Enquanto grande parte do mundo estava
envolto nas comemorações natalinas, entre sorrisos,
cumprimentos e presentes, uma nação chorava a dor da
destruição de cidades e a perda dos entes queridos.
Estimativas não-oficiais apontam para o desencarne em massa
de mais de 30 mil pessoas, sendo que mais de 100 mil pessoas perderam
suas casas, importando num dos maiores cataclismas que atingiram o
Irã, similar ao ocorrido em setembro de 1978.
Imagens televisivas, virtuais ou impressas nos mostram as tintas do
drama de nossos irmãos no Oriente Médio. A região
parece viver o seu maior martírio, pois o Irã, país
vizinho ao Iraque – recém destruído pela invasão
e guerra de George Bush – experimenta, agora, os reflexos da
catástrofe, recolhendo seus mortos, implorando auxílio
internacional para o socorro aos sobreviventes e a futura reconstrução
de casas, prédios, espaços e repartições
públicas.
A solidariedade fraternal do mundo fica explícita nas ações
de grupos estatais e não-governamentais que remetem remédios
e equipamentos clínicos, alimentos, água potável
e cobertores, em paralelo aos inúmeros voluntários das
cruzadas internacionais de saúde, que atendem às vítimas
em meio a temperaturas muito baixas, algumas abaixo de zero. Também
foram requisitados cães farejadores e aparelhos para detectar
pessoas sepultadas sob os escombros. É o digno exemplo de quem
se importa com o semelhante e faz o possível para minorar a
dor alheia.
A filosofia espírita, debruçando-se sobre o tema que
envolve os chamados desencarnes em massa, permite que entabulemos
a seguinte digressão: “[...] a destruição
é uma necessidade para a regeneração moral dos
Espíritos”, o teor do contido no quesito 737 de O
Livro dos Espíritos. Há, assim, três
núcleos semânticos no trecho achurado: destruição,
necessidade e regeneração moral. Analisemo-os.
Destruição importa necessariamente o aniquilamento da
vida material, a interrupção da atual experiência
reencarnatória. Há, segundo a cátedra espírita,
os desencarnes naturais, os provocados e os violentos, em um dos vértices
de análise conhecidos. Os naturais decorrem do esgotamento
dos órgãos (questões 68
e 154, do livro citado) e representam o encerramento “programado”
das existências corporais, segundo a lei de causa e efeito e
o planejamento encarnatório do ser. Os provocados resultam
da ação humana no espectro da criminalidade e da agressividade
(assassínio, atentados, guerras). Os violentos encampam a ocorrência
de catástrofes naturais (enchentes, terremotos, maremotos,
ciclones, erupções, desmoronamentos, entre outros).
Em razão do fato descrito no preâmbulo deste texto, o
qual motivou-nos a escrever sobre o assunto, ater-nos-emos apenas
aos chamados desencarnes violentos.
Em muitas das situações, o nexo causal entre a catástrofe
e a ação humana acha-se presente. Movido por interesses
mesquinhos e sem a adequada compreensão do conjunto (leia-se
a contemporânea preocupação com os ecossistemas,
a preservação do meio ambiente), os homens alteram a
composição geológica, com escavações,
desmatamentos, aterros e outros mais, e sua imprevidência acaba
gerando as ocorrências das mencionadas catástrofes “naturais”
(questão 741 de O Livro dos Espíritos).
Também podemos mencionar aqui a situação daqueles
que, migrando de suas cidades para os grandes centros, habitam os
morros, nas periferias das metrópoles, e, sem a mínima
infra-estrutura, ficam à mercê das primeiras enxurradas,
que levam seus barracos, que fazem desmoronar enormes pedras, vitimando,
não-raro, diversas pessoas. Há, aí, um misto
entre o evento natural e a ação humana, como causa direta
do evento fatal.
Nos casos em que subsistem várias vítimas, seja em pequena,
média ou grave dimensão, “[...] as faltas coletivamente
cometidas são expiadas solidariamente” (Obras
Póstumas, item Questões e Problemas),
o que nos remete à análise de que as almas ali reunidas
em desencarnes no mesmo momento temporal, possuem vínculos,
muitas vezes, datados de épocas anteriores, e a circunstância
de seu retorno à vida espiritual estava prevista pelo Ministério
Divino, em nível de resgate (veja-se,
a propósito, a questão 258 de O livro dos espíritos).
Todavia, necessário se torna
qualificar a condição daqueles que, por comportamentos
na atual existência, possam sublimar as provas, alterando para
melhor o planejamento vital, garantindo a ampliação
de sua permanência no orbe, redefinindo aspectos relativos à
reparação de faltas e à construção
e realização de novas oportunidades.
Num cenário altamente doloroso como o descrito nas preliminares
deste ensaio, como explicar a existência de milagrosos sobreviventes,
ante escombros, senão a condição de que tais
espíritos, ou não eram originariamente “devedores”
para encaixar-se no fatal resgate, ou conseguiram, com esforço
e mérito pessoais, inverter o ônus encarnatório,
credenciando-se à revisão de seu plano de vida, proporcionando
uma outra e posterior causa de retorno ao plano espiritual, em outro
momento mais oportuno.
A compreensão espírita, calcada no sério estudo
e na relação direta entre os fundamentos filosóficos
espíritas e o cotidiano do ser, na análise de tudo o
que lhe rodeia, permitem, assim, a desconsideração do
termo “fatalidade” como sendo algo relativo à desgraça,
ao destino imutável dos seres. O teor do contido
no quesito 851 do citado livro, tal fatalidade “[...] existe
unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta
ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, institui para si uma espécie
de destino, que é a conseqüência mesma da posição
em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois,
pelo que toca às provas morais e às tentações,
o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem
e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir.”
Neste sentido, a palavra destino também ganha um redesenho,
para representar, tão-somente, o mapa de probabilidades e ocorrências
da existência corporal, resultantes, em regra, das escolhas
e adequações realizadas no pré-reencarne, somadas
às atitudes e aos condicionantes do contexto encarnatório,
onde, com base no seu discernimento e no livre-arbítrio, continuará
o rol de decisões que levarão o ser aos caminhos diretamente
proporcionais àquelas, colocando-o, sempre, na condição
de primeiro e principal responsável por tudo o que lhe ocorra.
É verdadeiramente por isto que cognominamos o Espiritismo como
a “Doutrina da Responsabilidade”, porque se-nos permite
a análise criteriosa de nossa relação direta
com fatos e acontecimentos da vida (material e espiritual).
Ante eventos como a catástrofe no Irã, além da
possível ajuda material que possamos, daqui de longe, efetivar,
que nossas vibrações e preces possam alcançar
os espíritos socorristas, que encaminham as “vítimas”
do desencarne em massa, ao necessário e conseqüente despertar
no Novo Mundo. E que eles, despertos e recuperados das mazelas físico-espirituais,
possam compreender, novamente, que o curso da evolução
espiritual continua. Para eles, que voltaram e para todos nós,
que ainda aqui estagiamos.