posto que conceitos como infinitamente justo, infinitamente
bom, onipotente e onisciente formarão sempre proposições
inverificáveis.
Indo ao cerne da questão, que é a
própria idéia de Deus, vale lembrar que, como já
nos ensinava a mais antiga tradição religiosa da Humanidade,
a multimilenar religião hindu, Brahman, o Absoluto, é
incognoscível. Ora, sendo incognoscível, toda afirmação
que O tenha como termo é inverificável. Como tal,
Deus jamais será comprovado pela Ciência que hoje conhecemos.
Mais que isso, tal Ciência sequer considerará a busca
da divindade entre as metas a que irá se dedicar.
Como dissemos, outras filosofias foram propostas
para a ciência após o Positivismo Lógico, sem
que nenhuma delas tenha, entretanto, prescindido da verificabilidade.
Ao contrário do que ocorria no século XIX, no entanto,
a comunidade científica atual sabe que a verdade que procura
provar é provisória e que será, mais tarde,
reformulada ou negada pelo próprio avanço da ciência,
inexoravelmente.
Tal certeza reforça mais ainda a postura
agnóstica da Ciência. Se, antes, afirmações
sobre Deus eram descartadas como metafísicas, hoje, nem mesmo
as teorias comprovadas, por mais que tratem com conceitos finitos
e cognoscíveis, são vistas hoje como definitivas e
imutáveis. Colocando de outro modo, a comunidade científica
em nossos dias sabe que não procura a verdade absoluta. Assim
sendo, uma vez que Deus é a Verdade Absoluta, não
há como ela um dia O vir a encontrar.
A esse respeito, vale a pena recordarmos a questão
10 da Parte I, Capítulo 1 de O Livro dos Espíritos,
que fala dos atributos da divindade.
10. Pode o Homem compreender a natureza
íntima de Deus?
« Non ; c'est un sens qui lui manque.», diz a segunda
Edição francesa de 1858.
O que, em bom português moderno, pode ser traduzido como:
“Não, falta-lhe entendimento para tal.”
Esperamos ter deixado claro ao leitor quanto ao
porque de ser o homem atual incapaz de comprovar Deus através
de sua ciência. Esperemos, portanto, pacientes, que a Humanidade
terrestre se alce a patamares mais altos de evolução.
Crescendo a Humanidade em entendimento, crescerá em alcance
sua ciência e nova e mais abrangente será a filosofia
a inspirá-la. A esse respeito, convém dar atenção
à questão seguinte de O Livro dos Espíritos
e à sua sábia resposta:
11. Será dado um dia ao homem compreender
o mistério da divindade?
"Quando não mais tiver o espírito obscurecido
pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se
houver aproximado de Deus, ele o verá e compreenderá.”
Como vemos, não devemos esperar tal mudança
para este ou para os séculos vindouros. A Ciência,
como podemos entender em nosso estágio atual de desenvolvimento,
não pode prescindir de uma filosofia semelhante às
que hoje adota. Não se trata de incapacidade intelectual.
Por mais brilhante que seja o aluno do CA, ninguém espera
dele que proponha uma revolucionária teoria econômica,
invente um dispositivo eletrônico ou encontre a cura de importante
doença. Tudo tem seu tempo na senda evolutiva. Hoje, imersos
na matéria e com nossos sentidos por ela obscurecidos, nossa
percepção de Deus vem pela meditação,
pela intuição, pela comunhão com o que há
de melhor em nós, com o mais íntimo de nosso ser,
em decorrência da reforma íntima.
Não queremos concluir nosso estudo sem pedir
que o leitor atente para o fato de que estamos falando exclusivamente
da prova da existência de Deus e não de provas outras
concernentes aos fenômenos de natureza espiritual. Estes,
ao contrário de Deus, a Causa Primária, fazem parte
da criação, são cognoscíveis e verificáveis
e, sendo assim, mais dia, menos dia, a Ciência atual os logrará
comprovar.