(trecho inicial)
1. Introdução
Em seu tratado acerca do imaginário, intitulado As estruturas
antropológicas do imaginário, o pesquisador francês
Gilbert Durand (2012, p.18) conceitua que o imaginário representaria
“o conjunto das relações de imagens que constituem
o capital pensado do
homo-sapiens”. Assim, o imaginário abrangeria praticamente
todas as instâncias culturais da humanidade. Ainda conforme
Durand (2012, p.25), a religião e a poesia, bem como por
inferência a literatura em geral, guardam íntima correspondência
entre si no âmbito do imaginário.
Surgido bibliograficamente a partir de 18 de abril de 1857, com
a publicação de O livro dos espíritos,
por Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo
de Allan Kardec, o espiritismo possui um riquíssimo imaginário
que desde o seu surgimento vem expandindo-se de forma exponencial
em sua representatividade. Com pouco mais de século e meio
de existência, a doutrina sistematizada por Kardec desenvolveu
toda uma literatura, de diversos gêneros, representativa e
compósita de seu conjunto de imagens.
No amplo espectro da literatura universal, e numa perspectiva cartográfica,
nomes diversos e fundamentais compuseram peças literárias
em que o imaginário espírita comparece em suas efabulações.
Isto, após o surgimento do espiritismo na segunda metade
do século XIX. Todavia, o imaginário espírita
poderia ter aparecido antes e de forma bastante delineada em algum
grande autor pré-espiritista?
Este trabalho tem por objetivo apresentar um estudo de caso que
enfrenta essa questão com base no instigante diálogo
entre duas perspectivas imaginárias distintas: a do imaginário
dramatúrgico-literário e a do imaginário espírita.
Como representante do primeiro grupo, tomaremos a peça Hamlet,
de William Shakespeare, cujo quarto centenário de morte transcorre
no ano de 2016; como representatividade do segundo grupo, será
recortada uma interrogação de Allan Kardec, constante
de O livro dos espíritos (1995), obra
composta de pouco mais de mil perguntas dirigidas aos espíritos
sobre os mais variados temas.
O dialogismo entre a citada peça shakespeariana e o paradigma
espírita constituirá, assim, a problemática
de que passaremos a tratar neste estudo, cujo objetivo é
o de apresentar uma contribuição aos imaginários
da religiosidade e da literatura, explorando no âmbito da
metodologia da pesquisa qualitativa (SEVERINO, 2016, p.125) um campo
ainda bastante amplo de possibilidades investigativas, representado
pelo diálogo espírita-literário.