“Na esfera individual,
o livre-arbítrio é o único elemento dominante.
A existência de cada homem é resultante de seus atos
e pensamentos.”
- Emmanuel [1]
Perante o conhecimento antecipado
que Deus tem de todas as coisas, pode-se verdadeiramente afirmar a
liberdade humana? Eis aí um árduo problema de metafísica
!...
Em sua obra admirável, Léon Denis vem
em nosso socorro em tão intricado assunto, informando-nos que
esta “questão aparentemente complexa e árdua que
faz correr rios de tinta possui solução das mais simples.
Mas o homem não gosta de coisas simples; prefere o obscuro,
o complicado, e não aceita a verdade senão depois de
ter esgotado todas as formas do erro...
Deus, cuja ciência infinita abrange todas as
coisas, conhece a natureza íntima de cada homem e as impulsões,
as tendências, de acordo com as quais poderá determinar-se.
Nós mesmos, conhecendo o caráter de uma pessoa, poderíamos
facilmente prever o sentido em que, numa dada circunstância,
ela decidirá, quer segundo o interesse, quer segundo o dever.
Uma resolução não poderá nascer de nada.
Está forçosamente ligada a uma série de causas
e efeitos anteriores de que deriva e que a explicam. Deus, conhecendo
cada alma em suas menores particularidades, pode, pois, rigorosamente,
deduzir, com certeza, do conhecimento que tem dessa alma e das condições
em que ela é chamada a agir, as determinações
que, livremente, ela tomará.
Notemos que não é a previsão
de nossos atos que os provoca. Se Deus não pudesse prever nossas
resoluções, não deixariam elas, por isso, de
seguir seu livre curso. É assim que a liberdade humana e a
previdência divina conciliam-se e combinam, quando se considera
o problema à luz da razão.
O círculo dentro do qual se exerce a vontade
do homem, é, de mais a mais, excessivamente restrito e não
pode, em caso algum, impedir a ação divina, cujos efeitos
se desenrolam na imensidade sem limites. O fraco inseto, perdido no
canto de um jardim, não pode, desarranjando os poucos átomos
ao seu alcance, lançar a perturbação na harmonia
do conjunto e colocar obstáculos à obra do Divino Jardineiro.
(...) A liberdade é a condição
necessária da alma humana que, sem ela, não poderia
construir seu destino. É em vão que os filósofos
e os teólogos têm argumentado longamente a respeito desta
questão. À porfia tem-na obscurecido com suas teorias
e sofismas, votando a Humanidade à servidão em vez de
a guiar para a luz libertadora. A noção é simples
e clara. Os druidas haviam-na formulado desde os primeiros tempos
de nossa História. Está expressa nas “Tríades”
por estes termos:
Há três unidades primitivas:
Deus, a luz e a liberdade.
À primeira vista, a liberdade do homem parece
muito limitada no círculo de fatalidades que o encerra: necessidades
físicas, condições sociais, interesses ou instintos.
Mas, considerando a questão mais de perto, vê-se que
a alma tem sempre liberdade suficiente para quebrar este círculo
e escapar às forças opressoras.
A liberdade e a responsabilidade são correlativas
no ser e aumentam com sua elevação; é a responsabilidade
do homem que faz a sua dignidade e moralidade.
Para todo Espírito, por menor que seja o seu
grau de evolução, a Lei do dever brilha como um farol,
através da névoa das paixões e interesses. Por
isso, vemos todos os dias homens nas posições mais humildes
e difíceis preferirem aceitar provações duras
a se abaixarem a cometer atos indignos.
O livre-arbítrio é, pois, a
expansão da personalidade e da consciência.
Para sermos livres é necessário querer
sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando-nos
da escravidão da ignorância e das paixões baixas,
substituindo o império das sensações e dos instintos
pelo da razão.
Isto só se pode obter por uma educação
e uma preparação prolongada das faculdades humanas:
libertação física pela limitação
dos apetites; libertação intelectual pela conquista
da verdade; libertação moral pela procura da virtude.
É esta a obra dos séculos.”
Allan Kardec publicou na “Revue Spirite”
de outubro de 1863 uma página mediúnica, onde um Espírito
familiar narra possuir o Universo uma grande lei que domina tudo:
A Lei do Progresso.
“É em virtude dessa lei” –
ensina o Espírito, na obra citada – “que o homem,
criatura essencialmente imperfeita, deve, como tudo quanto existe
em nosso globo, percorrer as fases que o separam da perfeição.
Sem dúvida, Deus sabe quanto tempo cada um levará para
chegar ao fim; como, porém, todo progresso deve resultar de
um esforço tentado para o realizar, não haveria nenhum
mérito se o homem não tivesse a liberdade de tomar este
ou aquele caminho.
Não se poderia afirmar sem blasfêmia,
que Deus tenha querido a infelicidade de Suas criaturas, desde que
os infelizes expiam sempre, tanto uma Vida anterior mal empregada,
quanto sua recusa a seguir o bom caminho, quando este lhe era mostrado
claramente. Assim, depende de cada um abreviar a prova que deve sofrer;
e, por isto, os guias seguros, bastante numerosos, lhe são
concedidos, para que seja inteiramente responsável por sua
recusa de seguir seus conselhos. O livre-arbítrio existe, pois,
muito realmente no homem, mas com um guia: a consciência.
Vós todos que tendes acesso ao grande foco
na nova ciência, (o Espírito refere-se ao Espiritismo),
não negligencieis de vos penetrar das eloqüentes verdades
que ela vos revela, e dos admiráveis princípios que
são a sua consciência.
Segui-os fielmente: é aí, sobretudo,
que brilha o vosso livre-arbítrio.
Penetrai-vos de todos os preceitos que vos chegam
do Mundo Espírita Superior e assim tereis contribuído
em larga parte para a realização dos desígnios
da Providência.”
[1] - Emmanuel/Xavier, F.C. “Palavras do Infinito”