Neste novo milênio, mais especificamente na segunda metade
de sua primeira década, nós espíritas podemos
auspiciosamente sorrir. Explico: a união entre
os espíritas começa a caminhar. É
fato que ainda timidamente, mas o processo iniciou-se em várias
regiões do nosso país.
Dentre várias cidades que caminham nessa bendita direção,
tive a feliz oportunidade de conhecer uma delas que é um
caso exemplar de união entre espíritas. Um modelo
a ser seguido. O objetivo principal deste texto é aproveitar
da experiência desse grupo de casas espíritas que
se uniu, para passar ao leitor os procedimentos que foram adotados
para que tal evento ocorresse. Mas antes de falar sobre estes
procedimentos vejamos algumas considerações.
POR QUE A UNIÃO ENTRE AS CASAS ESPÍRITAS
É NECESSÁRIA? Sem nunca nos esquecermos
de que em "O Livro dos Médiuns" (capítulo
26, item 292, questão 22), Kardec nos esclarece de que
o objetivo essencial e exclusivo do Espiritismo é nosso
particular desenvolvimento espiritual, por outro lado o próprio
mestre de Lion reforça que o Espiritismo tem como um dos
seus mais importantes objetivos cooperar na formação
de uma nova sociedade terrena. Em sintonia com esta abrangente
proposta, é vital que façamos um questionamento
a nós mesmos: Como ajudar na formação de
uma nova sociedade, se uma de nossas marcantes e inadequadas características
é falarmos para nós mesmos?
Reflitamos:
Fora do nosso meio, somos atuantes na divulgação
espírita?
Temos programas de TV nos principais canais abertos do país?
Temos programas de Rádio nas principais emissoras comerciais?
Vê-se hoje colunas espíritas nos jornais de maior
divulgação do país?
Sabemos que as respostas às questões acima não
são alentadoras. No entanto, as reflexões que delas
brotam nos levam a encontrar a resposta à pergunta “Por
que a união entre as casas espíritas é necessária?“:
podemos deduzir que, além do exercício da fraternidade
que a união enseja, que é o seu efeito mais importante,
ela – a união – propiciará as condições
materiais, isto é, os recursos financeiros para investirmos
na divulgação do Espiritismo ao grande público
não-espírita, contribuindo, então, para a
formação de uma nova sociedade. Daí
a importância da união.
Uma importante observação:
Para que nós espíritas não nos coloquemos
como os únicos artífices do embasamento de uma futura
sociedade justa e mais espiritualizada, transcrevo lúcida
opinião do confrade Cezar Braga Said (Revista Reformador/
novembro/ 2006, Editora Federação Espírita
Brasileira, página 18). Em seu comentário, que abaixo
transcrevo, o citado articulista tem como foco nossa mudança
interior, que é o primeiro e fundamental passo para a formação
de uma nova sociedade, haja vista que não há como
chegarmos a uma sociedade onde todos convivam em paz, se esta
– a paz – não reinar em nosso interior.
Diz Cezar Said: “Admitir
o Espiritismo como caminho único para conquista da paz
interior é assumir uma postura nitidamente fundamentalista
e contrária à opinião dos Espíritos
Superiores”. Nosso companheiro Cezar Said expõe em
seu artigo a fonte que avaliza seu comentário, Allan Kardec,
conforme afirmação do insigne Codificador na nota
à questão 982 de "O Livro dos Espíritos":
“O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência
e resignação, afasta-o dos atos que possam retardar-lhe
a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não
possa ela ser conseguida”.
Portanto, para que cada vez mais tenhamos consciência de
que, além do Espiritismo, outras religiões e filosofias
irão formar pares para atingirmos a almejada chegada do
Mundo de Regeneração, trabalhemos a união
entre nós espíritas... com humildade.
O QUE RETARDA A UNIÃO?
O que ainda retarda o avanço desse processo de União
- que felizmente começou - são duas essenciais atitudes
ainda vigentes em expressiva parcela de nossas casas espíritas:
o personalismo e o dogmatismo.
No livro "Unidos Pelo Amor", Editora Dufaux, psicografia
de Wanderley Soares de Oliveira, o eminente irmão maior
Bezerra de Menezes no alerta e nos orienta: “Criatividade
e desapego são credencias de luz ante as lufadas do dogmatismo
e do personalismo”. De forma clara e inequívoca,
o benfeitor Bezerra de Menezes diz que se formos criativos e desapegados,
a tendência natural será o fim do personalismo e
do dogmatismo ainda reinante em nosso meio e que, repetindo e
reforçando, tanto retarda nossa união.
UM MODELO A SER SEGUIDO
No ano de 2006, visitando uma das cidades do querido estado de
Minas Gerais, deparei-me com um grupo de espíritas que
conseguiu unir acima de 95% das casas e da liderança espírita
daquela região (100% seria a perfeição!).
Interessei-me em estudar o porquê daquela cidade ter conseguido
este intento tão almejado por todos nós. E descobri
uma feliz “coincidência”. Seus líderes
exerceram o desapego e a criatividade, procedimentos estes citados
por Bezerra de Menezes como os instrumentos para abolir o personalismo
e o dogmatismo.
Friso que na cidade a que me refiro, não só a união
entre os espíritas se faz presente, mas também o
ecumenismo. Sobre o ecumenismo, ocorre até de oradores
espíritas serem convidados por líderes de outras
religiões a proferirem palestras em suas comunidades. Religiosos
estes adeptos de religiões que, em muitas outras cidades,
seus líderes são fortes e agressivos combatentes
do Espiritismo.
Perdoe-me, caro leitor, em não lhe satisfazer sua natural
curiosidade: “que cidade é esta?”. Creio que
mais importante do que citar o nome da cidade, é passar
as lições a serem aprendidas por todos nós.
Mas para efeito de facilitar a leitura deste texto, irei batizá-la
de cidade visitada.
DESAPEGO
E CRIATIVIDADE, EIS OS INSTRUMENTOS DA UNIÃO E DO ECUMENISMO
- Aprendamos como a união
ocorreu na cidade visitada: seus líderes espíritas
observaram que cada centro espírita tinha diversas atividades,
no entanto cada um deles se destacava principalmente em uma dessas
atividades. Explicando melhor, o centro espírita “A”
ofertava Educação espírita infantil, campanha
do quilo, atendimento aos idosos etc, mas a eficácia e
os bons resultados estavam mais presentes na Educação
espírita infantil; por outro lado o centro espírita
“B” oferecia todas as atividades citadas, mas a eficácia
e os bons resultados estavam mais presentes na campanha do quilo.
E assim sucessivamente.
Em face da realidade descrita, o que fizeram os líderes
espíritas da cidade visitada? Eles chegaram a um acordo,
que relato a seguir. Quando o centro espírita “B”,
que melhor trabalha a campanha do quilo, fosse angariar alimentos
para esta atividade, todos os demais centros espíritas
se uniriam para cooperar com o centro espírita “B”;
quando o centro espírita “A”, que melhor trabalha
a Educação espírita infantil, ofertasse essa
atividade, todos os demais centros espíritas se uniriam
para levar as crianças ao centro espírita “A”.
Caro leitor, pergunto-lhe: que nome melhor define este procedimento
dos centros espíritas? Pense um pouco e chegará
a conclusão que a palavra certa é desapego.
Em vez dos diversos centros espíritas ofertarem “tudo”
à comunidade, exerceram a criatividade e o desapego. Passaram
várias atividades para os outros centros espíritas,
e ficaram apenas com aquela atividade em que fossem os melhores.
Simples, não? Simples, sim, mas muito difícil de
praticar, se não exercermos o desapego.
Caro leitor, aparentemente saindo do nosso tema, você sabia
que, o motor de um carro Ford (por exemplo) tem componentes de
mais de cem fornecedores diferentes? Mas, por que esta atitude
da Ford? Bem, se a Ford quisesse construir um motor com componentes
fabricados por ela mesma, certamente o motor não teria
a imprescindível alta qualidade, pois é impossível
ser especialista em tudo.
O que faz então a Ford? Ela adquire o carburador da empresa
que melhor o fabrica; as velas da empresa que melhor o fabrica;
os pistões da empresa que melhor os fabricam etc, e através
da união harmônica de diversos especialistas, chega
a expressivo resultado final.
Percebeu, caro leitor, que em relação à união
das casas espíritas, o exemplo acima da Ford (ou de qualquer
outra empresa) foi o procedimento que a cidade visitada adotou
em relação à união espírita?
Por que não adotarmos esta estratégia? Isto é:
1 - Por que não nos desapegarmos de tantas atividades que
ofertamos?
2 - Por que não nos reunirmos inicialmente com dois ou
três líderes espíritas de nossa região
e propormos a estratégia adotada pela cidade visitada?
Atenção: Não nos iludamos. Não pensemos
que num primeiro momento seja possível adotar esta estratégia
entre todos os centros espíritas de nossa região.
Se conversarmos fraternalmente com dez centros espíritas
de nossa região divulgando a proposta, e apenas três
aderirem ao projeto, ótimo. O importante é começar.
As adesões de outros centros espíritas tenderão
a vir com o tempo.
UNIÃO NO MEIO ESPÍRITA É “CONSEQÜÊNCIA”
- Propagar que nós espíritas “precisamos nos
unir” é a forma mais inadequada de conseguirmos efetivamente
a união. E, infelizmente isto é o que mais fazemos.
Ao contrário do que pode parecer, deixo claro que não
podemos ser contrários aos discursos que propagam a importância
da união, pois tudo começa no discurso. Tanto é
que nosso amado Bezerra de Menezes tem nos brindado com belíssimos
e diversos discursos sobre este tema. Certamente o discurso é
o importante primeiro passo na concretização da
união. Quando no parágrafo anterior afirmei que
a forma mais inadequada de conseguirmos efetivamente a união
é propagar que nós espíritas “precisamos
nos unir”, quis dizer que este tipo de discurso perde o
sentido quando chega aquele momento em que efetivamente nos dispomos
a sair da idealização, a sairmos do “sonho”,
isto é, quando chega aquele momento em que realmente queremos
“fazer acontecer” a união. Quando este sagrado
momento chegar, é preciso que mudemos nosso discurso, conforme
a sugestão a seguir:
De: Precisamos vivenciar a união no meio espírita.
Para: Precisamos praticar duas principais atitudes em relação
à nossa convivência com as outras casas espíritas:
exercitar a tolerância entre a liderança e termos
projetos comuns.
Se formos tolerantes no nosso meio espírita e tivermos
projetos comuns, a tão almejada união será
simples e natural conseqüência!
Portanto, a receita é:
Primeiro - Exercer a tolerância entre a liderança
espírita;
Segundo - Termos projetos comuns entre diferentes casas espíritas;
Através do exercício da criatividade e do desapego,
a cidade visitada é exemplo de prática e vivência
dos dois itens logo acima. E com isto conseguiu a união
entre as casas espíritas!
Atenção: Comentei sobre um modelo
de união espírita que deu certo, isto não
quer dizer que este seja único. Certamente há muitas
outras formas de conseguirmos a união no meio espírita,
mas, qualquer que seja o modelo que adotemos, uma qualidade sempre
será necessária: o exercício da tolerância!
ADENDO: O foco de todo o texto acima foi “como
conseguirmos a união das casas espíritas”,
mas não podemos deixar de comentar como a cidade visitada
também conseguiu implantar o Ecumenismo. Isto é,
como as diversas religiões daquela cidade passaram a conviver
de forma harmônica.
Se a criatividade e o desapego foram fundamentais
para acontecer a união entre os espíritas da citada
em referência, a criatividade foi essencial para
a vivência do ecumenismo.
Relato a seguir como tal intento concretizou-se:
Tornou-se tradição na cidade visitada um evento
ecumênico anual patrocinado pelo movimento espírita.
Os líderes de diversas religiões, e toda a comunidade,
são convidados a participarem desse evento, onde há
deliciosos chás e biscoitos. Como, além do objetivo
ecumênico, este evento visa arrecadar recursos para obras
assistenciais, cada participante contribui com determinado valor
monetário. Além dos chás e biscoitos são
apresentados conjuntos musicais espíritas que, não
só energizam favoravelmente o ambiente, como também
mostram aos não-espíritas que as músicas
espíritas têm muita sintonia com os preceitos das
demais religiões, falam sobre Jesus, e não sobre
galinha preta; falam sobre amor, e não sobre como “amarrar”
o inimigo para conseguir objetivos escusos...
Mas vejo que um dos pontos altos do evento, é uma palestra
proferida por um orador espírita convidado. Esta palestra
trata de temas pertinentes com o desenvolvimento espiritual, no
entanto, em respeito aos líderes e aos adeptos de outras
religiões presentes no evento, nada se comenta sobre o
Espiritismo. Nesta palestra os integrantes das demais religiões
sabem que o orador é espírita. Na apresentação
do orador é mencionado o fato dele ser espírita.
Durante o transcorrer da palestra, os ouvintes não-espíritas
percebem que ele profere nomes e termos que também estão
presentes em sua igreja ou instituição religiosa,
como “Jesus”, “Deus”, “amor”,
“afetividade”, e outros. Com esta forma do orador
desenvolver o tema da palestra, acaba o estigma de que Espiritismo
é coisa de demônio ou tem a ver com galinha preta
na esquina. Vencido este preconceito, o Ecumenismo tende a passar
a ser realidade, que foi o que ocorreu na cidade visitada.
Com este evento anual a cidade visitada conseguiu mostrar à
comunidade não-espírita a singeleza, o espírito
fraterno, as bases sólidas e a racionalidade do Espiritismo.
E conforme Kardec explica logo a seguir, a melhor forma de eliminar
os críticos do Espiritismo é através de sua
divulgação: “Uma publicidade, numa larga escala,
feita nos jornais mais divulgados, levaria ao mundo inteiro, e
até aos lugares mais recuados, o conhecimento das idéias
espíritas, faria nascer o desejo de aprofundá-los,
e, multiplicando os adeptos, imporia silêncio aos detratores
que logo deveriam ceder diante do ascendente da opinião”
- (Obras Póstumas, Projeto 1868)”. No caso, por meio
do seu evento anual os líderes espíritas da cidade
visitada divulgam o Espiritismo de forma discreta e eficaz, e
com isto ao mesmo tempo em que estimulam o desaparecimento dos
seus detratores, incentivam a pratica do ecumenismo.
Finalizando, um outro fator que facilitou que
pessoas de outras religiões aceitassem o Espiritismo na
cidade visitada, foi a forma que muitas dessas pessoas não-espíritas
começaram a raciocinar depois que passaram a conviver com
os espíritas. Diziam: “se fulano (a) é uma
pessoa boa, honesta e é espírita... se ciclano (a)
é honesto e uma boa pessoa e é espírita...
se beltrano (a) é gente boa e é espírita...
esse negócio não pode ser coisa ruim”. Este
proceder atesta o que Kardec asseverou no livro "Obras Póstumas",
quando informou-nos que a conduta dos espíritas é
que chamaria a atenção das pessoas. Conclusão:
se formos exemplos de conduta, com mais facilidade o ecumenismo
passará a ser realidade.