Rubem Alves tem uma interessante teoria sobre educação:
de que o ser humano caminha pela vida com duas caixas, uma de ferramentas
e outra de brinquedos. (1)
A caixa de ferramentas contém instrumentos úteis que
lhe dão o poder de agir para melhorar sua vida, como diversos
dos saberes que adquire. E os brinquedos são os objetos aparentemente
inúteis, mas que servem pra tornar a vida digna de ser vivida:
a beleza, a alegria, a arte, a poesia, a música, a justiça...
É uma maneira simples e eficiente
de definir conhecimentos importantes e supérfluos - os que
são ferramentas para a construção de uma vida
melhor e mais equilibrada, diferenciando-os daqueles "bibelôs
intelectuais" que ocupam espaço e servem para nada.
Unindo esta teoria às lições
de Hans, um amigo espiritual, ligado ao nosso grupo mediúnico,
tiramos algumas conclusões essencialmente práticas para
o trabalho educacional.
Hans
propõe que todo conhecimento útil tem três dimensões,
representadas por três perguntas:
O que é?
Como funciona?
Para que serve?
Um conhecimento qualquer só se torna eficiente e aplicável
quando nos somos capazes de encontrar boas respostas para elas.
Vejamos um exemplo com respostas possíveis
e funcionais:
Fluidos
Que são fluidos? São
tipos de matéria em estado imponderável, que tem algumas
propriedades e podem assumir qualidades.
Como funcionam os fluidos? Os fluidos
se expandem, se contraem, conduzem pensamentos, emoções
e sentimentos e adquirem qualidades daquilo que conduzem; são
maleáveis, penetram e atravessam a matéria densa, etc.
Pra que servem os fluidos? Levam e
trazem pensamentos, emoções e sentimentos. No mundo
espiritual, eles formam roupas, objetos e outras coisas que os Espíritos
utilizam. No mundo material, servem para influenciar e ser influenciado.
Um bom trabalho de investigação
da verdade é aquele que propicia ao participante o incentivo
e a oportunidade de saber coisas úteis para seu progresso,
finalidade maior da encarnação. Não se lhe oferecem
respostas prontas e acabadas, que sempre são respostas de outrem,
mas convida-se o grupo a refletir e contribuir, construindo raciocínios
e conclusões.
Este é um bom modo de se estudar
os princípios do Espiritismo, de torná-los dinâmicos
e eficientes na nossa transformação interior.
(Ver Anexo 1 - fim da página)
Os princípios do Espiritismo como ferramentas de progresso
Os princípios
do Espiritismo formam uma rede de inter-relações que
compõem, para aquele que os conhece, uma sólida base
filosófica e ética.
(Por que conhecer os princípios do Espiritismo?
- Anexo 1)
Partindo de uma conceituação revolucionária de
Deus, que descarta as características humanas presentes em
muitas visões religiosas e no-lo apresenta dotado de atributos
que ajudam a conceber a infinita bondade e justiça, o Espiritismo
nos oferece um conjunto de idéias com profundas conseqüências
morais. E estas idéias são representadas por aquilo
que chamamos de seus princípios, ou seja, as bases fundamentais
de sua compreensão da vida.
Conhecer estas idéias é
o primeiro passo importante para iniciar um profundo e sólido
processo de transformação em nosso pensar, sentir e
agir. Contudo, é preciso apropriar-se dos conceitos não
apenas intelectualmente, mas verificando as implicações
e conseqüências.
Para adquirirmos não só
o conhecimento, mas a possibilidade de raciocinar e de escolher com
base nos princípios do Espiritismo, precisamos de alguns dados
essenciais sobre cada um deles, os quais se resumem nas questões
propostas por Hans: O que é? Como funciona? Para que
serve?
Retomando a analogia com o mundo das
ferramentas, vejamos: de que serve possuir um alicate e não
saber o que é, como funciona e para que serve?
De que adianta saber sobre Deus sem
saber o que é, como funciona e para que serve? (Pode soar estranho,
mas mesmo assim é pertinente).
Que é Deus? A inteligência
suprema que causou a existência do Universo.
Como Deus funciona? Deus cria Espíritos
por toda a eternidade e criou leis imutáveis que regem seu
progresso. Sempre age com bondade e justiça, visando a evolução
e a harmonia do Universo.
Pra que "serve" Deus? Para
que os Espíritos tenham confiança e certeza do Bem acima
de tudo, para que se sintam amparados por um poder superior em momentos
complicados da existência, para que tenham certeza da justiça
e não queiram fazê-la com suas próprias mãos,
para que se sintam seguros sob o seu governo sábio...
Um estudo de Espiritismo que se pretenda
renovador das criaturas necessita fornecer esta perspectiva a qual,
somada à da reencarnação, livre-arbítrio,
causa e efeito, mediunidade e outros princípios, torna-nos
realmente conscientes de nossa essência espiritual, das razões
de nossos problemas e dos meios de melhorar a nós mesmos, melhorando
nossa qualidade de vida. Um estudo profundo que nos apresente as idéias
espíritas como ferramentas para uso imediato na conquista do
equilíbrio e da paz íntima.
Integrando os três aspectos
do Espiritismo à compreensão dos seus princípios
As questões básicas
propostas por Hans foram transformadas por ele mesmo, numa das nossas
reuniões subseqüentes, em compreensão prática
e dinâmica dos três aspectos do Espiritismo inerentes
a todos os seus princípios:
· O que é
- O campo onde as coisas se definem, correspondendo ao aspecto
filosófico;
· Como funciona - O campo onde as coisas são
observadas e experimentadas, ao aspecto científico;
· Para que serve - O campo onde as escolhas
são feitas, ao aspecto moral.
Foi um passo importante para nossa maneira de
lidar com os conteúdos do Curso (2)
que vínhamos coordenando.
Hans propôs um exercício.
Nós deveríamos verificar no texto referente a cada princípio,
quais os trechos que pertenciam a cada uma das três dimensões
em que ele podia ser observado, ou seja, que frases no texto abordavam
aspectos filosóficos, científicos ou morais. Ele disse
que poderíamos recortar estes trechos e organizá-los
colando em três folhas, como mostra a figura a baixo.
Foi muito interessante verificar que os textos resultantes em resposta
às três perguntas realmente esclareciam os três
focos importantes do tema e permitiam uma visão bastante objetiva
sobre ele.
(Ver Anexo 2 ao final da página)
Os princípios espíritas na dinâmica da existência
Uma das razões que justificam
nosso empenho em divulgar e apresentar os princípios doutrinários
do Espiritismo da forma mais clara e correta possível é
esta: eles não são e nem devem se parecer com dogmas
ou artigos de fé, não fazem parte de algum tipo de "catequese
espírita".
Eles são científicos
e lógicos, todos baseados nas leis universais, válidos
e comprováveis por qualquer pessoa de mente aberta e investigativa.
E podem, sim, fazer muita diferença na vida de quem os conhece.
Observamos que quando não há
um entendimento claro, quando são abraçados como dogmas,
internamente é como se a pessoa continuasse nas religiões
tradicionais e dogmáticas, repetindo o que os outros dizem,
sem penetrar no verdadeiro significado e consequências.
Por isso, o lugar ideal para falar deles é numa comunidade
de investigação. (3)
Na troca de experiências
e na abordagem prática que os diálogos possibilitam,
estes três aspectos são percebidos em sua verdadeira
amplitude e, ao mesmo tempo, segundo a realidade e percepção
de cada participante.
Aos poucos, vamos sendo capazes de
transitar com desembaraço entre eles, criando uma dinâmica
em que aquilo que definimos e entendemos como funciona nos ajuda a
escolher, mas também aquilo que experimentamos/observamos no
ajuda em nossas definições e escolhas.
A observação prática
dos princípios em nossas vidas nos permite comprovar sua verdade
e validade, o que é mais um dado a diferenciá-los dos
dogmas e artigos de fé das religiões tradicionais. São
conhecimento se transforma em ferramenta do ser humano para buscar
conscientemente a evolução, a paz e a felicidade.
Notas:
1. A caixa de brinquedos, texto de
Rubem Alves disponível no site Cidade Escola Aprendiz
2. Virando a Página:
Curso de Princípios Doutrinários do Espiritismo,
organizado e ministrado pelo Grupo CEM. em Jundiaí/SP, durante
o ano de 2004.
3. Para saber mais, leia O
que é comunidade de investigação? (veja
abaixo)
Anexo 1
Por que conhecer os princípios
do Espiritismo?
Os princípios do Espiritismo
são conceitos que formam a estrutura básica do pensamento
espírita.
São eles: Deus, espírito
e matéria (os elementos da criação), imortalidade,
reencarnação, progressão dos Espíritos,
livre-arbítrio, causa e efeito, fluidos, perispírito,
mediunidade, pluralidade dos mundos habitados, Espíritos na
erraticidade, influência dos Espíritos na nossa vida
e na Natureza.
São idéias que, uma
vez modificadas ou descaracterizadas, descaracterizam a própria
Doutrina, o que nos leva a relacioná-las à própria
identidade do Espiritismo, enquanto filosofia.
As interpretações erradas
destes princípios por parte de alguns grupos originaram práticas
tidas como espíritas, mas que nenhum fundamento possuem nas
obras de Kardec. Por isso e pela sua importância, o estudo destes
princípios é o primeiro passo a ser empreendido pelos
grupos e entidades que queiram divulgar o Espiritismo em sua expressão
mais pura.
Embora estudados separadamente no
Curso de Princípios da Doutrina Espírita do Grupo CEM,
os princípios do Espiritismo formam uma rede de inter-relações
que compõem, para aquele que os conhece, uma sólida
base filosófica e ética.
Para quem é espírita ou não,
o conhecimento dos princípios torna possível raciocinar
e entender a vida através de uma visão racional, gerando
resultados práticos nas mais diferentes situações.
A sua compreensão aprofundada melhora nossa capacidade de reflexão,
ajuda no exercício do diálogo interior e na manutenção
de maior segurança e harmonia.
(Artigo publicado
no "Jornal do CEM" -
www.geocities.com/jornalcem.)
Anexo 2
Filosofia, Ciência e Moral
A proposta do Hans de destacar e separar
ciência, filosofia e moral nos textos que seriam usados nos
estudos de nosso grupo teve duas vantagens:
Primeira, de ajudar a nós,
como expositoras, a criar uma síntese do conhecimento essencial
sobre o tema, contido no texto.
Segunda, de ajudar a identificar as
informações essenciais do tema, as importantes e as
descartáveis.
Mesmo que não se trate exatamente
um texto para ser "estudado", que seja um artigo de jornal,
por exemplo, é possível agrupar suas informações
e entendê-lo melhor como leitor, usando este método.
Vejamos o exemplo abaixo:
CUIDADO AO FALAR
Falar o que se pensa é maravilhoso,
mas tem de vir acompanhado do cuidado ao falar, porque existe a palavra
que derruba e a palavra que levanta, a que fere e a que desperta.
Por que nos sentimos no direito de
atingir o outro que não conhecemos e que não podemos
julgar com palavras? Porque os efeitos são impalpáveis?
Mas que argumento seria este, se usado por espíritas que acreditam,
antes de tudo, no impalpável e no imaterial como base de sua
filosofia de vida?
É preciso cautela para não
cair nas armadilhas do orgulho, respondendo à agressão
com agressividade. Somente a resposta amorosa é digna dos que
intentam se inscrever na escola do Mestre.
(Gilberto, um amigo invisível)
O que é Comunidade de
Investigação?
Rita Foelker
Aprendemos quando compartilhamos experiências. Dewey
(1)
Comunidade de investigação
é uma idéia presente em todo projeto de Filosofia
para Crianças. Trata-se de um processo pedagógico
que requer a criação de um estado de comunicação
(2), ao
mesmo tempo, natural e disciplinado. Este processo não é
centrado no professor, nem no aluno, mas na busca da verdade.
A comunicação existente
numa comunidade de investigação, portanto, não
é uma simples conversa sem objetivo. Para investigar, é
preciso investigar algo, seguir os passos nalguma direção.
O papel do professor / coordenador, então, é visualizar
este caminho, ajudando as respostas e argumentos dos alunos a não
se perderem no nada ou em becos sem saída, mas a realizarem
algum progresso em direção à verdade.
A disciplina a que nos referimos,
como escreve Lipman, no trecho abaixo, é a da própria
verdade:
Quando uma classe move-se para tornar-se
uma comunidade de investigação, aceita a disciplina
da lógica e do método científico; pratica o ouvir
uns dos outros, o aprender uns com os outros, o construir sobre as
idéias uns dos outros e o respeitar os pontos de vista uns
dos outros, e ainda exige que as asserções sejam garantidas
por evidência e razões. Uma vez que a classe como um
todo opere desse modo, torna-se possível para cada membro internalizar
os hábitos e os procedimentos dos outros, de modo que seu próprio
pensamento torna-se autocorretivo e move-se em direção
à imparcialidade e objetividade. Ao mesmo tempo, cada membro
internaliza a atitude do grupo em relação ao seu próprio
projeto e procedimentos, e isso manifesta-se no cuidado pelas ferramentas
e instrumentos da investigação assim como no respeito
pelos ideais (p.e., verdade) que servem tanto para motivar o processo
como para regulá-lo. (3)
Deixar que a discussão siga
seu curso, sem intervenções do educador, não
transforma um grupo numa Comunidade de Investigação.
Não podemos esquecer nossa intenção inicial de
fazer filosofia com as crianças, o que exige que se dê
ao diálogo uma direção e um sentido filosófico.
Por isso tudo há, na Comunidade
de Investigação, uma figura importantíssima,
que é o educador.
1. John Dewey (1859-1952, educador e filósofo
norte-americano) foi o criador da Nova Escola e de algumas idéias
pedagógicas revolucionárias, como:
a necessidade de aproximar a teoria e a prática
do conhecimento, pois o saber só tem sentido quando serve para
o dia-a-dia;
a construção do conhecimento através de consensos
resultantes de discussões coletivas;
a importância da capacidade de pensar dos alunos no processo educacional.
Para Dewey, a escola não prepara para a vida:
a escola é vida.
2. Leia sobre o que chamamos de estado de comunicação
no texto Níveis de comunicação numa comunidade
de investigação.