Renato Costa

>    Do Materialismo Radical ao Espiritualismo Fanático

Artigos, teses e publicações

Renato Costa
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Parte I

A Ilusão dos Sentidos e o Mundo "Real"

 

 

A Parábola da Caverna

A Ilusão dos Sentidos é um conceito tão antigo quanto a visita dos primeiros mensageiros divinos ao nosso orbe terrestre, estando presente nos mais antigos ensinamentos religiosos, os milenares Vedas, para os quais “maya” é a ilusão de se tomar aquilo que nossos sentidos percebem como se a realidade fosse.

No mundo ocidental, Platão colocou de forma magistral a questão com a Parábola da Caverna, na forma de um diálogo entre Sócrates e Glauco no livro VII da sua célebre obra intitulada A República.

De uma forma resumida, o mundo material é retratado como uma caverna escura onde nós, os humanos, somos representados por prisioneiros imobilizados desde que nasceram em uma posição tal que só lhes seja permitido olhar para uma parede. Por trás e acima desses prisioneiros, um fogo queima a uma certa distância. Entre as costas deles e o foco de luz existe um caminho elevado com um muro baixo. Por sobre esse caminho e por trás do muro passam pessoas carregando vasos, estátuas e figuras de animais feitos de madeira e outros materiais, deixando que apenas os objetos que carregam se sobressaiam por sobre o muro. Algumas pessoas falam e outras não.

Os prisioneiros, podendo somente olhar para a parede à sua frente, nada vêem além de suas próprias sombras, das sombras dos outros prisioneiros e das sombras dos animais e objetos carregados pelas pessoas que passam pelo caminho por trás do muro. Como não poderia deixar de ser, o constrangimento total dos movimentos a que estão submetidos faz com que se identifiquem a si mesmos e uns aos outros como se suas sombras fossem eles, isto é, suas sombras passam a ser a sua realidade individual. Se lhes for permitido conversar entre si eles atribuirão às sombras as vozes que ouvirem, tanto às de cada um deles mesmo, quanto às de seus colegas. Atribuirão, ainda, à sombra dos animais projetados as vozes das pessoas ocultas que estiverem carregando os animais reais.

Platão supõe, então, que um dos prisioneiros seja um dia solto e que lhe seja possível o movimento. Ao olhar para trás pela primeira vez, seu olhar se depara com forte claridade que se lhe afigura insuportável, impedindo que veja com nitidez os objetos reais que passam por trás do muro. Se uma pessoa acostumada à liberdade lhe explicar que o que ele vê agora é que é a verdadeira realidade, é natural que ele fique perplexo e duvide. É igualmente natural que ele continue pensando que o que ele via antes é mais real do que o que agora se lhe mostra.

Se lhe ocorrer olhar diretamente para a chama, seu olhar será tão ofuscado que ele se voltará imediatamente para a velha parede, onde a sua realidade anterior se lhe revelará familiar e confortável. Se lhe for, então, feito sair da caverna e mandado que olhe diretamente para o sol, sua cegueira será total e ele não enxergará mais nada por um longo período.

Prossegue Platão com a sua parábola, contanto como o ex-prisioneiro vai lentamente se adaptando à claridade e sofrendo as decorrentes transformações em seus modelos mentais. É uma parábola interessantíssima e que retrata com singular clareza o difícil caminho da iluminação, do progresso espiritual.

A colocação da parábola da caverna no início deste estudo é importante porque mostra que o que intitulamos realidade nada mais é do que aquilo a que nossos sentidos estão acostumados a perceber e que, por isso, se transforma em nossos modelos mentais, a partir dos quais passamos a interpretar tudo o quanto nos é dado observar. A verdadeira realidade, por outro lado, extrapola em tanto a capacidade de nossos sentidos que nossa aceitação dela é hesitante e imensamente demorada.


Os Limites dos Nossos Sentidos

Cada ser existente no Planeta tem seus sentidos adaptados às suas necessidades de sobrevivência no meio onde vive. O ser humano consegue ouvir sons na faixa de 20 a 20.000 Hz e logra enxergar na forma de luz a emissão ou a reflexão de radiação eletromagnética entre os comprimentos de onda de 7,5 x 10-7 m (vermelho) e 4 x 107 m (violeta). Seu olfato consegue identificar cerca de 10.000 odores distintos, podendo captar uma partícula de substância odorífera em vários milhões de partes de ar. Sua adaptação ao meio é notável. No entanto, ele não possui a visão telescópica das aves de rapina, nem a visão ultra-sônica dos morcegos e dos golfinhos. Seu campo de visão é de cerca de 180o, em contraposição à visão de 360o dos animais que têm olhos laterais, como os cavalos. Ao contrário dos cavalos, entretanto, sua visão frontal é dotada de efeito estereoscópico, dando-lhe senso de distância e profundidade. Também diferentemente da daqueles animais, sua visão é colorida e não em preto e branco. O homem não é dotado da sensibilidade auditiva e olfativa da raça canina e dos demais predadores. A vantagem competitiva que lhe possibilitou o inquestionável domínio do Planeta lhe foi dada pela sua maior capacidade mental.

Se todos os animais pudessem falar e se pusessem a discutir a realidade do mundo material, teríamos uma interminável e infrutífera disputa filosófica. O cavalo, só para citar um exemplo, acusaria os humanos de charlatães ou sonhadores, afirmando, com convicção (materialista) que as cores não existem. Mais estranhamente, ainda, teria formulado uma teoria do movimento totalmente diferente da nossa, de uma complexidade enorme, devido à sua extrema limitação sensória de percepção de profundidade. Qualquer singela explicação do movimento que ouvisse de um humano, baseada na simples observação do deslocamento por sua visão estereoscópica, pareceria ao sábio eqüino uma invencionice infantil e indigna de crédito. Disputas intermináveis se sucederiam sem que uma das partes lograsse convencer a outra da sua realidade. E, no entanto, para um observador externo, que lhes compreendesse a todos as limitações dos sentidos, estariam todos com razão, pelo menos com tanta razão quanto seus sentidos lhes permitissem perceber.

Os limites impostos aos sentidos são os mais convenientes e necessários à sobrevivência de cada espécie viva. Se fossemos, os humanos, dotados de visão “de raio-X”, toda a beleza estética que o indivíduo hoje pode apreciar no elemento do sexo oposto simplesmente desapareceria, posto que no objeto de sua observação não mais veria que um esqueleto móvel com suas lordoses, sifoses, escolioses e tantas outras imperfeições que a abençoada ilusão de nossos sentidos logra esconder. Penetrando ainda mais na intimidade da matéria, se nos supuséssemos dotados de microscópica visão, veríamos em nossos companheiros encarnados meros amontoados de células em movimento. Ou, pior ainda, se aumentada a precisão, uma colméia de intensa atividade formada de elétrons em alucinada vibração, uma verdadeira “energia condensada” a se mover em bloco em nossa direção cada vez que um outro ser de nós se aproximasse.

É por essa razão que a providência Divina fez nossos sentidos serem como são. Deixemos a palavra com Huston Smith, o emérito professor de Religião Comparada, em sua obra Forgotten Truth (A Verdade Esquecida):

Para qualquer direção que nos voltemos, nossos sentidos nos retornam ficções. Não é que eles não nos informem da aparência (real) da natureza, eles são precisamente projetados para não nos informar. Se eles nos tivessem mostrado as coisas como realmente são, não teríamos sobrevivido. Se percebêssemos átomos ou quanta em lugar de carros, seríamos atropelados. Se nossos ancestrais tivessem visto elétrons em lugar de ursos, teriam sido devorados.

 

O Meio em Que Vivemos

O século XX viu agravar a estados nunca antes alcançados a alienação do ser humano em relação à natureza. Em uma cidade grande como o Rio de Janeiro, quase tudo o que nos cerca no dia a dia foi feito ou modificado pelo homem com sua tecnologia.

Dessa forma, o contato místico que o homem sempre teve com Deus através da natureza foi quase completamente perdido. O homem não dorme mais quando o sol se põe, nem acorda ao despontar da aurora. Sua vida é regida pela energia elétrica e por despertadores. Ele não colhe seu alimento da terra amiga nem obtém proteína animal caçando e pescando como seus antepassados.

Simplesmente vai ao supermercado e lá encontra tudo que precisa, cortado e embalado. Chova ou faça sol, ele tem água para beber. Se ficar doente, não pede a Deus que o cure, vai ao médico. Tudo à sua volta o faz crer que o mundo foi feito pelos homens e não por uma inteligência superior, como era evidente para os antigos. Se existe uma montanha, sempre haverá um carro ou um teleférico para levar-nos a seu topo.

Toda essa aparente onipotência da tecnologia nos esmaga os sentidos a tal ponto que somente nos lembramos de Deus quando ela falha de forma espetacular. É nas desgraças que a espiritualidade desperta. Aí, então, nos curvamos ao misterioso poder que nos criou e oramos.

 

Parte II

A Opção Materialista

A Doutrina Materialista

Em Obras Póstumas, a Doutrina Materialista é a primeira citada entre "As Cinco Alternativas da Humanidade".

Allan Kardec sintetiza essa doutrina do seguinte modo:

"A inteligência do homem é uma propriedade da matéria; nasce e morre com o organismo. O homem nada é antes, nem depois da vida corporal."

Léon Denis, em Depois da Morte, falando sobre o Materialismo, comenta o que essa Doutrina pensa da alma: "O que chamamos alma, o conjunto de nossas faculdades intelectuais, a consciência, mais não é do que uma função do organismo, e esvai-se com a morte." Citando Karl Vogt, pensador materialista alemão da época, ele prossegue explicando o entendimento dos materialistas: "O pensamento é uma secreção do cérebro. As leis da Natureza são inflexíveis, não conhecem moral, nem benevolência."

Como se pode observar na farta mídia hoje disponível, o materialismo, enquanto doutrina, não tem mais a importância que tinha ao tempo dos inícios do movimento espírita. Na televisão, por exemplo, são vários os programas espirituais de diversas crenças, não havendo, em contrapartida, um só que pregue o materialismo.

A Doutrina Materialista, nascida no mundo ocidental, visava influenciar a elite intelectual e o conseguiu. Jamais, por outro lado, logrou convencer as massas iletradas, que, carecendo de amparo outro que não a sua fé, jamais a esta abandonaram. Por ironia, o próprio sucesso do Materialismo junto às elites intelectuais fez com que ele perdesse seu apelo e se tornasse desnecessário enquanto Doutrina.

A situação a que se chega neste final de século XX é de uma nítida maioria de pensadores e estudiosos que podemos chamar de materialistas “por falta de motivação” classificação dada por Kardec, como veremos mais adiante. Sem assumirem explicitamente o Materialismo como postura filosófica, pois sequer dão-se conta de que o seguem, desenvolvem suas pesquisas e apresentam seus resultados sem levar em consideração nada além da matéria. A despeito disso, entretanto, produzem, muitas vezes, obras interessantes e úteis para a humanidade.

O enfoque materialista no estudo do comportamento humano resultou, por exemplo, na interessante obra The Origins of Virtue, de Matt Ridley, um D. Phil. em zoologia, inglês e ex-editor americano da revista The Economist. Nessa ricamente fundamentada e bem escrita obra, o competente autor monta uma convincente hipótese - materialista - para a convivência pacífica das tendências de interesse próprio e de ajuda mútua na sociedade humana.

O materialismo na sociedade deste século é mais responsável pelo atraso em inúmeras áreas da ciência do que pelo pouco adiantamento moral, como se afigurava para o Codificador no século XIX. Analisando as conseqüências do materialismo, dizia Kardec:

"Sendo o homem apenas matéria, os gozos materiais são as únicas coisas reais e desejáveis; as afeições morais carecem de futuro; os laços morais a morte os quebra sem remissão e para as misérias da vida não há compensação; o suicídio vem a ser o fim racional e lógico da existência, quando não se pode esperar atenuação para os sofrimentos; inútil qualquer constrangimento para vencer os maus pendores; viver cada um para si o melhor possível, enquanto aqui estiver; estupidez vexar-se e sacrificar o repouso, o bem-estar por causa de outros, isto é, por causa de seres que, a seu turno, serão aniquilados e que ninguém tornará a ver; deveres sociais sem fundamento, o bem e o mal meras convenções; por freio social unicamente a força material da lei civil."

Talvez por razões naturais, como as detectadas por Ridley, tudo indica que a Humanidade tem evoluído moralmente de forma constante. Cada vez surgem mais associações humanitárias e ecológicas. As fronteiras vão-se abrindo pelo entendimento. A barbárie na guerra é condenada em fóruns mundiais. A tortura e o genocídio são execrados por todos os governos. E tudo isso, apesar do materialismo generalizado de um mundo ocidental dominante.

 

As Categorias de Materialistas

Com base no que vimos até agora, podemos dizer que materialista é alguém que vive submerso em "maya", isto é, que crê ser real, verdadeiro, apenas aquilo que seus sentidos logram observar.

Allan Kardec, no Capítulo III de O Livro dos Médiuns, sempre inspirado pela falange do Espírito da Verdade, classifica os materialistas em diversas categorias, numa classificação válida até hoje.

Os materialistas por sistema são aqueles que seguem uma doutrina materialista, concebida em contraposição às doutrinas espiritualistas. Kardec, provavelmente baseado em sua própria experiência, nos alerta quanto à ineficácia de se tentar convencer aos extremados, obstinados em sua posição materialista intransigente. De fato, a postura que os radicais de qualquer natureza assumem é de tal forma incompatível com a livre troca de idéias que mais vale deixá-los argumentando sozinhos. Para a felicidade humana, as doutrinas materialistas, que tiveram seu apogeu justo na segunda metade do século XIX que viu nascer o Espiritismo, começaram a perder fôlego com os avanços da própria ciência que lhes havia fornecido os argumentos iniciais. Conforme já comentamos, os materialistas por sistema, neste final de século, são, sem sombra de dúvida, uma classe em extinção.

Seguem-se os materialistas por falta de motivação. Esta classe, que era muito numerosa na segunda metade do século passado, continua a sê-lo até hoje. Têm inerente em si o desejo de crer em algo além da matéria, não tendo encontrado, porém, uma resposta satisfatória aos seus desejos íntimos adormecidos. Uns por terem nascido ou sido criados em comunidades materialistas, não tendo jamais ouvido falar das coisas espirituais. Outros, por terem julgado inconsistentes os ensinamentos que lhes foram ministrados. Afirma Kardec que tal classe de materialistas recebe de boa vontade ensinamentos que lhes pareçam racionais, como certamente há de lhes parecer a Doutrina Espírita, por "estarem mais perto de nós do que, por certo, eles próprios julgam". Comentamos, mais acima, que muitos estudiosos e pesquisadores se enquadram nesta classe. A previsão de Kardec de que eles receberiam de boa vontade ensinamentos que lhes parecessem racionais é comprovada pela adesão que se verifica em todo mundo ocidental de membros da comunidade científica aos ensinamentos espiritualistas neste final de século.

Os incrédulos por má-vontade constituem uma categoria singular. Não são realmente materialistas. Ocorre que a aceitação da realidade espiritual lhes é perturbadora naquilo em que ela lhes promete cobrar o resultado de suas ações. É uma categoria que realmente existe até hoje. Se perguntados se crêem em Deus e na vida espiritual, respondem contrariados. O assunto os incomoda e constrange porque os chama a uma responsabilidade que se recusam a aceitar. Estão, no fundo, fugindo de si mesmos. Kardec conclui que só se pode lamentá-los. Sem querer discordar do grande mestre lionês, entendo que eles precisam muito de nossa oração.  

Kardec cita, a seguir, "apenas por não deixar de mencioná-la", a categoria dos incrédulos por interesse ou de má-fé. No tempo de Kardec, em que não havia outra chama de espiritualismo acesa na Europa, esta classe que condenava o Espiritismo "por motivos de interesse pessoal" era provavelmente constituída de católicos, fervorosos ou não, que viam na oposição à Doutrina Espírita uma oportunidade de auferirem alguma vantagem, quer mostrando sua "erudição" científica, quer agradando a esta ou àquela pessoa influente em suas vidas. Pobres almas. Neste fim de século, a espiritualidade está em tamanha expansão por todo o mundo que esta classe também está prestes a desaparecer.

Há os incrédulos por pusilanimidade, que é como Kardec classifica os que só aceitarão quando virem que os outros aceitaram e que não lhes fez mal. Penso que também se incluem nesta classe os que crêem, mas têm medo de dizê-lo por viverem em um meio onde ninguém fala de religião ou de espiritualidade. Julgando serem todos à sua volta materialistas, preferem fazer com que pensem que também o são. Se o vizinho disser a um deles que é espírita, somente a este revelará o que pensa e a mais ninguém. E só terá a coragem de assumir em público sua crença após a maioria dos que lhe cercam o tiver feito. Como lhe falta coragem, não quer ter para si a tarefa de defender suas idéias. Tendo as mesmas idéias que a maioria, sabe que jamais lhe será cobrado defendê-las. Essa constatação nos permite concluir que o espírito pusilânime que é incrédulo em uma comunidade de incrédulos, também escolherá ser um crente em uma comunidade de crentes. Daí termos a certeza que esta espécie será tanto mais reduzida quanto mais espiritualizada estiver a Humanidade.

Os incrédulos por escrúpulos religiosos, para Kardec, o são por ignorância do que seja o Espiritismo. Se evidamente esclarecidos quanto às bases da Doutrina, verão que esta repousa sobre princípios fundamentais da sua religião e que respeita todas as crenças, o que eventualmente fará com que se desarme e se disponha a conhecê-la melhor. É importante ressaltar que apenas as religiões que derivaram do judaísmo discordam dos pontos fundamentais do Espiritismo. A grande influência que o pensamento religioso oriental está tendo, particularmente nos E.U.A., está rompendo os escrúpulos religiosos contra o Espiritismo e facilitando sua aceitação.

Sempre sistemático, Kardec arrola, a seguir, sem maiores comentários, os "incrédulos por orgulho, por espírito de contradição, por negligência, por leviandade, etc…, etc." Essa categoria poderia ser intitulada de incrédulos diversos.

Os incrédulos por decepções são lembrados como aqueles que "passaram de uma confiança exagerada à incredulidade, porque sofreram desenganos". Kardec inclui nesta categoria aqueles que não estudaram a sério a Doutrina e que são, portanto, facilmente ludibriados por encarnados ou desencarnados levianos ou de má-fé, que lhes causam frustrações tão grandes em suas ingênuas expectativas que os levam da crença à descrença de um golpe só. Apesar de não terem sido explicitamente citados pelo Codificador como integrantes desta classe, entendo que também a ela pertençam aqueles cuja crença, por demais ingênua, não lhes permite a aceitação de revezes e provações na vida. Frente à morte de um filho muito amado, por exemplo, se revoltam contra sua crença e contra tudo o que ela representa.

A classe mais numerosa de todas, segundo Kardec, e que não pode ser incluída entre as dos opositores propriamente ditos, é a dos incertos. Diz ele que estes são espiritualistas por princípio, tendo uma "vaga intuição das idéias espíritas, uma aspiração a qualquer coisa que não podem definir". Aceitarão o Espiritismo de bom grado, por lhes trazer aquilo que internamente almejam. O tempo se encarregou de mostrar que tal classe não era muito numerosa na Europa do século XIX, contrariando de forma surpreendente a percepção de Kardec. No entanto, o mesmo tempo também soube mostrar que ele não se enganara em relação a um outro povo, cuja cultura religiosa, adubada pelas crenças espiritualistas vindas do continente africano, estava pronto para receber a semente edificante mais uma vez trazida ao mundo pelos abnegados semeadores da luz Divina.

 

Parte III

A Opção Espiritualista




A Doutrina Secreta torna-se a Ciência Sagrada

Em Obras Póstumas, a Doutrina Espírita é a quinta e última citada entre "As Cinco Alternativas da Humanidade". Estranhamente, ao estudarmos a descrição que Kardec faz das demais alternativas, veremos que não se enquadram em nenhuma delas religiões importantíssimas e milenares como o Hinduísmo, o Taoísmo e o Budismo, Mahayana, Theravada, Tibetano e Zen. Essas nobres religiões, seguidas por cerca da metade da Humanidade, no entanto, se enquadram com perfeição na descrição feita por Kardec da Doutrina Espírita.

Ora, sabemos que Espiritismo e Doutrina Espírita são termos cunhados por Kardec que, na introdução mesma do Livro dos Espíritos, esclarece que "para se designarem coisas novas são necessários nomes novos".

Teria o Codificador, tão metódico e seguro de suas anotações, confiante na falange de escol que o assessorava, simplesmente esquecido de criar uma classe onde coubessem os milhões de fiéis das religiões orientais? Ou seria o caso de ter ele consciência de que o Espiritismo representava “coisa nova” na Europa do século XIX como uma releitura, adequada àquela civilização mecanicista, da milenar sabedoria oculta ou esquecida no Ocidente?

Para nos ajudar a decidir qual teria sido o entendimento do mestre de Lion, nos reportamos a dois dos seus mais próximos e fiéis seguidores.

Gabriel Delanne, no Capítulo I de O Fenômeno Espírita, afirma de forma inequívoca: "O Espiritismo é tão velho quanto o mundo". Ora, o notável estudioso e seguidor de Kardec não poderia fazer tal afirmação se ela não estivesse abalizada no entendimento do Codificador. O que havia e há de novo na Doutrina dos Espíritos é, antes de tudo, a forma não velada, didática, sistemática e rigorosa tão necessária ao entendimento dos ocidentais.

Que nome teria esse Espiritismo "tão velho como o mundo" antes de Kardec ter cunhado o nome que deu à Doutrina dos Espíritos?

Léon Denis, na parte primeira de Depois da Morte, nos fala sobre A Doutrina Secreta, termo também utilizado pela principal fundadora do movimento Teosófico, Helena P. Blavatsky.

O que tanto Léon Dénis quanto Madame Blavatsky chamaram de "A Doutrina Secreta” é a Verdade contida no cerne de todas as religiões desde os mais remotos tempos. Esse conteúdo da Verdade foi trazido ao mundo desde a aurora da Humanidade por mensageiros da mais elevada envergadura, dentre os quais Rama, Krishna, Lao-Tzu, Confúcio, Buda e o nosso Mestre, Modelo e Irmão Maior, Jesus, figuram entre aqueles que a história logrou registrar. A certeza de que a vinda de tais mensageiros ao Planeta é muito mais antiga vem da leitura das mais remotas tradições religiosas que, há seis mil anos atrás falavam dos veneráveis mestres de muitas eras já passadas.

Léon Denis, na obra mencionada, assim explica a Doutrina Secreta:

"Um primeiro exame, uma comparação superficial das crenças e das superstições do passado, conduz, inevitavelmente, à dúvida. Mas, levantando-se o véu exterior e brilhante que ocultava às massas os grandes mistérios, penetrando-se nos santuários das idéias religiosas, achamo-nos em presença de um fato de alcance considerável. As formas materiais, as cerimônias extravagantes dos cultos tinham por fim chocar a imaginação do povo. Por trás desses véus, as religiões antigas apareciam sob aspecto diverso, revestiam caráter grave e elevado, simultaneamente científico e filosófico. Seu ensino era duplo: exterior e público de um lado, interior e secreto de outro, e, neste último caso, reservado unicamente aos iniciados. Conseguiu-se, não há muito, reconstituir-se esse ensino secreto após pacientes estudos e minuciosas descobertas epigráficas. Desde então se dissipou a obscuridade e a confusão que reinavam nas questões religiosas; com a luz fez-se a harmonia. Adquiriu-se a prova de que todos os ensinos religiosos do passado se ligam, porque, em sua base, se encontra uma só e mesma doutrina, transmitida de idade em idade, a uma série ininterrupta de sábios e pensadores."

A respeito do caráter secreto de que fala Léon Denis, é digno de atenção o fato largamente exposto nas passagens evangélicas, de que o próprio Senhor Jesus foi claro em anunciar que expunha a Verdade ao povo de forma velada, através de parábolas, pois não eram eles capazes de entender a Verdade exposta de forma clara. Por essa razão, dizia Ele, somente a seus escolhidos, os discípulos, podia falar de maneira não velada. Ora, quem foram, pois, os discípulos senão "iniciados"?

Não seria, finalmente, o mito de Adão e Eva uma alegoria para explicar que a revelação da Verdade de forma clara ao povo ignorante teria levado o mesmo a graves equívocos e desvios em sua rota espiritual? Não estaria na experiência de uma Era remota a origem da cautela que os grandes mensageiros tinham em desvelar a Verdade apenas aos que estivessem espiritualmente preparados para compreendê-la e aplicá-la em proveito do progresso espiritual próprio e de seus semelhantes?

O Espiritismo veio cumprir no século XIX, a promessa do Mestre de que voltaria como Espírito da Verdade para revelar aos homens aquilo que Ele não pudera fazê-lo.

O que fora revelado aos iniciados, uma elite escolhida, como Doutrina Secreta, passava a ser inteligível para uma elite natural, formada por quem quer se dispusesse à auto-instrução e à busca do conhecimento.

Transformara-se, então, a Doutrina Secreta na Ciência Sagrada, termo com que o iogue Swami Sri Yukteswar intitulava esse princípio único que originou todas as religiões.



As Categorias de Crentes

Kardec, no Capítulo III de O Livro dos Médiuns, intitulado "Do Método", descreve as categorias dos crentes, isto é, daqueles que acreditam nos espíritos e nas suas manifestações.

A primeira classe é a dos espíritas sem o saberem. Kardec os define como "uma variedade, ou um matiz da classe precedente". A classe precedente de que fala o Codificador é a dos incertos, a última classe materialista mencionada. Sem jamais terem ouvido falar da Doutrina Espírita ou do Espiritualismo, eles revelam, através de suas falas ou escritos, estarem de acordo com o conteúdo moral da Doutrina de forma tal que quem os escuta os toma por espíritas. A nós parece tratarem-se de espíritos que em encarnações anteriores seguiram alguma religião ou crença espiritualista, trazendo em sua intuição os ensinamentos passados.

As quatro categorias seguintes de crentes pertencem à classe dos que se convenceram por um estudo direto.

Os espíritas experimentadores são os curiosos da Ciência Sagrada. Experimentam e pesquisam tendo a experimentação e a pesquisa como fim último. Uma primeira impressão é de que constituam uma aberração, um desperdício de tempo e de esforço. Se nos dispusermos a analisá-los com benevolência, no entanto, concluiremos que eles fazem mais mal a eles mesmos que aos outros, posto que outros, mais conscientes que eles, poderão fazer bom uso dos resultados por eles encontrados.

Os espíritas imperfeitos formam uma classe interessante. O que Kardec chama de espíritas imperfeitos são aqueles que conhecem e admiram a moral espírita mas não a praticam, por não terem disposição nem força de vontade para operar a necessária reforma íntima. Infelizmente há crentes imperfeitos em todas as religiões. Pode-se mesmo dizer que essa classe constitui a maioria em todas elas. Na verdade, essa classe constitui uma mínima evolução da dos incrédulos por má vontade. Aqueles se recusavam até mesmo a estudar e discutir o assunto. Estes já o lêem, compreendem, aceitam e discutem, mas ainda param por aí.

Kardec chama de verdadeiros espíritas ou de espíritas cristãos aqueles que conhecem a moral espírita e a praticam. Conscientes do verdadeiro objetivo da vida, aproveitam as oportunidades que se lhes são oferecidas para granjear créditos na sua decidida marcha em direção à casa Paterna. Para um espírita cristão, tudo o que lhe advém, seja a provação mais dolorida ou a mais triunfal consagração, nada mais é do que um teste a mais a que está sendo submetido para demonstrar sua decisão inabalável de promover a reforma íntima necessária para encontrar o Cristo que lhe habita a intimidade. Para dar maior abrangência ao conceito, de acordo com a visão de que Espiritismo "é tão antigo quanto o mundo", entendemos ser preferível a designação de verdadeiros espíritas. Sejam eles hinduístas, budistas, taoístas, teosofistas ou vinculados a qualquer outra religião ou crença espiritualista, e não cristãos, no entendimento restrito, ainda assim serão verdadeiros espíritas se praticarem os preceitos morais da Ciência Sagrada objetivando encontrar seu Cristo interno, qualquer que seja o nome que Lhe dêem.

A classe extrema dos crentes é a que Kardec intitula de espíritas exaltados. Diz ele, com muito acerto, que "em tudo, o exagero é prejudicial". Espírita exaltado é aquele que em tudo vê a ação dos espíritos. Em contraste absoluto com o materialista radical, ele é o espiritualista radical. Carecem ambos, igualmente, de bom senso. Da mesma forma que o materialista radical é pernicioso ao materialismo, por expor de forma grosseira seu preconceito científico, o espiritualista radical ou espírita exaltado, por não utilizar o crivo da razão para se assegurar da veracidade do que vê, do que lê ou do que escuta dizer, submete a si mesmo e ao espiritismo ao ridículo. Nossa opinião é de que todo espírita exaltado é um incrédulo por decepção em potencial.

 

Parte IV

De que Lado Está a Ciência?

O Contexto Histórico do Século XIX

Todo estudioso da Codificação é portador de profunda certeza quanto à Verdade revelada nas respostas que os Nobres Espíritos deram às perguntas existenciais e práticas que lhes foram colocadas por Kardec e seus cultos e dedicados colaboradores.

Entretanto, da mesma forma que ocorre a quem lê os Evangelhos ou os livros sagrados de qualquer religião, há que se manter atento para o contexto histórico-social em que os temas são abordados para que se tire a correta conclusão dos ensinamentos, sempre verdadeiros, que são transmitidos pelos sábios que os codificaram.

Para colocar de maneira mais clara a questão, analisemos as Perguntas 147 e 148 de O Livro dos Espíritos.


Pergunta 147:
"Por que é que os anatomistas, os fisiologistas e, em geral, os que aprofundam a ciência da Natureza, são, com tanta freqüência, levados ao materialismo ?"

Resposta dos Espíritos:
"O fisiologista refere tudo ao que vê, orgulho dos homens, que julgam saber tudo e não admitem haja coisa alguma que lhes esteja oculta ao entendimento. A própria ciência que cultivam os enche de presunção. Pensam que a Natureza nada lhes pode conservar oculto."


Pergunta 148:
"Não é de lastimar que o materialismo seja uma conseqüência dos estudos que deveriam, contrariamente, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Deve-se daí concluir que são perigosos?"

Resposta dos Espíritos:
"Não é exato que o materialismo seja uma conseqüência desses estudos. O homem é que deles tira uma conseqüência falsa, pela razão de lhe ser dado abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. Acresce que o nada os amedronta mais do que eles quereriam que lhes parecesse, e os espíritos fortes, quase sempre são antes fanfarrões do que bravos. Na sua maioria só são materialistas porque não têm com que encher o vazio do abismo que diante deles se abre. Mostrai-lhes uma âncora de salvação e a ela se agarrarão pressurosamente."


Da maneira que a pergunta 147 foi colocada, totalmente imersa no contexto histórico do século XIX, a resposta dos Espíritos não poderia deixar de ser igualmente imersa nesse contexto. Os fisiologistas, naquela segunda metade do século XIX eram materialistas. Estava a humanidade no auge do pensamento mecanicista nas ciências físicas e sociais. O pensamento mecanicista, materialista, que então tomou força, tinha basicamente dois motivos. Por um lado, a ciência iniciava então uma fase de progresso acelerado em diversos campos de investigação da natureza, fase que perdura até hoje. A conquista rápida de novos conhecimentos e o sucesso das tecnologias baseadas nesses conhecimentos despertaram na comunidade científica uma sensação de suficiência, que propagavam com desinibição. Por outro lado, a Igreja não havia reagido com a presteza necessária aos progressos da Ciência, fornecendo-lhes o necessário conteúdo ético e moral, presa que estava aos dogmas que havia instituído no passado, tomando-os por exclusivo alicerce doutrinário e dos quais não podia mais abdicar. O longo domínio que a Igreja viera exercendo no campo das idéias passou a ser posto em cheque por pensadores que viam nas conquistas da Ciência o argumento que lhes faltava para sacudir o jugo filosófico a que se viam e à Humanidade toda submetidos.

Vivendo dentro de tal contexto histórico, Kardec e os ilustres estudiosos que o assessoraram não estariam em condição de aceitar de forma racional, como faziam questão de fazer, uma resposta dos Espíritos que negasse a influência da ciência como combustível de um materialismo doutrinário que se apresentava crescente e desafiador. Mesmo assim, as respostas que os Espíritos superiores deram demonstram o cuidado com que trataram a questão, o que bem se vê na resposta à pergunta seguinte.

Contrariamente à de número 147, a pergunta 148 foi proposta fora de contexto histórico, o que deu ensejo a uma resposta clara e definitiva por parte dos nobres espíritos, o que a anterior não tinha permitido: "Não é exato que o materialismo seja uma conseqüência desses estudos."

De fato, já no final do século XIX, a Ciência começou a mostrar que havia algo além da matéria.

A Ciência no Século XX encontra Deus e o Percebe

Por fina ironia da História, foi no mesmo século XIX, que viu florescer o materialismo, que Maxwell, notável físico inglês, concebeu a teoria eletromagnética, a primeira teoria física importante a não tratar em momento algum de matéria, mas somente de ondas, campos e forças. A teoria eletromagnética de Maxwell, apesar de modelar entidades percebidas pelos sentidos apenas pelos seus efeitos e não pela sua aparência, revelou-se uma modelagem matemática tão boa do mundo real que seu uso deu ensejo ao desenvolvimento a uma infinidade de tecnologias sem as quais não saberíamos como seria o mundo moderno.

Não muito mais tarde, na primeira metade do século XX, a pesquisa científica acabou encontrando Deus. Estudando a intimidade dos átomos, grandes sábios, hoje considerados pais da Física Quântica, como Heisenberg, Schrödinger e Bohr, perceberam que o que havia de essencial no âmago da matéria que pesquisavam não era matéria. O que eles perceberam foi a existência de uma inteligência transcendente que criara a natureza, suas leis e que as fazia respeitar na mais escondida intimidade da sua criação.

Fritjof Capra, ele mesmo um físico nuclear, conta, em O Tao da Física, como aqueles pioneiros perceberam que a milenar sabedoria mística oriental houvera previsto pela intuição tanta coisa que a pesquisa científica e a modelagem matemática os permitira descobrir. Niels Bohr ficou tão fascinado por encontrar paralelos entre as conceituações da física quântica e as da milenar sabedoria oriental que, ao ser honrado com titulo da nobreza pelo seu meritório trabalho científico, escolheu para ornar seu brasão de armas o T'aichi T'u, o hoje conhecido símbolo representativo do caráter dinâmico do yin e do yang, encimando-o pelos dizeres em latim "Contraria sunt Complementa", isto é, "Os contrários se Complementam".

Albert Einstein, gênio da Ciência, tido como o mais poderoso intelecto do século XX, ao propor a Teoria da Relatividade, concebeu, também, a conversibilidade matéria-energia expressa pela célebre equação e = mc2. Em uma ocasião, falando sobre Deus, forneceu, como Kardec o fizera cerca de um século antes, argumentos definitivos sobre a total compatibilidade entre Ciência e Religião. Citando dois trechos de uma entrevista que deu, poderemos ter deles uma boa idéia.

"Não há oposição entre Ciência e Religião. Apenas há cientistas atrasados, que professam idéias que datam de 1880."

"Saber que realmente existe aquilo que é impenetrável para nós, e que se manifesta como a mais alta das sabedorias e a mais radiosa das belezas, que as nossas faculdades embotadas só podem entender em suas formas mais primitivas, esse conhecimento, esse sentimento está no centro mesmo da verdadeira religiosidade.

A experiência cósmica religiosa é a mais forte e a mais nobre fonte de pesquisa científica.

Minha religião consiste em humilde admiração do espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos. Essa convicção, profundamente emocional, na presença de um poder racionalmente superior, que se revela no incompreensível universo, é a idéia que faço de Deus."


Na área das ciências da mente, Jung foi buscar inspiração e conhecimento prático na milenar sabedoria espiritual chinesa e tibetana para alicerçar suas conclusões sobre a natureza do inconsciente e de sua interação com o consciente.

Julgamos suficientes os exemplos de Einstein, dos pais da Física Quântica e do eminente psicólogo e psiquiatra Jung para nos dar absoluta certeza de que o atual estágio de progresso da Ciência em nada favorece a crença na opção materialista. Sem dúvida alguma há cientistas materialistas, assim como também os há espiritualistas. Hoje, no entanto, a grande maioria dos cientistas materialistas o é não devido ao embasamento que lhes fornece a Ciência para tanto e sim à própria natureza especializante que o estudo das Ciências, tanto as Físicas quanto as Sociais, adquiriu neste século. O entendimento da espiritualidade requer mentes abertas, largueza de raciocínio e de observação, o que, infelizmente, não se encontra no perfil dominante do cientista na atualidade.

A Ciência do Século XX Começa a Provar a Existência de Deus, mesmo sem o Saber

Quando abordamos a Doutrina Materialista, falamos de Matt Ridley e do seu excelente The Origins of Virtue. Nessa obra, Ridley harmoniza de forma brilhante recentes descobertas nas áreas de genética, psicologia e antropologia, aliadas aos resultados acumulados por exaustivas simulações computacionais para propor que a capacidade de confiança mútua e a disposição cooperativa são os fatores que tornaram a comunidade humana possível, sem o que ela já ter-se-ia extinto de há muito.

O mais surpreendente nessa conclusão de Ridley é que ela vai de encontro à posição tradicionalmente aceita por muitos filósofos e moralistas de que o egoísmo e o comportamento anti-social inerentes a uma postura competitiva pela sobrevivência sejam tendências naturais e que as boas ações entre as pessoas requeiram educação e sacrifício. A lei natural, conforme demonstra Ridley, diz, isto sim, que as comunidades que sobrevivem são justo aquelas cujos membros cooperam entre si.

Terá sido por mera coincidência que todos os grandes mensageiros bateram na mesma tecla "Ame a teu próximo como a ti mesmo"? Existe receita mais simples de cooperação mútua?

Ridley demonstrou de forma científica que é a lei natural que nos diz que devemos ser cooperativos e não a moral dos homens. O que ele não disse é quem fez a lei natural, por não ser tal achado o objetivo de seus estudos.

Quem admite, no entanto, que não possa haver uma lei sem que alguém a haja criado, não pode senão atribuir a autoria da lei natural à misteriosa inteligência superior a que se convencionou chamar de Deus.

Não podemos deixar de mencionar, no contexto do encontro da Ciência com Deus, a realidade com que a astrofísica se depara neste final de milênio. Junto com a física quântica e, ao contrário das demais ciências humanas, a astrofísica sonda o limiar da matéria. Enquanto a física quântica se depara com o materialmente inexplicável no estudo do infinitamente pequeno, a astrofísica comprova a existência do invisível na pesquisa do infinitamente grande. Para justificar a força gravitacional existente no limite das galáxias, os modelos matemáticos disponíveis requerem que seja aceita a existência de uma quantidade de massa no universo imensamente maior que a observável. Estima-se que de 90 a 99% do universo seja invisível aos nossos mais sofisticados instrumentos de observação. E mais, os cientistas supõem que, mesmo quando o homem houver inventado instrumentos capazes de trazer à luz essa “matéria escura”, ainda então não lhe será possível observar os pacotes de ondas que dão origem às partículas. A Ciência astrofísica não só está comprovando a existência do invisível como, mais que isso, que o visível deriva do invisível, isto é, que lhe precede.

Para concluir, vejamos uma outra pesquisa científica, esta absolutamente materialista, porém fadada a demonstrar de forma inquestionável, talvez no início do século XXI, a existência da alma. Estamos falando, naturalmente, da clonagem, particularmente na de seres humanos.

Muitos governos, motivados por preocupações mais econômicas e geopolíticas do que morais, têm-se colocado contrários às experiências de clonagens de seres humanos. A preocupação com a questão, quando externada por pessoas religiosas, no entanto, nos tem parecido extremamente incoerente.

A clonagem de seres humanos, longe de ser um desafio a Deus ou algo do gênero, nada mais será que uma maneira de provar, de forma irrefutável, a existência da alma. Duas pessoas geneticamente idênticas, uma sábia e amorosa e a outra ignorante e perversa. Haverá prova melhor?

Utilizamos essas duas pesquisas para mostrar que o encontro da ciência com a religião nos parece eminente. As oportunidades de progresso que a Ciência tem perdido em suas diversas especialidades, por ignorar a realidade espiritual, dão uma boa dimensão da alavancagem que esse tão esperado encontro propiciará ao progresso do conhecimento humano.

Parte V

Conclusão

  • Nesses mais de quatro séculos de liderança do mundo ocidental sobre o Planeta os valores religiosos dogmáticos foram sendo solapados no seio das comunidades, culminando no século XIX com o apogeu do materialismo.

    A situação em que se encontrava o progresso humano na segunda metade do século XIX dava a impressão de que a espiritualidade havia entrado em franco declínio com o avanço do materialismo como postura filosófica da humanidade.

    Neste final de século XX, no entanto, vê-se uma situação totalmente diversa. É o materialismo que entra em declínio, enquanto o espiritualismo em seus diversos matizes avança sobre corações e mentes no mundo ocidental.

    Será a história cíclica, como afirmam o hinduísmo e as tradições xamanísticas de todos os povos primitivos? Será a atual espiritualização do mundo ocidental uma mera reação emocional ao final do milênio que se avizinha? Será, enfim, mais uma evidência de que a Humanidade se acha em contínua evolução?

    Qualquer que seja o motivo para a atual fase de crescimento da espiritualidade, uma conseqüência é certa: o efeito avalanche que tornou, no século XIX, o mundo ocidental predominantemente materialista se repetirá no século XXI, desta vez no sentido contrário, tornando-o predominantemente espiritualista.

    As razões que nos levam a tal conclusão se encontram nas classificações de materialistas e espiritualistas.

    Quanto aos materialistas e incrédulos, eis o que podemos esperar:

  • os materialistas por sistema ou materialistas radicas, hoje já quase desaparecidos, terão sua extinção brevemente concretizada pelos avanços da própria ciência que lhes forjou a doutrina;
  • os incrédulos incertos, os incrédulos por escrúpulos religiosos e os materialistas por falta de motivação terão todos farta documentação espiritual à sua disposição e um número cada vez maior de pessoas espiritualizadas em todos os meios sociais e na elite intelectual a servirem de testemunho quanto à seriedade da proposta espiritualista;
  • os incrédulos pusilânimes, camaleões como sempre, adquirirão a coloração do meio onde vivem e trabalham. Tornando-se esse meio predominantemente espiritualista, espiritualistas se farão de pronto;
  • os incrédulos por interesse ou má-fé se verão cada vez mais acuados em guetos intelectuais onde o livre pensar permaneça proibido;
  • os incrédulos por decepções tenderão a desaparecer, à medida que as noções espiritualistas passarem a ser ensinadas em todos os lares, nas instituições de ensino e discutidas na mídia, dando a eles o esclarecimento necessário para não se iludirem quanto à razão de suas provações e desditas;
  • quanto aos incrédulos que intitulamos de diversos, esses sempre existirão, posto que constituirão a necessária exceção que se contrapõe a qualquer regra.


O que ocorrerá com as diversas classes de espiritualistas?

  • os espíritas (apenas) experimentadores tenderão a desaparecer, à medida que os necessários experimentos se incorporarem à ciência e passarem a ser desenvolvidos em meios acadêmicos predominantemente espiritualistas;
  • os espíritas imperfeitos, como Espíritos imperfeitos que são, continuarão existindo, em sua lenta mas sempre progressiva caminhada em direção à luz. Ocorrerá, no entanto, que esta classe aumentará de forma considerável, tornando-se a classe predominante da Humanidade, uma vez que para ela convergirão, em um primeiro momento, a maioria dos efetivos hoje pertencentes às classes de incrédulos e materialistas. Ressalvas ficarão mormente por conta dos incrédulos por falta de motivação dotados "de bom coração". Estes, uma vez convictos da realidade espiritual, tornar-se-ão naturalmente verdadeiros espíritas;
  • os espíritas exaltados ou radicais, que no século XX estiveram sujeitos ao freio do materialismo ainda dominante na ciência, tornar-se-ão cada vez mais raros, à medida que a própria ciência passar a incorporar em seu arcabouço conceitual sólidas conclusões comprobatórias da espiritualidade.

 

Se, ao cabo da avalanche espiritualista que se inicia teremos uma Humanidade melhor, é fato de difícil previsão.

Desde os primórdios da civilização conhecida até o recente século XVIII a Humanidade era predominantemente espiritualista. Composta, contudo, de uma enorme maioria de espiritualistas imperfeitos e de uma reduzida elite de iluminados que tinham acesso à Doutrina Secreta, seu avanço moral em nada sobrepujava aquele do materialista século XIX.

Um aspecto, portanto, diferencia a espiritualidade que se espera para o século XXI da que houve em séculos anteriores. Desta vez a espiritualidade estará de braços dados com a ciência. A Doutrina Secreta, convertida em Ciência Sagrada, estará ao alcance de todos, tanto nos meios de comunicação quanto nos ambientes acadêmicos.

Será concretizado o grande temor dos Mestres do passado, não sabendo a Humanidade aproveitar para o bem o conhecimento espiritual adquirido? Ou será diferente desta vez e a Terra, nosso querido planeta azul, palco de milenares dramas de provação, logrará, enfim, cumprir seu destino de mãe amorosa e justa, conduzindo seus filhos em direção à luz?

 

Bibliografia Consultada


1. Platão. The Republic. tradução para o inglês feita por Benjamin Jowette disponibilizada no site "Read Plato" no endereço Internet
http://www.geocities.com/Athens/Academy/3963/books/republic.htm.
2. Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. 77a ed., FEB, Brasil, 1997
3.______, ____. O Livro dos Médiuns. 61a ed., FEB, Brasil, 1995
4.______, ____. Obras Póstumas. 25a ed., FEB, Brasil, 1990
5. Muraro, Rose M. e Cintra, Frei Raimundo. As Mais Belas Orações de Todos os Tempos, 14a ed., Rosa dos Tempos, Brasil, 1996.
6. Capra, Fritjof. O Tao da Física. 17a ed., Cultrix, Brasil, 1996.
7. _____, ____ . O Ponto de Mutação. 17a ed., Cultrix, Brasil, 1996.
8. Smith, Huston. Forgotten Truth. Harper-Collins, E.U.A., 1992.
9. Maddox, John. O Que Falta Descobrir. Campos, Brasil, 1999.
10.Denis, Léon. Depois da Morte. 9a ed., FEB, Brasil,?.
11.Delanne, Gabriel. O Fenômeno Espírita. 3a ed., FEB, Brasil, 1977.
12.Andréa, Jorge. Psicologia Espírita. 1a ed., F. V. Lorenz, Brasil, 1991.
13.Yukteswar, Swami Sri. The Holy Science. 8a ed., Self-Realization Fellowship, EUA, 1990.
14.Blavatsky, H. P. The Secret Doctrine. Transcrição de H. P. Blavatsky And Her Writings no endereço Internet http://www.theosophical.org/hpb.html.
15.Ridley, Matt. The Origins of Virtue. 1a ed., Viking Penguin, EUA, 1997.


Nota: A ordem da Bibliografia adotada corresponde àquela com que a bibliografia foi consultada no decorrer deste trabalho, não se prendendo quer à importância das fontes que a qualquer outro critério de avaliação.

 



Fonte: Estudo apresentado na Instituição Espírita Joanna de Angelis em Junho de 2000
http://www.ieja.org/portugues/p_materialismoeespiritualismo.doc
http://aeradoespirito.sites.uol.com.br/A_ERA_DO_ESPIRITO_-_Portal/ARTIGOS/ArtigosGRs/DO_MAT_RAD_AO_ESP_FAN_RC.html

 



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