por Orson Peter Carrara para o Portal
"O Consolador"
Natural de Águas de Lindoia
(SP) e hoje residente em Belo Horizonte (MG), Alexandre Caroli Rocha
(foto) tem graduação em Letras e mestrado e doutorado
em Teoria e História Literária pela UNICAMP - Universidade
Estadual de Campinas. Profissional na área de Letras, é
autor da dissertação de mestrado: “A poesia
transcendente de Parnaso de além-túmulo”,
defendida em 2001, sobre a qual ele concedeu a seguinte entrevista.
Como surgiu seu interesse em
elaborar uma dissertação de mestrado sobre o livro
Parnaso de além-túmulo?
Quando eu estava na graduação, ganhei de presente
um exemplar do Parnaso de além-túmulo. Já
tinha ouvido falar de médiuns brasileiros que atribuíam
textos a escritores, e eu tinha curiosidade a respeito da psicografia.
Fui lendo os poemas aos poucos, observando as várias seções
do livro, que é dividido por autores, em ordem alfabética.
Fiquei impressionado com a obra — que tem uma proposta extremamente
ousada —, e foi surgindo a ideia de pesquisá-la no
mestrado. De fato, o livro levanta uma série de questões
que têm muito a ver com temas estudados nos cursos de literatura,
como noções de autoria, de estilo, de identidade,
de originalidade etc. Eu queria saber, por exemplo, se tantas atribuições
de autoria faziam sentido, se eram convincentes em termos literários.
Poderia explicar resumidamente o que é
o Parnaso de além-túmulo?
É o primeiro livro publicado do Chico Xavier, há
90 anos, em 1932, quando o médium tinha 22 anos. É
uma antologia poética psicografada. Sua primeira edição
continha 60 poemas atribuídos a 14 “autores espirituais”,
brasileiros e portugueses. Ao longo dos anos, foi ganhando mais
textos e mais autores, e alguns poemas foram suprimidos. Sua edição
definitiva, de 1955, contém 259 poemas atribuídos
a 56 autores, entre os quais nomes muito conhecidos da literatura
de língua portuguesa, outros pouco conhecidos e alguns anônimos.
A maior parte desses autores morreu na segunda metade do século
XIX ou na primeira parte do século XX. Eram homens, mulheres;
brancos, negros; fizeram parte de vários movimentos literários,
como o romantismo, o parnasianismo e o simbolismo, e tinham diferentes
crenças religiosas. Enfim, um grupo bastante diversificado.
O Chico Xavier começou a ficar nacionalmente conhecido após
a publicação desse livro, que foi comentado em grandes
jornais daquela época.
Em seu trabalho, houve comparações
com as obras em vida dos autores que aparecem no livro mediúnico?
Sim. Por sugestão do meu orientador, o professor Haquira
Osakabe, selecionei cinco dos autores a quem os poemas são
atribuídos — Antero de Quental, Augusto dos Anjos,
Cruz e Sousa, Guerra Junqueiro e João de Deus — para
verificar se características de suas obras oficiais apareciam
nos poemas mediúnicos. Para ter um bom parâmetro de
comparação, ele me pediu para localizar e utilizar
importantes estudos críticos a respeito de cada um desses
poetas. Assim, fiz os cotejos e constatei que, em grande medida,
traços estilísticos e temáticos dos versos
do Parnaso vão ao encontro das descrições dos
críticos literários, de uma forma bem mais elaborada
do que eu imaginava encontrar. Muitos dos poemas, aliás,
de modo claramente intencional, estabelecem diálogos intertextuais
com a obra dos autores a quem são atribuídos.
A seu ver, o que mais se destaca na obra como
um todo?
A ousadia da obra foi equilibrar, em poemas inéditos, elementos
que dizem respeito à vida e à obra de tantos poetas
com novidades justificadas pela alegada “experiência
da morte” dos escritores. Existem, portanto, semelhanças
e diferenças em relação à obra desses
autores. A propósito, é comum notar muitos leitores
que ignoram a primeira parte da proposta do livro — a retomada
de características poéticas dos autores — e
outros que estranham as inovações da segunda parte,
a qual envolve a apresentação de temáticas
espíritas e espiritualistas em nome de autores que, “em
vida”, não se preocupavam tanto com esses temas ou
tinham outras opiniões a esse respeito. A força do
livro, porém, encontra-se na combinação desses
dois vetores.
Gostaria de destacar outros aspectos?
Outro dado importante foi a introdução de grandes
autores da língua portuguesa, especialmente os brasileiros,
na literatura mediúnica. Antes do lançamento do Parnaso,
havia a predominância de autores espirituais europeus. O primeiro
livro publicado de Chico Xavier representa, então, o início
da nacionalização da literatura espírita brasileira,
que até hoje é muito expressiva no país. Outra
informação curiosa é que, segundo o professor
Paulo Franchetti, da Unicamp, o Parnaso de além-túmulo
é um dos livros de poesia mais vendidos do Brasil (mais de
100 mil cópias), um caso de “sucesso duradouro”.
E quanto ao aspecto dos conteúdos e
temas dos autores?
Um tema geral que atravessa as diferentes edições
da obra é, como registrei na dissertação: a
morte, o que dela advém. Houve, porém, um planejamento
mais específico, alcançado na edição
definitiva do Parnaso, que foi recobrir, em versos, todos os principais
temas tratados na edição definitiva de O livro
dos espíritos, de Allan Kardec. Notei essa presença
quando pesquisei os conteúdos da antologia poética.
Isso explica, em boa medida, a razão do crescimento do Parnaso,
de 1932 a 1955.
Como o leitor pode ter acesso à dissertação?
Ela está integralmente disponível no website do Repositório
da Produção Científica e Intelectual da Unicamp.
Suas palavras finais.
Gratidão pela oportunidade.