Não Saiba a Vossa Mão Esquerda
o que Dê a Vossa Mão Direita
O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo
XIII
Praticar o Bem sem Ostentação
Os Capítulos 5 a 7 do Evangelho
de Mateus relatam o chamado Sermão da Montanha,
monumental ensinamento que o Mestre nos legou e que, por si só,
representa um completo manual para atingirmos a perfeição.
No Capítulo VI, o evangelista nos relata as seguintes palavras
de Jesus:
Tende cuidado em não praticar as boas obras
diante dos homens, para serem vistas, pois, do contrário,
não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos
céus. - Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis,
como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem
louvados pelos homens. Digo-vos, em verdade, que eles já
receberam sua recompensa. - Quando derdes esmola, não saiba
a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita;
- a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê
o que se passa em segredo, vos recompensará. - (Mateus, VI,
1 a 4)
Fazer o Bem sem Ostentação
é o título que Kardec escolheu para comentar
a passagem acima. Disse ele:
A beneficência praticada sem ostentação
tem duplo mérito. Além de ser caridade material, é
caridade moral, visto que resguarda a suscetibilidade do beneficiado,
faz-lhe aceitar o benefício, sem que seu amor-próprio
se ressinta e salvaguardando-lhe a dignidade de homem, porquanto
aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber
uma esmola. Ora,converter em esmola o serviço, pela maneira
de prestá-lo, é humilhar o que o recebe, e, em humilhar
a outrem, há sempre orgulho e maldade. A verdadeira caridade,
ao contrário, é delicada e engenhosa no dissimular
o benefício, no evitar até as simples aparências
capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o sofrimento
que se origina da necessidade. Ela sabe encontrar palavras brandas
e afáveis que colocam o beneficiado à vontade em presença
do benfeitor, ao passo que a caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira
generosidade adquire toda a sublimidade, quando o benfeitor, invertendo
os papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante
daquele a quem presta serviço. Eis o que significam estas
palavras: "Não saiba a mão esquerda o que dá
a direita."
Na prática da beneficência devemos
nos vestir, deslocar e comportar com simplicidade, de modo a reduzir,
o mais que possível, a aparência de distância
social entre nós e aqueles que beneficiamos. Devemos olhar
nos olhos das pessoas, oferecer a elas nossas mãos, em relação
afetuosa, levá-las a nos ver não como seres iluminados
que desceram à Terra, mas como seus iguais que têm
um pouco sobrando que lhes pode ser dado. Tal percepção
é a mera expressão da verdade, pois, se temos condição
de ajudar e se outros necessitam de auxilio, tanto uma quanto a
outra condição foram dadas pelos respectivos guias
espirituais, tendo em vista a necessidade evolutiva de cada um,
não sendo, de modo algum, o reflexo do mérito de uns
e do demérito dos outros. Se o que temos a dar é dinheiro,
que saibamos dar cem reais com a mesma expressão no rosto
que se estivéssemos a dar dez centavos, posto que se temos
muito para dar, isso não nos é mais meritoso do que
se pouco estivesse ao nosso alcance.
Fazer o Bem sem Olhar a Quem
O dito popular que escolhemos como título desta seção
de nosso estudo equivale ao que Kardec utilizou no Capítulo
XIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, qual seja : “Convidar
os Pobres e os Estropiados. Dar sem esperar Retribuição”.
Isso dizemos, posto que aquilo que o dito popular quer dizer não
é que devamos desviar o olhar daqueles a quem servimos, mas,
sim, que não devemos levar em consideração
se nossos beneficiados são pobres ou ricos, fracos ou fortes,
belos ou feios, saudáveis ou doentes. Dar sem esperar retribuição
é possível quando não fazem diferença
para nós as características materiais daquele que
é o objeto de nossa caridade, pois sabemos que tanto ele
quanto nós somos Espíritos imortais, irmãos
na caminhada rumo à perfeição. Entender perfeitamente
esta diretriz requer, no entanto, que saibamos que a caridade de
que estamos falando não é apenas a caridade material,
uma vez que os ricos dela prescindem, mas, também e, principalmente,
a caridade moral. Desta, ao contrário daquela, necessitam
ricos e pobres.
Em Instruções dos Espíritos,
sob o título “A Caridade Material e a Caridade
Moral”, o Espírito Irmã Rosália
assim define a caridade moral:
Desejo compreendais bem o que seja a caridade
moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente
falando, porém, que é a mais difícil
de exercer-se.
A caridade moral consiste em se suportarem umas
às outras as criaturas e é o que menos fazeis nesse
mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito
há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando fale outro
mais tolo do que ele. É um gênero de caridade isso.
Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se escapa de uma boca
habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém
com que vos recebem pessoas que, muitas vezes erradamente, se supõem
acima de vós, quando na vida espírita, a única
real, estão, não raro, muito abaixo, constitui merecimento,
não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto
não dar atenção ao mau proceder de outrem é
caridade moral.
Essa caridade, no entanto, não deve obstar
à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em
não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de
tudo o que já vos tenho dito: Tende presente sempre que,
repelindo um pobre, talvez repilais um Espírito que vos foi
caro e que, no momento, se encontra em posição inferior
à vossa. Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por
felicidade, eu pudera auxiliar algumas vezes, e ao qual, a meu turno,
tenho agora de implorar auxílio.
Na prática da caridade, seja ela moral ou material,
devemos ter em mente duas lições:
A primeira é aquela para a qual a Irmã
Rosália nos chama a atenção, isto é,
que o pobre a quem atendemos com o auxílio material pode
ser um Espírito mais evoluído que nós. Não
só pode, é bom que saibamos, como deve. Afinal, as
cruzes mais pesadas são sempre entregues a quem já
está preparado para suportá-las.
A segunda diz respeito à retribuição em si.
Muito poucos Espíritos encarnados no planeta estão
aqui em missão. A grande maioria de nós, talvez a
quase totalidade, está nesta Terra para resgatar os erros
do passado e aprender como melhor se comportar em relação
ao próximo. Assim sendo, é necessário que estejamos
conscientes, ao praticarmos a caridade, que tal atitude é,
antes de tudo, em nosso próprio proveito e que aquele que
parece ser nosso beneficiado nada mais é que alma caridosa
que nos beneficia ao nos dar a oportunidade de servi-la. Ao praticar
a caridade, portanto, mais do que agirmos como se fossemos nós
que estivéssemos recebendo a caridade, devemos estar conscientes
de que é isso mesmo que de fato ocorre. Ao final da ação
caritativa o que nos cabe é agradecer a Deus pela oportunidade
que tivemos de servir e não nos julgar merecedores de sua
graça, posto já a termos recebido.
O Óbolo da Viúva
O erudito professor Carlos Torres Pastorino lamenta,
em A Sabedoria do Evangelho, que Casas Espíritas
adotem a mesma prática que instituições religiosas
e filantrópicas de outras naturezas, prestando homenagens
ostensivas aos grandes benfeitores e ignorando os pequenos trabalhadores
que deram a vida, de forma anônima, pela obra. À nossa
mente, neste momento, vêm os monumentos que se erguem em todo
o mundo em honra ao “soldado desconhecido”. É,
no mínimo, curioso que, justo na esfera militar, onde era
de se esperar menos sensibilidade, a homenagem correta seja feita.
Quando será que uma instituição religiosa,
ou, no caso que nos interessa, uma casa espírita, irá
expor em suas paredes um quadro dedicado ao médium desconhecido?
Quando será que um historiador espírita irá
dedicar um artigo ao trabalhador desconhecido?
Em nosso estágio evolutivo, nos é
difícil avaliar de modo igual as doações portentosas
que sustentam as despesas da casa e o trabalho, que nos parece insignificante,
daquelas pessoas que prestam os pequenos serviços necessários.
Intimamente julgamos que as coisas pequenas qualquer um pode fazer,
ao passo que as grandes contribuições são raras
e, por isso, devem ser objeto de nosso agradecimento e das justas
homenagens que ocorrem. O ensinamento de Jesus, no entanto, nos
alerta para o equívoco desse raciocínio. Nenhum de
nós sabe o quanto custa para cada pessoa o serviço
que presta no Centro Espírita, só Deus o sabe. Abstenhamo-nos,
portanto, de enaltecer uns e ignorar os outros. Façamos
a nossa parte com dedicação e diligência, acreditando,
de coração, que cada um estará, também,
fazendo segundo suas possibilidades, não importa o quanto
aquilo que fazem pareça valer aos olhos dos homens.
Lucas e Marcos relatam a passagem conhecida como
“O Öbulo da Viúva” e que
Kardec utilizou no desenvolvimento do Capítulo XIII de O
Evangelho Segundo o Espiritismo. Relata Lucas:
Estando Jesus a observar, viu os ricos lançarem
suas ofertas no gazofilácio. Viu também certa viúva
pobre lançar ali duas pequenas moedas; e disse: Verdadeiramente,
vos digo que esta viúva pobre deu mais do que todos. Porque
todos estes deram como oferta daquilo que lhes sobrava; esta, porém,
da sua pobreza deu tudo o que possuía, todo o seu sustento.
(Lucas, XXI, 1 a 4)
Conforme comenta o Codificador, muitas pessoas
furtam-se a praticar a caridade alegando terem pouco ou apenas o
necessário para seu próprio sustento. Nada poderia
ser mais distante da verdade. Como já vimos, a caridade
não se restringe ao seu aspecto material, sendo possível
para todos sob o aspecto moral. Se uma pessoa carece de
recursos financeiros para auxiliar aos necessitados, eis aí
uma oportunidade de procurar, nos talentos de que foi aquinhoada,
outros recursos para fazê-lo. Todos nós viemos ao mundo
com uma certa quantidade de talentos. Uns são fortes, outros,
belos, outros tantos, saudáveis e outros mais, inteligentes.
Este tem jeito para consertar equipamentos, aquele para reparar
canos, outro para cozinhar, outro mais para costurar. Uns cantam,
outros dançam, alguns sabem representar, há quem saiba
contar piadas. Não há um só Espírito
encarnado que não tenha pelo menos um talento e, sendo assim,
este talento sempre poderá ser colocado a serviço
dos necessitados.
No entanto, se, mesmo após muito procurar,
a pessoa não reconheça em si nenhum talento escondido,
ainda resta a vontade de ser útil e a ajuda da espiritualidade.
A esse respeito, transcrevemos abaixo a fala de Kardec:
Todo aquele que sinceramente deseja ser útil
a seus irmãos, mil ocasiões encontrará de realizar
o seu desejo. Procure-as e elas se lhe depararão; se não
for de um modo, será de outro, porque ninguém há
que, no pleno gozo de suas faculdades, não possa prestar
um serviço qualquer, prodigalizar um consolo, minorar um
sofrimento físico ou moral, fazer um esforço útil.
Não dispõem todos, à falta de dinheiro, do
seu trabalho, do seu tempo, do seu repouso, para de tudo isso dar
uma parte ao próximo? Também aí está
a dádiva do pobre, o óbolo da viúva.
Quando temos vontade de servir, a espiritualidade
não nos nega auxílio, sempre nos guiando até
os necessitados que estejam ao nosso alcance ajudar. Façamos,
pois, a nossa parte, nos colocando disponíveis para o serviço
do bem.
Os Infortúnios Ocultos e as Grandes Desgraças
Dentre as muitas catástrofes que marcaram
os últimos anos, duas se destacam pela sua violência.
A primeira se deu no dia 11 de setembro de 2001, quando o mundo
todo assistiu, estarrecido, ao atentado terrorista às torres
gêmeas do World Trade Center, uma tragédia de enormes
proporções, provocada integralmente pelo homem e que
teve com saldo mais de dez mil mortos e uma escalada de violência
sem igual desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A segunda teve
causa natural. Foi no dia 26 de dezembro passado, quando ocorreu
um maremoto gigantesco em conseqüência de um terremoto
de 8,9 graus na escala Richter, com epicentro localizado no leito
do mar próximo à Ilha de Sumatra, matando mais de
sessenta mil pessoas em diversos países da Ásia e
na costa leste da África. Foi considerado o mais violento
no planeta nos últimos 40 anos.
No Capítulo VI Parte 3a de O Livro dos Espíritos,
Kardec trata da Lei de Destruição,
sendo a Questão 737 particularmente importante para o nosso
estudo.
737. Com que fim fere Deus a Humanidade por meio
de flagelos destruidores?
"Para fazê-la progredir mais depressa. Já não
dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração
moral dos Espíritos, que, em cada nova existência,
sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso é
que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados.
Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí
vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo
que vos causam. Essas subversões, porém, são
freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê
o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em
alguns anos o que teria exigido muitos séculos."
É evidente a aceleração causada
pelas grandes catástrofes no resgate de dívidas contraídas
no decurso de existências anteriores. O que interessa para
nosso estudo, no entanto, é outro tipo de progresso que é
acelerado pelos flagelos destruidores. Trata-se do progresso da
caridade na alma dos homens.
As grandes catástrofes chocam a opinião
pública, tocando fundo na consciência das pessoas,
pois a mídia não as omite, antes fazendo delas suas
principais manchetes por dias ou semanas. As pessoas se associam
no trabalho voluntário, coletam e fornecem donativos dos
mais variados, se envolvem como podem no esforço de ajudar
as vítimas e reconstruir o que foi destruído. Após
os grandes flagelos vê-se, sempre, grande mobilização
de recursos de toda natureza. Em tais momentos, atos de heroísmo
que, em outras circunstâncias, passariam despercebidos, acabam
sendo divulgados aos quatro cantos do planeta, emocionando pessoas
por toda parte, servindo de inspiração e exemplo para
emulação.
Kardec nos chama a atenção, no entanto,
para os infortúnios ocultos, as desgraças
particulares que, apesar de dispersas e sem interesse para
a mídia, formam, no todo, um volume de desgraças muitas
vezes superior à soma de todos os grandes flagelos que a
mídia tanto propaga. Ser caridoso ou heróico no atendimento
a um infortúnio oculto jamais será divulgado na mídia,
tornando o autor mais meritório perante Deus.
Quem é caridoso de coração
encontra os infortúnios ocultos à sua volta, no lar,
nas ruas, no trabalho ou onde quer que seja e, tendo-o encontrado,
logo se põe a serviço, procurando minimizar o sofrimento
dos infortunados. Para que possamos encontrar os infortúnios
ocultos é necessário que calemos nosso ego e foquemos
a atenção no próximo. O necessitado pode estar
do nosso lado todo o dia e nunca o termos percebido, pois as demandas
de nossas emoções descontroladas somente permitem
que vejamos nossas próprias necessidades e carências.
Aprender a ser caridoso sem a pressão emocional
dos grandes flagelos requer força de vontade e dedicação.
E, sendo assim, não é de se estranhar que Kardec tenha
ocupado a maior parte da seção em que fala dos infortúnios
ocultos com um exemplo de como uma senhora praticava a caridade
ao mesmo tempo em que exemplificava e explicava à sua filha
como fazê-lo. A esse propósito, é bom saber
que...
Caridade se Ensina às Crianças
Sim, caridade se ensina, por palavras e, sobretudo,
pelo exemplo. Como as crianças não
trabalham e, desse modo, não possuem dinheiro ganho com seus
próprios esforços, é uma excelente oportunidade
para que mostremos a elas como podem fazer caridade sem dar esmolas.
Podemos envolvê-las nas ações caritativas pedindo
sua participação com trabalhos que estejam ao seu
alcance, valorizando esses trabalhos e explicando o mérito
dos mesmos. Podemos envolvê-las nas preces pelos necessitados.
São muitas as maneiras de ensinarmos a caridade às
crianças.
Levando as crianças a nos acompanhar em
atividades caritativas passarmos a ter parâmetros com os quais
poderemos comparar se os desejos que nos manifestam são justos
e necessários. Um filho que tenha consciência da existência
de outras crianças que não têm o que comer é
mais facilmente convencido de que não deve falar mal da comida
que lhe servem, que deve comê-la com respeito, que deve orar
a Deus em agradecimento por tê-la disponível e que
não deve ficar pedindo guloseimas a toda hora. Sabendo que
há pessoas que não têm o que vestir, não
se tornará um escravo da moda, sabendo se vestir com simplicidade.
Sabendo, enfim, que muitos não têm onde morar, não
têm acesso a médicos quando estão doentes nem
a consolo quando se sentem perturbados emocionalmente, nossos filhos
serão homens de bem quando crescerem, conscientes do quanto
tiveram para crescer e se educarem e, provavelmente, saberão
ajudar aos necessitados sempre que os encontrarem.
Lembrando que a caridade não é apenas
material mas, também, moral, devemos constantemente, pelo
exemplo, principalmente, mas também, pelas palavras, ensinar
às crianças a serem tolerantes, pacientes e gentis
com seus colegas e amigos, em primeiro lugar, mas também
com as demais pessoas com que se relacionam ao longo do dia. Podemos
ensiná-las a identificar os infortúnios ocultos de
modo que saibam desde pequenos quando devem ser tolerantes, compreensivos
e prestativos quando alguém com que se relacionam demonstre
os sintomas de sofrimento físico ou moral.
Mais que homens de bem, se ensinarmos a nossos
filhos a caridade moral, além da material, eles serão
os verdadeiros cristãos de que a nossa Terra precisa para
se tornar o mundo de regeneração que tanto esperamos
e pelo qual tanto oramos.
Ser Caridoso não é ser Sisudo
Antes de continuarmos nosso estudo, é bom
que comentemos um mal-entendido que costuma ocorrer quanto ao comportamento
das pessoas caridosas.
Tanto o mendigo doente que se vê jogado a
um canto da calçada, quanto o executivo elegante, mas de
rosto tenso e coração descompassado, são seres
humanos, Espíritos encarnados com as mesmas necessidades
de afeto e compreensão.
A tão conhecida Oração de
São Francisco, da qual falaremos mais à frente, dá
a receita para quem deseja trilhar o caminho da caridade: Onde houver
tristeza, que eu leve a alegria
Se aquele que desejamos ajudar se encontra abatido,
acabrunhado, em nada ajudaremos se nos aproximarmos dele com o ar
sisudo e sério. Para enfrentar a tristeza, saibamos portar
um olhar sereno, mas alegre, saibamos ter gestos cordiais, nos portar
como se nos dirigíssemos a uma pessoa amiga que nos dá
prazer encontrar.
Não estamos incentivando ninguém
a se aproximar dos necessitados dando gargalhadas. O sorriso, o
riso e a gargalhada são diferentes intensidades da manifestação
da alegria que devem ser corretamente dosadas para cada ocasião.
Pode haver ocasiões em que uma boa gargalhada seja útil
assim como outras em que o máximo que convém é
um leve sorriso.
Na prática da caridade, seja ela material
ou moral, devemos, portanto, nos portar convenientemente a cada
situação. Abordagens padronizadas devem ser evitadas.
Avaliemos com cuidado e atenção as necessidades do
irmão a quem queremos ajudar e, com base em nossa percepção
e na avaliação que fizermos dessa percepção,
escolhamos a abordagem mais adequada a cada caso.
A Caridade, Segundo Paulo
Na Primeira Epístola de Paulo aos
Coríntios, o incansável apóstolo dos
gentios nos fala, de modo poético e sábio, sobre a
Caridade:
Ainda que eu falasse as línguas dos homens
e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que
soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o
dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar
montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda
que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres,
e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não
tiver caridade, de nada valeria!
A caridade é paciente, a caridade é
bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa.
Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca
os seus próprios interesses, não se irrita, não
guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas
se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta.
A caridade jamais acabará. As profecias
desaparecerão, o dom das línguas cessará, o
dom da ciência findará. A nossa ciência é
parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que
é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era
criança, falava como criança, pensava como criança,
raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei
as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente;
mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte;
mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido.
Por ora subsistem a fé, a esperança
e a caridade - as três. Porém, a maior delas é
a caridade.
A transcrição acima foi feita a partir
da tradução dos originais gregos realizada pelos Monges
de Maredsous. Ela, como a Vulgata, se refere à caridade.
Ocorre que outras traduções, como a edição
revisada de Almeida, utilizam, em lugar de “caridade”,
a palavra “amor”. Afinal, poderíamos nos perguntar,
de que falava Paulo, da “caridade” ou do “amor”?
Para podermos responder a esta pergunta, é necessário
recorrermos ao original.
O Amor e a Caridade
Ao recorrermos ao original grego, verificamos que a palavra utilizada
é agape. No grego antigo havia três palavras que são
traduzidas como amor. São elas: eros, fília e ágape.
Na verdade, como veremos, são estágios evolutivos
do amor. Ao galgarmos o seguinte, não abandonamos o anterior,
guardando dele, no entanto, apenas o que tem de melhor.
Eros é o amor apaixonado, o desejo intenso
por alguma coisa ou alguém. Ele é, comumente, associado
ao amor sexual, mas, na realidade, é mais que isso. Eros
é o estágio primitivo, irracional do amor, correspondendo
às paixões que sentimos, seja por pessoas, coisas
ou idéias. Eros está relacionado à satisfação
pessoal, ao sentimento de realização, como, também,
ao orgulho e à vaidade. Se estacionarmos nesse estágio,
nosso amor é egoísta, tudo querendo para nosso próprio
prazer, nossa própria satisfação. No entanto,
se o possuirmos de forma controlada e o utilizarmos como um motor
para as nobres realizações em benefício do
próximo, é instrumento importante à nossa disposição,
pois nos mantém vibrantes e empolgados, não nos permitindo
desanimar jamais.
Estritamente, Fília se refere ao amor existente
entre pais e filhos, entre familiares e entre entes próximos.
Por extensão, porém, pode ser entendido como amizade.
Ao contrário de Eros, Fília ocorre como o resultado
da apreciação que temos por aqueles que nos são
próximos. É amor emocional, mas, também, racional.
Como Fília se entendem, também, as lealdades que temos
na família, no trabalho e na sociedade em geral. Se nos satisfazemos
com Fília e restringimos nossas ações do bem
àqueles que nos são queridos, permanecemos no amor
possessivo, pois, ao limitarmos nossa ajuda aos entes que nos são
mais próximos, forçosamente esperaremos deles fidelidade
a nós, julgando-os nossos devedores. Estacionados nesse estágio,
somente amamos nossos familiares, nossos colegas, nossa raça,
nossa cor de pele, nossa religião, formando, com quem se
encontra no mesmo estágio que nós, as diversas comunidades
exclusivistas e sectárias que se espalham pelo mundo afora.
Entretanto, Fília pode ser usado, também, com equilíbrio
e sabedoria, da mesma forma que Eros. Basta que saibamos que todos
são filhos de Deus e, portanto, nossos irmãos e irmãs,
constituindo toda a humanidade uma imensa família.
Ágape se refere estritamente ao amor de
Deus pelos homens e dos homens por Deus, mas pode ser entendido
como o amor incondicional, o estágio final da evolução
do amor. Quem tem ágape no coração faz o bem
sem ostentação, serve a todos com igual dedicação,
percebe os infortúnios ocultos e age para minorá-los,
assim como se empenha nas grandes desgraças com bravura e
determinação. Ensina a todos à sua volta, não
tanto por palavras, mas, mormente, pelo exemplo constante. É
alegre e sereno, estando sempre pronto para o serviço do
bem e a cada um se dirigindo conforme suas necessidades.
O amor ágape é paciente, bondoso.
Não tem inveja, não é orgulhoso. Não
é arrogante, nem escandaloso. Não busca os seus próprios
interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não
se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor
Ágape em ação se chama Caridade
Como Fazer Caridade?
É possível que, a esta altura, estejamos
a nos perguntar: “Existe uma receita segura de como se fazer
caridade? “ A resposta e essa pergunta, meus amigos, é:
“Sim, existe!”.
Segundo os registros históricos, a primeira
vez que a linda prece, conhecida como “A Oração
de São Francisco”, apareceu, foi em 1912,
na França, em uma pequena revista chamada “La Clochette”
(O Sininho). Durante certo tempo foi republicada como de autor anônimo
para, mais tarde, sua autoria ter sido, aos poucos, atribuída
ao “pobrezinho de Assis”.
Ocorre que, apesar de “A Oração
de São Francisco” não constar entre as preces
oficialmente reconhecidas como escritas por Francisco, a beleza
e a sabedoria nela contidas sugere, a nosso ver, que um Espírito
de grande adiantamento a escreveu, quer diretamente, quer por psicografia.
O fato de ter sido um médium inconsciente inspirado pelo
próprio Francisco de Assis nos parece uma hipótese
razoável.
Vejamos, na "Oração
de São Francisco", como existe uma receita
completa de como praticar a caridade:
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
A receita de caridade preconizada por São
Francisco inclui o ato de ensinar a quem sabe menos que nós,
quando nos conclama a levar fé onde houver dúvida
e luz onde reinarem as trevas. Ë nesse sentido que devemos
entender quando nos dizem que divulgar a Doutrina Espírita
é um ato de caridade.
Se soubermos, em nosso dia a dia, seguir a orientação
da “Oração de São Francisco”, estaremos
sendo caridosos em nossos pensamentos, palavras e atos, e desenvolvendo
em nós o amor ágape, que tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
Conclusão
Na questão 886 de O Livro dos Espíritos,
Kardec perguntou:
Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como
a entendia Jesus?
Recebendo dos Espíritos a seguinte resposta:
Benevolência para com todos, indulgência
para as imperfeições dos outros, perdão das
ofensas.
Como vimos, a Caridade, seja ela material ou moral,
deve ser feita a todos, com discrição e desprendimento.
Ela pode e deve ser ensinada a todos aqueles que estiver ao nosso
alcance ensinar, com palavras, quando possível, mas, sobretudo,
com nossas atitudes. Fiscalizemos nosso pensamento, nossas palavras
e ações, o tempo todo, verificando se estamos sendo
caridosos. Se constatarmos que faltamos à caridade com este
ou aquele irmão, não desesperemos, fazendo o reparo
na primeira oportunidade que se apresentar. Não enalteçamos
a caridade de um irmão em detrimento da de um outro, que
nos pareça menor, uma vez que nada sabemos do que um e o
outro podem dar. Avaliemos com atenção a necessidade
de cada irmão a quem vamos ajudar, para que saibamos usar,
em cada caso, a abordagem mais adequada ao sucesso da empreitada.
Vamos falhar, sim, falhar muito no início.
Nosso amor ainda tem muito de Eros e de Fília. Evoluir para
o amor Ágape, identificado com a verdadeira Caridade Cristã,
é o esforço que devemos fazer dia após dia.
Pode levar anos, décadas, séculos ou milênios,
não faz mal.
O importante é que jamais desistamos de ser
caridosos, conscientes de que, como nos ensina a Codificação:
“Fora da Caridade não há Salvação”
“Fora da Caridade, não há Verdadeiro
Espírita”.