Rubens Saraceni:
Hoje nós temos um convidado muito especial, nosso querido Pai
Élcio de Oxalá, com um trabalho reconhecido no Brasil
e no exterior, que hoje nos deixa a sua biografia. Gostaria que o
senhor deixasse registrado um histórico de quando veio essa
coisa de Umbanda e da curimba que tomaram essa proporção
tão grande.
Pai Élcio:
Comecei a trabalhar na Umbanda em 1950. Tinha 14 anos e a minha mãe,
que era católica, não aceitava que a gente falasse de
espiritismo, dizia: “- Nossa Senhora, feitiçaria!”
Mas eu tinha uma missão para cumprir. Continuei a ir escondidinho
da minha mãe. Sempre dava um jeitinho de ir na minha mesa branca,
tomar um passe, receber a orientação dos mentores...
Rubens Saraceni:
Quando a sua mediunidade aflorou?
Pai Élcio:
Por volta dos meus 18 anos, estando na maioridade, pude ir pela primeira
vez em um terreiro e foi aí que eu consegui saber que se tratava
de uma coisa mais séria, que tinha mesmo haver comigo e não
dava para dispensar a espiritualidade. Foi em um Templo de Umbanda
chamado Padre José de Alencar que já nem existe mais.
Rubens Saraceni:
Aconteceu lá o que acontece com 90% dos centros de Umbanda.
Quando os dirigentes desencarnam dificilmente tem um herdeiro já
aceito pelos outros médiuns para assumir pacificamente os trabalhos.
Então, a maioria desses médiuns, às vezes com
vinte, trinta anos de trabalho, abrem suas próprias casas e
começam construir toda uma estrutura novamente. Então,
particularmente, não sei se melhor seria permanecer a estrutura,
ou se é melhor dissolvê-la e cada um começar um
novo trabalho renovado.
Pai Élcio:
De minha parte, acho que deveria ser mantida aquela estrutura. Teríamos
tantas histórias boas para relatar! Sou testemunha de fatos
maravilhosos que aconteceram lá, e hoje, isso se perdeu no
tempo, pois não existe qualquer registro. Lembro-me de uma
entidade que baixava lá, e se que se apresentava como um padre.
Certa vez, depois da passagem dele, veio um mentor daquela casa e
ele então, pegou uma garrafa branca com água e colocou
um pano escuro atrás e fazendo aparecer dentro da garrafa,
uma pessoa que estava fazendo mal para a outra. A gente via bem o
rosto!
Rubens Saraceni:
Pena que não ficaram registros dessas coisas. O propósito
desse programa é justamente resgatar essas memórias
para enriquecer a Umbanda nas gerações futuras. Vamos
voltar no tempo. Onde o senhor nasceu?
Pai Élcio: Em Varginha, no sul de Minas Gerais
no dia 9 de abril de 1937.
Rubens Saraceni:
E como veio essa coisa do gosto pela música, pela curimba e
pelo atabaque?
Pai Élcio:
Por volta de 1975 eu fui apresentado a um Baluarte, Sebastião
Campos que dirigia a Federação Espírita de São
Paulo. Ele fazia umas reuniões aos domingos lá e eu
era convidado. Lá, ele cantava o hino da Federação,
eu o aprendi e comecei a cantá-lo, e muitas pessoas ficaram
admiradas. Fui chegando devagar na casa, e aí foi começando
meu primeiro trabalho. Lá conheci também Olívio
Biquete.
Rubens Saraceni:
O senhor possui uma voz privilegiada. Como foi seu contato com
a curimba, e tornar-se o curimbeiro oficial da Umbanda?
Pai Élcio:
Me convidaram para estar na Festa de Ogum realizada por Pai Jamil
no Ibirapuera. Quando vi a imagem de Ogum se aproximando e o pessoal
jogando flores, eu disse: “- Oh meu Deus! Quem me dera poder
estar lá em cima cantando para o meu Pai Ogum!” As coisas
começaram por aí. No ano seguinte, meu Pai Ogum me chamou
lá para cima. Me apresentou pai Milton Fernandes e eu ingressei
na Curimba dele, a primeira escola de curimba do Brasil.
Rubens Saraceni:
Muito importante esse registro. Já falamos de Sebastião
Campos e agora Pai Milton Fernandes, sobre o qual temos pouca coisa
documental, apesar de muitos o terem conhecido e se beneficiado do
trabalho dele. Pai Élcio de Oxalá é presidente
da escola de Curimba Élcio de Oxalá que já formou
sei lá quantas pessoas. Vamos falar um pouco sobre os pontos
cantados.
Pai Élcio:
O ponto cantado é que determina a hora em que nós devemos
chamar as entidades. Às vezes, por falta de conhecimento, o
coitado do nosso irmãozinho que está na frente de uma
curimba, na hora que a entidade bate no peito e diz que vai para Aruanda
ele canta: “Oxalá mandou; Ele mandou buscar...”
E o caboclo então, dá uma olhadinha pra ele e na sua
educação maravilhosa dá uma volta, um abraço
em cada um. E ele continua cantando. Aí o caboclo abraça
todo mundo e vai embora sem ponto. E às vezes nem se percebe
que se canta um ponto de chamada na hora da subida. É muito
importante saber as colocações, a hora que deve-se cantar,
ou não. Senão a gente acaba confundindo as entidades.
Rubens Saraceni:
O trabalho de Umbanda tem toda uma seqüência que começa
pelo canto de defumação, abertura de trabalho, hino
da Umbanda, canto para Oxalá, canto para as linhas de Orixá.
Às vezes alguns cantam na abertura para a esquerda também,
aí vem o canto de chamada, firmeza do Orixá da casa.
Pai Élcio:
Louvações... Se a gente quiser fazer uma saudação
a Oxalá, a gente está cantando para o Pai Maior, que
é uma entidade máxima na nossa espiritualidade, para
o qual eu acredito não ter ponto de chamada nem de subida.
Quem é que vai mandar Oxalá embora? Ele não vai,
ele está!
Rubens Saraceni:
Ele está o tempo todo. Não conheço um ponto de
subida de Oxalá, só de louvação. Nunca
tinha prestado atenção. São interessantes essas
coisas sobre os pontos cantados porque existem pontos aos quais recorremos,
como os de descarrego, que tem de ser um ponto forte de chamamento
do poder através da música.
Pai Élcio:
O ponto cantado é uma prece. A firmeza do terreiro é
o ponto cantado.
Rubens Saraceni:
Eu já vi casos em que se percebe uma sobrecarga muito grande
no centro, e então o Guia mandar cantar um ponto de tal Orixá.
A gente sabe que é um ponto de descarga e então à
medida que vai cantando aquele ponto, tudo muda. A falange daquele
Orixá desce como que envolvendo toda aquela carga negativa
e indo embora.
Pai Élcio:
Uma vibração fora de série! Eu costumo recomendar
às pessoas. Muitas vezes o dirigente está ocupado durante
os trabalhos e uma irmãzinha passa mal na assistência,
às vezes é a primeira vez que está lá.
Está super carregada de cargas negativas, se sentiu mal e caiu
lá. Aí todo mundo diz: “Canta um ponto para o
Pai Ogum pra levantar aquela irmãzinha!”
Rubens Saraceni: O conhecimento hoje
dos pontos dentro da Umbanda graças ao seu trabalho e de outras
pessoas está começando a se disseminar. Temos à
nossa disposição livros com os pontos cantados de Umbanda,
com as letras, sem a música. Os pontos tem um fundamento por
trás. Hoje não temos muitos CDs, mas houve um tempo
que havia muitos Long Plays à nossa disposição.
O senhor chegou a gravar LPs não é?
Pai Élcio:
Sim. Eu gravei a minha primeira música há muito tempo,
que falava assim: “Meu pai, caminha com eu agora; Meu pai, caminha
com eu agora; Sou filho seu pequenino; Minha missão é
tão grande; Valei-me Nossa Senhora; Valei-me Jesus menino”.
Essa foi a minha primeira gravação. Certa vez, eu estava
numa festividade e a Preta Velha chorou. Eu estava cantando para ela
e as lágrimas desciam. Aí o cabone veio me perguntar
o motivo e eu lhe disse:“- Sabe meu filho, esse ponto tem um
fundamento tão grande... tão grande, que a Preta Velha
realmente memorizou muita coisa através dele. O ponto era o
seguinte:
Fio se suncê precisar; É
só pensar na vovó que ela vem te ajudar; Fio se suncê
precisar; É só pensar na vovó que ela vem te
ajudar;
Pense numa pisada longa zifinho;
Lá no seu jacutá; Numa casinha branca zifinho; Que a
vovó tá lá;
Sentada num banquinho tosco zifinho;
Com a sua rosária na não; Pense na Preta Velha zifinho;
Fazendo oração; Pense na Preta Velha zifinho; Fazendo
oração.
Rubens Saraceni:
Esse é antigo. sim. São pontos como este que não
sabemos como cantá-lo no centro porque nos falta a melodia.
Pai Élcio:
O J.B. de Carvalho foi um dos que mais nos trouxe pontos de raiz.
Rubens Saraceni:
Eu tenho vários discos do J.B. de Carvalho. Só não
tenho mais a vitrolinha para tocá-los. (risos). Nós
conhecemos o Pai Élcio só como Pai Élcio
de Oxalá e não nos preocupamos com o sobrenome mas é
Élcio Xavier não é? Fale-nos como foram esses
trinta e poucos anos cantando a Umbanda.
Pai Élcio:
Eu era muito ligado à matéria, gostava de um bolero,
era cantor de samba, cantor da noite e tal. Mas veio o momento de
me desligar de tudo isso. Quando minha Preta Velha desceu e falou
que à partir daquele momento estava começando um novo
trabalho, parei com tudo e ingressei na escola de Curimba Pai Milton
Fernandes. Um homem maravilhoso, muito bom de coração
e de espiritualidade. Quando ele faleceu, eu fiquei junto com a filha
dele fazendo um trabalho junto com a escola. Foi lá onde eu
comecei a ter uma sala para dar aulas de canto e ali eu formei vários
alunos. Naquele tempo, só tinha a Escola de Curimba Milton
Fernandes, nascendo depois a Escola de Curimba Pombinho Branco que
era de Demétrios Domingues. Depois conheci o Severino Sena
que foi meu aluno e de lá nós formamos a Escola de Curimba
Élcio de Oxalá.
Rubens Saraceni:
Uma caminhada. O senhor tem noção de quantos cantores,
curimbeiros, tocadores de atabaque já formou ao longo desses
anos?
Pai Élcio:
Cerca de 300 ou 400 Ogãs.
Rubens Saraceni:
Hoje são promovidos vários concursos de pontos cantados
de Umbanda. No passado esse tipo de evento existia?
Pai Élcio:
Nós não tínhamos quase eventos em São
Paulo e Minas. Eventos públicos somente festa de São
Cosme e Damião, a de Ogum que o Pai Jamil fazia no Ibirapuera
e a Festa de Oxóssi realizada por Joana Amparato que era do
Primado de Umbanda. A Escola de Curimba Milton Fernandes fez o primeiro
Festival de Curimba onde participaram vários curimbeiros, várias
casas, vários terreiros. Hoje a nossa Umbanda teve a felicidade
de ter Pai Rubens e outros dirigentes que começaram a
fazer outros eventos.
Rubens Saraceni:
Hoje estão sendo mostradas as coisas boas. Porque não
é só o trabalho pesado de segurar carga das pessoas,
a Umbanda é alegria, é confraternização,
emanação, é vibração. E a Umbanda
tem seu fundamento no ponto cantado, uma das suas forças atuantes
através da música. Durante os trabalhos alguns médiuns
ficam meio envergonhados de cantar meio alto e desafinar, então
cantam baixinho, para si. Mas eu sempre digo que quando se for cantar
não devemos nos preocupar com a voz, porque o ato de enunciar
o Orixá ali, traz a vibração para pessoa e a
beneficia.
Pai Élcio:
Não precisa ter a voz bonita basta firmeza que o seu canto
chega até lá.
Rubens Saraceni:
É o sentimento naquelas palavras. É como uma oração,
se ela é repetida porque foi decorada não tem valor.
Mas se é feita pela alma, pelo coração a divindade
é acessada e retorna. Entre LPs e CDs, quantos o senhor já
gravou?
Pai Élcio:
Cerca de 14.
Rubens Saraceni:
Qual a grande dificuldade para mantê-los num mercado fechado,
como o umbandista?
Pai Élcio:
Paga-se um preço alto para a gravadora lançar os cds,
e existem irmãos nossos que pegam o cd original e fazem cópias
piratas vendendo-as por um preço lá embaixo. O original
fica encalhado por muito tempo e isso dificulta dar prosseguimento
ao trabalho. Em vez de fazer dois, três planos, conseguimos
fazer um e quando termina a gente nem pensa mais em fazer o próximo.
Rubens Saraceni:
Hoje a figura do pirata está aí, atrás de uma
máquina imprimindo qualquer coisa e tirando a possibilidade
de se construir uma indústria genuína. Mas a gente sabe
que o senhor não pára mesmo com todos as dificuldades.
O que nós podemos esperar?
Pai Élcio:
Eu estou no Estúdio Sólon e agora em março se
Deus quiser estaremos lançando um novo trabalho. Eu e a Conceição
da Jurema estamos gravando dez faixas cada um, ao todo, o cd terá
vinte faixas. O que eu posso adiantar é que tem surpresa e
surpresa boa. O lançamento está marcado para o último
sábado do mês de março.
Rubens Saraceni:
E o senhor lança o seu CD só no Brasil Pai Élcio?
Pai Élcio:
Eu tive a oportunidade há dois anos atrás de fazer o
lançamento em Portugal e na França. Hoje a Umbanda lá
é muito bonita, parece que a gente anda em São Paulo.
Eles levam a espiritualidade com muita fé e seriedade.
Rubens Saraceni:
Nosso abraço aos irmãos de Portugal e da França.
Nosso programa é transmitido por lá também e
com certeza eles devem assistir a esse seu depoimento que nós
vamos guardar na videoteca de Umbanda para ficar disponibilizado para
sempre!