Há uma questão que deixa vários irmãos
e irmãs espíritas intrigados, por mais que sejam estudiosos
dedicados da Codificação. É o porquê
de animais, particularmente os domésticos que convivem com
o homem, passarem às vezes por tanto sofrimento.
Nem os estudiosos espíritas nem os cientistas que estudam
os animais viram até hoje qualquer evidência apontando
para a existência neles de consciência moral. Os animais
superiores, aqueles que estão mais adiantados na senda evolutiva,
já possuem uma forma de consciência do eu, segundo
as experiências feitas com algumas espécies de primatas,
cetáceos e aves têm demonstrado. Mesmo essa consciência
do eu, no entanto, talvez não seja tão complexa quanto
a do homem, que possui a chamada “teoria da mente”,
que, em poucas palavras, é essa habilidade que temos de reconhecer
nos outros a mesma consciência que sabemos existir em nós,
permitindo que nos comportemos de modo compatível com aquilo
que nossa mente informa sobre a mente alheia. Os estudiosos não
dizem que os animais superiores por eles estudados não possuam
tal estágio de consciência do eu, mas reconhecem ainda
não ter idéia de como fazer tal avaliação.
Um terceiro estágio da evolução da consciência
é a consciência moral, a capacidade de julgar se determinada
ação é certa ou errada de acordo com as leis
de Deus, também entendidas como as leis da natureza. Segundo
se depreende da Codificação e de obras subsidiárias,
a conquista da consciência moral ocorre quando a alma entra
no reino hominal, o que está de acordo com o estágio
de conhecimento da ciência, apesar do uso de linguagens diferentes
usadas para descrever o fato. Na Bíblia, a conquista da consciência
moral é descrita no mito de Adão e Eva, quando o casal
primevo come do fruto da árvore da ciência do bem e
do mal. Ora, consciência moral é justamente a ciência
do bem e do mal. A alegoria bíblica pode ser entendida, portanto,
como um relato de como as almas que habitavam o Éden da ingenuidade
alcançaram a consciência moral, ingressando no reino
hominal e, assim, se sujeitaram à Lei da Causalidade.
Ora, partindo-se da premissa de que os animais não têm
consciência moral, isto é, o conhecimento do bem e
do mal, é forçoso concluir que eles não são
responsáveis pelos seus atos. Sendo assim, eles não
estão sujeitos à Lei da Causalidade (Causa e Efeito)
e, por conseguinte, um deles não pode estar, ao sofrer, resgatando,
por exemplo, a morte que causou em outros animais para se alimentar.
Antes de nos aprofundarmos na questão, gostaríamos
de deixar claro uma diferença que passa despercebida por
muita gente. Que os animais na natureza sintam dor, no sentido restrito
do termo, disso não há a menor dúvida. Dor,
em seu sentido restrito, é um efeito físico que serve
para alertar o animal de que algo está errado em alguma parte
do seu corpo, exigindo dele cuidados especiais com essa parte que
é a fonte da dor. A dor incomoda e todo animal faz o possível
para se livrar dela. Sofrimento, por sua vez, é um efeito
emocional. Por outro lado, quando falamos de dor em um ser humano,
sempre associamos à dor a idéia de sofrimento, dando
ao termo dor um sentido mais amplo. Na verdade, porém, o
único “animal” que conhecemos um pouco melhor
é o ser humano e, por isso, temos a tendência de interpretar
o comportamento das espécies animais com base naquilo que
conhecemos de nós mesmos. Quando sentimos dor, nosso rosto
se contrai, nosso corpo se contorce, nossa testa se enruga, os olhos
se entristecem. Esses mesmos sintomas sendo por nós percebidos
em um animal, imediatamente nos fazem concluir que o mesmo está
sofrendo. Mas será que ele sofre do mesmo modo que nós?
Saber se um animal sofre ou não é uma questão
complexa e que os profissionais que estudam as diversas espécies
animais pesquisam com interesse, sem terem, até hoje chegado
a qualquer conclusão definitiva.
Mesmo sem estarmos certos quanto ao que sente o animal com a dor,
ainda nos resta entender a razão da dor sofrida por um animal.
A única resposta que nos vem à mente é “aprendizado”,
a eterna resposta para as dificuldades da vida.
Tendo em mente que o objetivo da dor é aprendizado, podemos
daí depreender que, ao sentir dor ou ao ter uma parte do
corpo inabilitada, o animal está desenvolvendo suas emoções,
aprendendo a lidar com limitações, preparando-se para
seu porvir no reino hominal. Uma comparação que nos
ocorre é com a vida profissional como a conhecemos. Seria
justo que o CRM (Conselho Regional de Medicina), por exemplo, cobrasse
responsabilidade profissional ao estudante do primeiro ou segundo
ano do curso de Medicina ou que o CREA (Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Urbanismo) o fizesse ao estudante do primeiro ou segundo
ano de Engenharia? É certo que não. Com base nessa
comparação, é fácil ver que não
é justo que as Leis de Deus cobrem responsabilidade aos animais,
que estão apenas aprendendo a lidar com suas emoções.
Por melhores e mais adiantados que sejam, ainda são alunos
e, como tal devem ser tratados.
Levando adiante nossa comparação, veremos que, ao
estudante de Medicina ou Engenharia é dada a oportunidade
de estágio onde, sem responsabilidade profissional pelo que
faz, lhe é dado exercer algumas funções dos
profissionais formados, sob a supervisão destes, a fim de
se preparar para o exercício pleno e responsável que
se espera dele após a formatura. Assim como nenhum profissional
liberal se forma sem ter feito estágio, não é
de se esperar que uma alma entre no reino hominal sem ter antes
estagiado em experiências similares às que viverá
mais tarde, desenvolvendo habilidades básicas de como se
comportar durante elas.
O amigo leitor pode perguntar, nesse ponto, porque um animal específico
pode ser submetido à dor mais que um outro da mesma espécie
e da mesma raça, às vezes mesmo da mesma família
nuclear. A resposta é simples: porque as espécies
animais mais evoluídas já estão individualizadas.
Cada cão, gato ou cavalo é um indivíduo, em
estágio específico de evolução, necessitando,
portanto, de experiências próprias, não necessariamente
iguais às de que necessitam seus pares.
Por ora, cremos ser o que se pode afirmar sobre o assunto. Esperemos
os avanços da ciência em seus estudos sobre o comportamento
animal para que novas informações nos permitam melhor
entendimento sobre a questão em pauta. Até lá,
estejamos certos de que nada, absolutamente nada, na natureza ocorre
sem um propósito. Desse modo, onde quer que vejamos uma ocorrência
cuja razão de ser nos escape, saibamos que isso se deve apenas
à nossa ignorância.