A expressão "arte espírita",
ao longo do tempo, já suscitou variados e constantes debates.
De nossa parte, preferimos não polemizar e consideramo-na como
sendo a comunicação das ideias espíritas através
dos recursos artísticos, encampando, assim, toda e qualquer
manifestação criativa do espírito humano. Assim
sendo, a par da conceituação dos compêndios especializados
sobre "o que é ou não é"
arte, preferimos ampliar ao máximo nossa compreensão
sobre o vocábulo, para, assim, englobar, inclusive, as construções
literárias de nosso tempo. Hoje em dia, com os recursos técnicos
da informática, entramos ainda numa nova fase da arte, qual
seja a da "arte cibernética", sem
nos importarmos se o produto (resultado) será ou não
"consumível", "financeiramente
avaliado", ou, em última questão, "impresso
e exposto".
A partir desta premissa, procuremos situar o tipo de arte que recebe
a adjetivação espírita. Lembramos, inicialmente,
que as manifestações, seja do Codificador, seja dos
Espíritos Superiores, na Codificação ou na Revista
Espírita – mormente no que concerne à
definição da "música celeste"
e da "arte espírita", que, em suma,
destacam que assim como a arte pagã foi sucedida pela cristã,
esta o será, um dia, pela arte espírita, pois, segundo
o espírito Alfred de Musset (Revista Espírita,
Dezembro de 1860 – A arte pagã, a arte cristã,
a arte espírita), "[...] o Espiritismo abre à
arte um campo novo, imenso, e ainda inexplorado, e quando o artista
trabalhar com convicção, como trabalharam os artistas
cristãos, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações."
A comparação com a arte cristã é, pois,
necessária e inevitável. Ocupando-nos, tão-somente,
da observação das obras renascentistas, vamos ter excelentes
exemplos para nossa digressão em relação à
arte espírita. Onde se encontram, via de regra, as principais
obras que transmitem religiosidade e fé, sob a efígie
cristã? Nas igrejas, mosteiros e museus, de todo o mundo. Aqui
mesmo, no Brasil, se precisarmos analisar a temática cristã
na arte, teremos que, necessariamente, adentrar às principais
igrejas das metrópoles, maravilhando-nos com a perfeição
das formas, a riqueza dos detalhes e a consistência das cores.
Este é, primordialmente, o ponto de partida para nossa análise
da profissionalização da arte. Mas, antes que dela nos
ocupemos, façamos a seguinte admoestação: a que
tipo de arte espírita estamos nos referindo? Isto, é
claro, dentro da definição pontual de que "arte
espírita é aquela que transmite idéias, preceitos,
fundamentos, informações da filosofia espírita,
através das suas mais diversas formas de expressão (artística),
para expectadores, leitores, ou, até, consumidores".
Digo isto, porque há uma diferenciação específica
no tocante ao "uso" da arte. Já
explico: há arte espírita feita dentro das instituições
espíritas (e para elas), como mormente se costuma considerar
o trabalho (notável e oportuno) das secções de
educação espírita (das variadas faixas etárias),
que utilizam-se dos recursos artísticos para aprender/ensinar
os postulados espíritas. É (ou não) arte espírita?
Sem dúvida, porque os pressupostos básicos acham-se
atendidos (utilização de recursos artísticos
e transmissão de idéias espíritas).
Vamos, então, fazer um paralelo. Há, no Brasil, diversas
companhias ou grupos de teatro espíritas. Vez por outra, eles
visitam a sua cidade, geralmente apresentando esquetes ou peças
– as mais das vezes, adaptações de livros consagrados,
como os romances de Emmanuel, por exemplo. Apresentam-se, assim, nos
melhores teatros das cidades, cobram ingresso e atraem multidões
(entre espíritas, simpatizantes e curiosos). Fazem arte espírita?
Sem dúvida, porque novamente aqui, atendem aos requisitos estabelecidos
como fundamentais (vide parágrafo anterior).
Vejamos outro exemplo: a instituição espírita
gostaria de comemorar seu aniversário de fundação
ou o do mentor espiritual ou de um antigo trabalhador. Configura e
institui um concurso literário ou um de música-tema,
tendo como enfoque uma ou outra homenagem. Define-se, pois, os critérios,
organiza-se o trabalho do concurso, convidam-se os críticos
e julgadores, recebem-se os trabalhos, efetua-se o julgamento e realiza-se,
enfim, a cerimônia de premiação dos vencedores
e apresentação (ao público) dos trabalhos. É
arte espírita? Evidente. Novamente são notórias
as premissas daquela.
Haveriam, sem dúvida, outros exemplos, tão ricos quanto
estes. Mas, fiquemos por aqui.
No primeiro caso, quase sempre, a tônica é a do amadorismo.
São estudiosos, interessados, alguns até expoentes da
arte, em uma ou outra "modalidade", filiados
a este ou aquele grupo, ou, até mesmo, profissionais que militam
no campo artístico, mas que emprestam voluntariamente suas
horas livres a serviço da difusão da doutrina espírita,
participando, numa instituição, nas áreas que
são-lhe mais atrativas e propícias, como o caso da educação.
Nos dois outros, há uma maior ou menor profissionalização,
na medida em que, no exemplo da peça teatral, o grupo ou companhia
"vive disso", arregimenta pessoas capazes que credenciam-se
através de cursos, universidades, trabalhos e outros, passando
a buscar o sustento pessoal e de sua família, através
da profissão artista. No outro, o do concurso (literário
ou musical), geralmente são previstos prêmios (muitos
em dinheiro), ou, indiretamente, se garante a publicação
editorial ou a gravação (em estúdio) e a conseqüente
comercialização do(s) trabalho(s) musicais. Este atrativo,
inclusive, motiva artistas profissionais (nem todos espíritas
ou simpatizantes da doutrina) para criarem seus trabalhos dentro da
temática pedida, e, quase sempre, com excelentes resultados.
O leitor já deve ter percebido o real divisor de águas
que existe na digressão acima. Em determinadas situações,
temos a arte "amadora" e, nas demais, a
"profissional". Pelo visto, vamos aplicar
aqui o adágio "daí a César o que
é de César" para admitir que a "profissionalização"
da arte espírita obedece aos parâmetros de sua configuração,
em termos de objetivos e alcance. Qual o resultado que queremos? A
que público pretendemos cativar? Com que "espécies"
de propostas artísticas pretendemos "competir"
no mundo social? Qual o produto que pretendemos colocar no mercado?
Penso, efetivamente, que uma configuração de arte não
precisa, necessariamente, anular a outra. Entendo que há espaço,
lugar, e até "mercado" para ambas.
Há, inclusive, um comercial que vende "assinatura
de jornal" que oferece como "brinde" um compêndio
e um cd sobre a música popular brasileira, em que o fundo musical
aponta para "aqueles que têm fino gosto e apurada
percepção musical" (os que gostam da "boa"
música), e os que ainda se comprazem com "coisas"
como o "bonde do tigrão". Há
mercado para todos, ou, como costuma-se dizer nas plenárias
espíritas, a atração e o interesse por isto ou
aquilo é direcionado pelo padrão evolutivo-espiritual
de cada ser.
Devemos, então, continuar presenciando apresentações
e construções artísticas ainda majoritariamente
amadoras na execução, embora possamos estar diante de
virtuoses ou grandes valores expoentes das artes. O diferencial, em
nosso parecer, está na "estrutura"
da apresentação/veiculação e no público
que se almeja alcançar.
Fazendo um paralelo com outra área em que militamos –
a educação espírita infanto-juvenil – costumamos
apresentar o mesmo quadro comparativo: há as instituições
que "aceitam" o trabalho, mas nele não
investem "um centavo", nem dão o
apoio logístico e moral necessário para a melhoria da
atividade, e há as que procuram "colocar cada
macaco no seu galho", credenciando para a tarefa os
"especialistas", que não precisam
ser (ou nem sempre estão disponíveis) os pedagogos e
professores das escolas e universidades públicas e privadas,
mas são aqueles que demonstram um maior "feeling"
para a proposta, os quais, quase sempre, mesmo não graduados,
participam de cursos de formação/especialização/reciclagem,
espíritas e leigos, para um melhor desempenho de seus misteres.
Aqui, como lá, o limite se estabelece entre "profissionais"
e "amadores". E o resultado, caros amigos,
será proporcional ao conjunto de caracteres que dispensarmos
em seu projeto e execução. Em suma, se queremos uma
arte de qualidade, necessariamente teremos que destinar aos executores
um quantum de recursos e condições que possam desembocar
em resultados positivos. É a hora, efetivamente, de se deixar
de lado o proselitismo religioso e o espiritismo para dentro das nossas
paredes e muros, para apresentar à sociedade a proposta espírita
de visão do mundo, das relações interpessoais
e das ilações entre o plano dos vivos e o dos mortos.
Há, assim, – mesmo mobilizando recursos financeiros e
"premiando" financeiramente os profissionais
da arte (ou da educação) com salários compatíveis
aos de mercado, para propostas mais amplas, – que considerar
que o "daí de graça o que de graça
recebestes" não inviabiliza a permissão
de que aqueles que vivem da profissão arte ou da profissão
educação (pois há várias escolas "espíritas",
particulares, regiamente pagas, de norte a sul do país), possam
ser aquinhoados de acordo com o "suor de seus rostos".
Honestamente.
Esta é a nova (?) proposta da arte espírita para o nosso
tempo.
E, mais uma vez, se não nos "instruirmos"
para tal, e nos "amarmos" conforme a dicção
espírita, poderemos, uma vez mais, enquanto homens, estarmos
passando à frente o archote do conhecimento espiritual, para
que outra concepção filosófica ou revelação
divina, possa conduzir a contento a Humanidade. Porque nós,
uma vez mais, deixamos de lado "o trabalho que seria
nosso".
Viva a arte espírita!