A notícia do assassinato do presidente norte-americano Abraham
Lincoln, em 1865, levou 13 dias para cruzar o Atlântico e chegar
a Europa. A queda da Bolsa de Valores de Hong Kong (outubro-novembro/97),
levou 13 segundos para cair como um raio sobre São Paulo e
Tóquio, Nova York e Tel Aviv, Buenos Aires e Frankfurt. Eis,
ao vivo e em cores, a globalização."
Clóvis Rossi (do Conselho Editorial
da Folha de São Paulo)
Em nossos dias, são visíveis
as transformações do cenário social mundial.
Em termos individuais, há um componente peculiar e importante
chamado tempo. Evidentemente, o tempo interfere diretamente em nossas
vidas, porque ele condiciona o âmbito de nossos envolvimentos,
relacionamentos e atividades. Em termos físicos, o tempo é
o mesmo: a contagem dos segundos, minutos, horas, dias, meses, anos,
séculos e milênios continua baseada nos mesmos caracteres
e elementos. O que mudou, verdadeiramente, é a nossa forma
de "encarar" o tempo. A vida contemporânea tem outras
exigências, quando comparada com a lida de nossos antepassados,
e a marca das novas gerações, certamente, é a
pluralidade de ações e a necessidade de enquadrar, no
limite das horas de um dia, o conjunto de atividades obrigatórias
e preferenciais a que nos filiamos.
Um dos principais males do nosso tempo envolve a impotência
de "estar em todos os lugares ao mesmo tempo", ou de dar
cabo, satisfatoriamente, das inúmeras atribuições
que o indivíduo possui. Daí advém as angústias
e decepções, a depressão e outras doenças;
temos limitações e nem sempre sabemos até que
ponto podemos ir. A celeridade, a rapidez com que temos que nos desvencilhar
de tarefas e obrigações é, também, decorrência
de um fenômeno social: a Globalização.
Conceituada política e economicamente como a internacionalização
do capitalismo, a Globalização é um fenômeno
que atinge praticamente todo o planeta, marcada basicamente pela mundialização
da produção, da circulação e do consumo,
vale dizer, de todo o ciclo de reprodução do capital.
Surgiu como uma necessidade circunstancial, no relacionamento internacional,
qual seja a eliminação de barreiras entre as nações,
a fim de que o capital pudesse fluir sem obstáculos, com o
conseqüente enfraquecimento do poder político-administrativo
local dos Estados, no contexto mundial. Em suma, Globalização
ou Mundialização. é a diminuição
(redução) ou eliminação dos limites, das
fronteiras, das barreiras, compreendendo cinco etapas seqüenciais:
1) estabelecimento de uma zona de livre comércio, favorecendo
a aproximação entre os diferentes mercados; 2) consolidação
da união aduaneira, com a redução ao mínimo
(zero, idealmente), os impostos aplicados sobre bens e serviços
estrangeiros; 3) formação de um mercado comum, calcado
na isonomia de regras para todos os produtos; 4) definição
da união monetária, resultando na utilização,
por diversos Estados, de um mesmo padrão de moeda (exemplo
do euro, na união européia); e, 5) união política,
calcada na redução (eliminação) dos poderes
locais antes existentes, em face de um redesenho da organização
político-estatal.
A Massificação, por sua vez, compreende a aglomeração
de coletividades humanas (massas) em certo nível, resultando,
mais cedo ou mais tarde, no desaparecimento da individualidade humana.
É, pois, a desconsideração da pessoa humana,
o ser inteligente, suas crenças, opiniões, vontades
e direitos. Assim, em termos sociais, importa o conjunto, e, neste
sentido, os valores do "homem médio", desconsiderando-se
os diferentes, as minorias, aqueles que tenham posicionamentos/interesses
distintos daquilo que é considerado padrão, em dado
contexto. Também a psicologia entende a Massificação
como o processo pelo qual o indivíduo passa a pertencer à
massa, desligando-se de si mesmo.
Os efeitos da Globalização
nas Sociedades.
Costumamos dizer, na Universidade, que "todas as coisas são
neutras em sua essência", isto é, de modo absoluto
não há o Bem e o Mal, enquanto realidades ou locais
circunscritos. Daí resulta a interpretação espírita
de que Céu e Inferno não são
lugares geográficos, mas estados de consciência.
O mesmo objeto pode ser utilizado positiva ou negativamente, ou seja,
o uso das coisas é que distingue as mesmas em relação
ao resultado (proveito ou dano, benefício ou malefício).
O exemplo clássico é o maior invento do brasileiro Alberto
Santos Dumont, o "mais leve que o ar", o avião, que,
concebido para ser um meio de transporte, com indizíveis benefícios
no sentido de aproximar as distâncias entre as pessoas e reduzir
o tempo de deslocamento entre localidades distintas, culminou por
ser utilizado pelos governantes militares como um instrumento para
a guerra, a destruição, a dominação e
o sofrimento.
Em linhas gerais, tem-se que a Globalização propiciou
melhorias na vida mundial, justamente porque se investiu na eliminação
das "distâncias" entre mercados e contingentes populacionais,
gerando, por exemplo, o aumento de oportunidades de emprego e o acesso
ao conhecimento. Todavia, em paralelo, fez crescer as desigualdades
sociais e os índices de pobreza em muitos países, porque
seus efeitos não são uniformes para todos os países:
uns ganham muito, outros ganham menos, e outros perdem. Na prática,
existem menores custos de produção e maior tecnologia,
mas a mão-de-obra menos qualificada é sempre descartada.
Deste modo, como os benefícios da globalização
não são sentidos ou compartilhados eqüitativamente
pelas diferentes pessoas, isto gerou o aumento considerável
do número de pessoas que vivem à margem do processo
(em fenômenos ou realidades como a favelização,
o não-acesso a programas de saúde, educação,
saneamento, o desemprego e a exclusão social).
Neste ensaio, escolhemos alguns temas para enfocar os aspectos positivos
e negativos da Globalização: Comunicação,
Cultura, Direito e Evolução Social.
Globalização da Comunicação.
Estamos, certamente, vivendo o tempo da instantaneidade da informação.
Como destacado no preâmbulo deste artigo, as notícias
praticamente estão disponíveis em tempo real, no exato
momento em que as agências e os meios de comunicação
estejam cobrindo os eventos ou fatos, transmitindo ao vivo para o
mundo todo. A conectividade, assim, propicia, a princípio,
o acesso incondicional e democratização das informações.
Também tem-se uma considerável ampliação
do universo do conhecimento humano - individual e social - através
da internet e da mídia. Há cerca de duas décadas,
um trabalho ou pesquisa escolar, por exemplo, demorava semanas e envolvia
o exame físico dos livros nas bibliotecas, a reprodução
xerográfica dos documentos, a redação (manual
ou datilográfica) dos textos, a montagem e a entrega para o
professor. Hoje, com muito mais facilidade, os textos estão
"ao alcance de um toque", em sítios virtuais, levando
à redução do tempo e outras facilidades para
a apresentação do resultado final.
O grande desafio ou risco da Globalização na Comunicação
é, no nosso entender, a monopolização
da informação, isto é, a utilização
tendenciosa da notícia para influir na opinião pública.
Temos exemplos vários para ilustrar este problema. O maior
deles, sem dúvida, é o pânico generalizado resultante
dos atentados de 11 de setembro de 2001, que provocaram atitudes de
aversão à diversidade cultural e ao pluralismo étnico,
uma nova onda de "colonização", com as ações
de invasão, bombardeio e tomada do poder em países considerados
"ameaças" ao mundo. Tudo isto, em função
de uma determinada ideologia, resultante de ideais e ideologias peculiares
a uma dada potência estatal mundial, os Estados Unidos da América.
De outro lado, em face da existência de grandes conglomerados
financeiros, que são proprietários de empresas de jornalismo,
ocorre a chamada filtragem de dados e notícias, publicando
"somente o que interessa". O reflexo final deste processo
é, claramente, a redução da cidadania, pela imposição
das idéias daquele grupo como verdadeiras e oportunas, reduzindo
o espectro de avaliação, discernimento e escolha de
cada indivíduo.
Globalização da Cultura.
De modo visível, a Globalização também
proporcionou um maior acesso à cultura, justamente pela popularização
dos meios de acesso aos elementos culturais. Hoje é possível,
por exemplo, "visitar" museus sem sair de casa, graças
ao aparato de câmeras em endereços disponíveis
na rede mundial de computadores. O acervo bibliográfico de
pensadores do passado e do presente, igualmente, está disponível
para acesso, leitura e cópia, em variados sítios. Gêneros,
estilos, variações, trabalhos e produções
literárias, cenográficas, musicais, teatrais, entre
outras, passaram a ser disponibilizadas para pessoas nos cinco continentes,
graças aos investimentos financeiros na cultura de massa, muitos
dos quais decorrentes de patrocínios e investimentos - estatais
e privados - estes últimos com inegáveis vantagens tributárias.
Vivemos, pois, a era do Pluralismo Cultural.
Os riscos, entretanto, podem ser visualizados quanto à imposição
(nem sempre visível) de limites à diversidade cultural,
seja pela "eleição" do que apresentar ou patrocinar,
por parte dos Estados ou grandes empresas, quanto pelo empobrecimento
dos gêneros, para valorizar "o que o povo gosta",
e, neste aspecto, às vezes, nivelando "por baixo"
as opções disponíveis. Isto sem falar, ainda,
no âmbito televisivo, musical ou teatral, as chamadas "mensagens
subliminares", contidas em falas, esquetes, enredos (de novelas
ou filmes), que direcionam o telespectador, o ouvinte ou o público
presente, que passa a pensar de idêntica maneira, com inevitável
direcionamento.
Globalização do Direito
Embora existam diferenças particulares entre os sistemas jurídicos
vigentes nos Estados disseminados pela Terra, de maneira geral, na
esteira do tempo, as conquistas jurídicas de certas nações
são transmitidas para outras, resultando, não-raro,
na influenciação de regimes jurídicos mais avançados
sobre outros mais primitivos (direito comparado). De outra sorte,
há diplomas legais internacionais, que têm efeitos sobre
os países que aderem aos protocolos, acordos e convenções,
fazendo com que as regras de respeito aos direitos (individuais e
coletivos) sejam internacionalizadas. O reflexo, direto, mas nem sempre
imediato, é a evolução dos sistemas normativos
e processuais e o despertamento da consciência cívica
e política dos cidadãos de dado Estado.
Como riscos, tem-se a padronização de procedimentos
(aquilo que é importante e necessário em dada Sociedade,
pode não ser relevante em outra), a importação
de "modelos" alienígenas, como "tábua
de salvação" para os problemas locais, gerando,
por certo, dificuldades ainda maiores, em razão da falta de
sinergia entre problema e alternativa de solução. Isto
sem falar na disseminação das chamadas ideologias jurídicas
dominantes, que colocam o jurídico a serviço do capital
econômico.
Globalização e Evolução
Social
É fato que a Globalização produziu como efeito
sócio-econômico um maior alcance das pessoas à
variedade de bens e serviços produzidos no mundo todo. Também
resultou na competitividade entre as empresas e, em muitos casos,
na melhoria da qualidade daquilo que é oferecido ao público
consumidor, bem como a diversificação do trabalho, em
face da necessidade de novas habilidades e competências e da
especialização da mão-de-obra.
Como riscos, tem-se a departamentalização do conhecimento,
que faz com que os profissionais do presente saibam muito de certos
temas, mas sejam impotentes para a resolução de problemas
relacionados a assuntos paralelos. Os médicos cuidam de áreas
cada vez mais diversificadas, os advogados se especializam apenas
em certas ações, resultando na dependência entre
as sub-áreas do conhecimento técnico ou profissional.
Também podemos falar na concentração de renda
nas mãos de poucos, a padronização limitada pela
média (em face da uniformização, ou do estabelecimento
de padrões standards, ou modelos básicos), vinculando
os requisitos de comparação apenas aos preços.
Para garantir o acesso a determinados mercados, também, criam-se
dadas certificações "artificiais" ou "compradas",
para valorizar certos produtos em detrimento de outros, embora se
reconheça, em muitos casos, a necessidade da definição
de parâmetros para a melhoria dos níveis e da qualificação
de bens ou serviços. Enfim, há, ainda, o desprezo aos
padrões locais (gostos, cultura, preferências), que sucumbem
ante a padronização "imposta" pela Globalização,
e a existência dos chamados "vazios" (zonas territoriais
ainda sem acesso à globalização).
A Massificação como instrumento
de dominação
Cumpre salientar, inicialmente, que a Massificação (ou
a "sociedade de massa") é um conceito surgido a partir
da Revolução Industrial, caracterizada pela agregação
do trabalho em máquinas ao humano e a importância das
fábricas ou indústrias nesse contexto. A reunião
dos indivíduos em grupos (massas) evidenciou uma relevante
transformação da Sociedade e, neste particular, no âmbito
da tutela e do reconhecimento de direitos, passando a enquadrar, de
modo mais preciso, as relações jurídicas derivadas
do trabalho, do consumo, ou relacionadas à saúde, educação,
meio-ambiente, transporte, moradia, segurança, entre muitos
outros. A reunião dos beneficiários, signatários
ou interessados em dado(s) direito(s), em grupos - e, não mais,
isoladamente - em muitos casos, resultou no fortalecimento da defesa
de interesses coletivos, o que deve ser enaltecido.
Mas, para os objetivos deste ensaio, é imperioso aquilatar
os efeitos negativos da massificação, conforme já
salientado nas primeiras linhas, enquadrando a anulação
da individualidade em face da consideração (exclusiva)
do todo. Em realidade, a Massificação tem provocado
conseqüências negativas e danosas para a Humanidade, sobretudo
em relação às chamadas minorias ou, até
mesmo, desprezando-se o quantitativo populacional, os interesses de
inúmeras pessoas. Modernamente, a maior delas, sem dúvida,
é o sentimento de xenofobia, calcado na tentativa de eliminação
dos diferentes ou no ajustamento destes a determinados padrões
de conduta.
Quando se desprezam os valores particulares de determinados indivíduos
e povos, o reflexo imediato é o desaparecimento da cultura
e dos diferenciais étnicos e culturais de dada coletividade.
Mesmo que a justificativa fosse propiciar melhores condições
econômicas para dada região ou grupo, tal não
poderia, nunca, representar a imposição de condutas
ou a submissão às regras prefixadas por outros países
ou blocos. O fato é que as nações mais pobres,
em sua maioria, continuam com seus níveis de miséria
e suas dificuldades, e, em linhas gerais, "o que é dado
com uma mão, é retirado com a outra". Há,
ainda, nações coloniais, que dependem fundamentalmente
de outras, ampliando os níveis de massificação
e dominação, substituindo-se o parâmetro político
pelo econômico.
Um dos efeitos mais perigosos da massificação é,
justamente, a alienação das pessoas, o afastamento destas
do cenário da decisão daquilo que realmente é
importante para suas vidas. Pela falta de educação,
conscientização e espírito cívico (cidadania),
as pessoas abdicam de suas vozes e direitos, deixando, muitas vezes,
que outros decidam em seu nome, culminando em prejuízos como
o isolamento, a discriminação e os abusos de todo o
gênero.
Mesmo fazendo parte de um mesmo "contexto", engajados em
dados grupos sociais (família, escola, trabalho, eleitores,
consumidores, telespectadores, etc.), não podemos nos abster
de nossa individualidade e da capacidade de discernimento e decisão
sobre aquilo que nos interessa. Sendo espíritos, não
podemos atribuir aos outros o exercício da liberdade de agir
e de escolher, porque a responsabilidade maior é nossa. A passividade
ou a omissão será, por isso mesmo, uma opção
nossa, cujos reflexos (reações) teremos de vivenciar.
Se, em algumas situações, é necessário
respeitar as decisões coletivas, isto não significa
a anulação completa de nossos posicionamentos, valores
ou direitos, pelo contrário, deve significar que, a par da
massificação existente, nós continuamos (e continuaremos)
a ser nós mesmos, sempre. Cada um há de crescer, individualmente,
por si mesmo, e, em crescendo, colaborar decisivamente na melhoria
do conjunto. Tal é a lei evolutiva, que preside os padrões
existentes neste e em outros orbes do Universo.
Considerações Finais.
O pecado da Globalização reside na distribuição
irregular dos benefícios por ela gerados, os quais, supostamente,
são elencados como a transferência de tecnologia dos
países centrais aos periféricos, a mundialização
do conhecimento, a eliminação de barreiras e a disponibilização
para o mundo inteiro dos itens de primeira linha em termos de qualidade
de vida e bem estar social.
Vivemos sob a égide do primado da competência, que exige
que cada indivíduo seja o melhor em tudo, sempre. Daí
advém as principais angústias e decepções,
bem como os fracassos e as fugas que o ser procura, recorrendo a artifícios
como as drogas.
Em termos de Globalização e Massificação,
imperioso é não perder o foco, qual seja o de participar
no mundo, sem descurar da própria individualidade. E, nos envolvimentos
com os demais, respeitar os "diferentes", sem exclusões
de qualquer espécie. Se é certo que ainda estamos nos
primeiros degraus da escalada evolutiva, próximos aos níveis
iniciais de progressão, a cada passo devemos zelar pela conexão
entre os propósitos da vida material com os objetivos espirituais
da vida. Mais uma vez insistimos que o problema não é
exterior, não é algo absoluto, que esteja localizado
em dado ambiente, ou seja, característico de certo objeto.
Neste sentido, cremos firmemente que as idéias (neutras) da
Globalização e da Massificação possam
produzir efeitos positivos, conforme o bom uso de nossos atributos
intelectuais em favor da melhor e correta visualização
da vida, de nós mesmos, dos semelhantes. Que o conhecimento
espírita, assim, nos propicie o enquadramento de melhores atitudes,
palavras e pensamentos, para que possamos contribuir decisivamente
na melhora da ambiência planetária.