O etos psicoterapêutico espírita
tem como princípio fundamental a relação
conflituosa da alma, tanto consigo mesma quanto em relação
ao seu próximo. No paradigma espírita, o espírito
sobrevive à morte corporal e pode continuar a relacionar-se
com aqueles que conviveram com ele durante sua vida terrena. Este
convívio, se conflituoso, configura uma interação
entre ambos, promovendo desequilíbrios físicos e/ou
psicológicos. A tradição terapêutica
do espiritismo propõe a mediação dos conflitos
da alma com a finalidade de cura, esteja ela na dimensão
espiritual ou na dimensão física. Pesquisadores
espiritistas, como Hermínio C. Miranda, desenvolveram técnicas
terapêuticas espirituais, como a regressão de memória,
aplicadas a indivíduos radicados no plano físico
ou no plano extrafísico, conforme o contexto doutrinário
espírita. A literatura, em sua característica de
representação mimética da realidade, vez
por outra se serve desses pressupostos em suas efabulações.
Neste trabalho, apontaremos como o romance A mulher que escreveu
a Bíblia, do escritor brasileiro Moacyr Scliar, insere-se
nesse contexto, dialogando com o etos psicoterapêutico espírita,
mesmo quando a doutrina sistematizada pelo francês Allan
Kardec não aparece mencionada nos escritos dessa narrativa
scliariana.