Recentemente, em nossa cidade - São José (SC) - seis
crianças que brincavam num pedalinho, morreram afogadas, pois
o brinquedo afundou em um lago. O fato comoveu os moradores da região
e sensibilizou a opinião pública catarinense. A ocorrência
pode ser interpretada à luz da filosofia espírita, tanto
no sentido de consolo e esclarecimento, quanto em sede de orientação
para o futuro.
As vítimas - três meninos e três meninas, entre
10 e 14 anos - haviam entrado clandestinamente em uma propriedade
particular para brincar em um pedalinho, sem autorização
ou ciência dos pais. No horário do acidente, os pais
estavam trabalhando e alguns não sabiam que os filhos costumavam
brincar naquele local. O lago tinha a profundidade variável
entre 1,80 e 2,00 metros, consistindo em praticamente a única
opção de lazer da criançada pobre do bairro.
O local é cercado por muitas casas, inclusive da família
proprietária da área, conhecida como antigo "Sítio
do Becker". O pedalinho, segundo os proprietários do sítio,
estava desativado e ficava escondido no meio de um bambuzal às
margens do lago, mas as crianças, com sua curiosidade peculiar,
já haviam descoberto o brinquedo, tendo sido "expulsos"
do local, pelo caseiro, em oportunidades anteriores. A propriedade,
ainda, estava totalmente cercada por telas e arame farpado, providência
que, nesse caso, não foi suficiente para evitar a tragédia.
Lamentavelmente, as seis crianças/adolescentes subiram no pedalinho,
que não suportou o peso (já que foi concebido para,
no máximo três pessoas) e, também, por seu estado
precário (contava vinte e seis anos desde seu fabrico), afundou,
ocasionando o falecimento, por asfixia decorrente de afogamento das
mesmas.
Segundo dados estatísticos, os afogamentos infantis representam
um desafio para as autoridades públicas de todo o país,
importando em 12% dos casos de internações hospitalares
de crianças e adolescentes, conforme informa o Ministério
da Saúde. Em Santa Catarina, no ano de 2005, foram registradas
34 ocorrências envolvendo crianças. A esmagadora maioria
dos trabalhos de busca e salvamento não foi bem-sucedida em
seus resultados, sendo que 26 casos resultaram em morte de crianças
ou adolescentes.
Tragédias e desencarnes coletivos são assuntos que assustam
e intimidam muita gente. As pessoas em geral são receosas em
sequer aventar a hipótese de ter que enfrentar uma situação
que envolva tais circunstâncias. Quando os mesmos ocorrem, o
imaginário e a cultura popular apontam, geralmente, para a
fatalidade, o azar ou, até, o castigo. Em diversos casos, parentes
e amigos mais próximos carregam, por toda a vida, a culpa ou
o remorso, por terem "deixado o fato ocorrer", ou por não
terem exercido a vigilância, com o cuidado e o zelo exigíveis.
Sob a ótica espírita, no entanto, não há
"fatalidade", muito menos "acaso". Os homens -
espíritos encarnados - não são, amiúde,
vítimas das contingências, do imponderável, das
entidades sobrenaturais. Tudo, na Natureza, acha-se encadeado, e sujeito
à aplicabilidade das Leis Universais, perfeitas, eternas e
imutáveis. O acidente, tratado nas obras básicas espíritas,
sobretudo em O Evangelho segundo o Espiritismo como "escândalo",
decorre, necessariamente, da Lei de Causa e Efeito, que tem em cada
Espírito os pontos de partida e chegada. Não há,
assim, espaço para considerar quem quer que seja como "vítima
do destino", ou "inocente útil" nos eventos
que porventura resultem em infortúnios, perdas ou sofrimentos.
Cada um de nós tem uma bagagem espiritual que concilia o aprendizado
da atual existência com o das anteriores, tudo sopesando, e
desembocando, em essência, no progresso individual de cada Espírito.
Há, em verdade, circunstâncias relacionadas a expiações
(resgates) de existências anteriores, que condicionam a possibilidade
de ocorrência de determinados fatos presentes, bem como existem
as provações que simbolizam o comprometimento espiritual
na resistência às dificuldades e na experimentação
de fatos e situações para cotejar o quanto já
progredimos.
No que concerne ao caso que nos motivou a escrever este ensaio, envolvendo
a desencarnação coletiva de seis crianças, pode-se
dizer, com anteparo nos conceitos filosóficos espíritas,
que as vítimas (embora ainda na idade infanto-juvenil) agiram
com base na liberdade (livre-arbítrio) e assumiram o risco
do resultado. Há, pois, uma relação direta entre
o ato de escolher uma brincadeira perigosa (causa) – já
que, pelo que consta, nenhum deles sabia nadar e o lago possuía
uma profundidade bastante superior à altura física das
vítimas – e o resultado, a morte por afogamento (efeito).
Não há espaço para defender que a pouca idade
dos adolescentes possa ser um atenuante da responsabilidade (das vítimas
e de seus pais ou responsáveis legais), porque o espírito
tem a bagagem de diversas existências (ninguém está
em suas encarnações iniciais) e até a idade de
sete anos, completa-se o período de adaptação
e de “ambientação” do Espírito para
uma nova existência. Sem querer acusar ninguém como "culpado",
mas, sim, atestar o caráter de efetiva participação
dos Espíritos (ainda em tenra idade) na consecução
do resultado.
Retornando ao mundo espiritual, após relativo tempo de adaptação
à nova realidade - e tratamento, por certo, com os cuidados
afetos a todo aquele que abrevia sua existência, e desencarna
de modo acidental ou violento - cada um destes jovens poderá,
em breve, dispor-se a nova experiência encarnatória,
para resgatar sofrimentos e provar novas situações.
Uma peculiar certeza anima-nos a todos: a continuidade da vida, a
programação de novas oportunidades, e o aproveitamento
de todas as situações, graças à magnitude
das Leis Divinas (ou Espirituais) que permitem o refazimento, a recomposição
e a renovação espiritual, tantas quantas sejam as vezes
necessárias para a nossa Evolução. Viver, assim,
é um axioma lógico e conseqüente: todos aprendemos.
Sem vítimas, nem culpados, apenas reponsáveis.