11 / janeiro /2013

O Labirinto do Fauno é um filme escrito e dirigido por
Guillermo del Toro, lançado em 2006. O filme
se passa logo após a Guerra Civil Espanhola, após
1939, durante o início da ditadura de Francisco Franco, com
o Franquismo sendo ainda estabelecido.
Este texto não tem como objetivo fazer uma crítica
cinematográfica deste filme, mas examinar o filme dentro
de uma ótima filosófica, partindo do conceito de Banalidade
do Mal de Hannah Arendt. Se você ainda
não assistiu o filme recomendo parar por aqui, assistir o
filme, e somente depois ler esta análise. Tem algumas críticas
abaixo, que também são bem interessantes de serem
lidos.
Esse filme já recebeu diversas análises através
da psicologia, da psicanálise, e mesmo de outras áreas,
mas não é este o foco do texto.
Uma
sensação muito comum após assistir o filme,
é discutir se Ofélia fantasiou todo o seu Conto
de Fadas, ou se dentro do filme, tudo aquilo é real.
A obra é dirigida de maneira a permitir as duas interpretações,
inclusive porque Del Toro a conduz com tamanha maestria, que a realidade
e a fantasia somam-se organicamente, permitindo tal debate.
Pensemos juntos, será que essa ambiguidade proposital entre
realidade e da fantasia não seria uma forma de nos levar
a comparar estes dois aspectos da narrativa? Tente pensar nessa
hipótese interpretativa… Talvez a ambiguidade seja
uma forma de nos levar a comparar estes dois eixos, o da realidade
e o da fantasia.
Logo no início, coloca-se no eixo da fantasia que no reino
original de Ofélia não há mal, mentira ou dor,
de maneira que nesse eixo de fantasia, não existe mal, podem
existir testes, podem haver criaturas movidas pelo puro instinto,
mas não pelo mal. Esta colocação pode ser interpretada
como uma referência as diversas propostas filosóficas
sobre o mal, onde ele é somente a ausência de bem.
O eixo da realidade já nos
mostra o mal na situação de guerra, mas, principalmente,
na figura do Capitão Vidal, o qual assusta muito mais do
que qualquer criatura do eixo da fantasia. Suas ações
são movidas pela obediência ao seu partido e as normas
do modo de vida militar, a ponto de que seu maior sonho é
ter a hora de sua morte em batalha registrada para que seu filho
saiba que seu pai foi um grande soldado, da mesma maneira que ocorreu
com ele. A foto ao lado, inclusive, mostra uma cena em que se mostra
que ele mesmo odeia a si mesmo, e deseja a própria morte.
Hannah
Arendt (1906-1975), filósofa judia que vivenciou
todo o horror da II Guerra Mundial e após ver o julgamento
de Eichmann, um carrasco nazista do campo de concentração,
e refletir sobre o totalitarismo, passa a refletir sobre o mal não
de um ponto de vista metafísico, transcendente ou moral,
mas de um ponto de vista político e banal. Talvez você
esteja pensando, como o mal pode ser banal? O mal pode ser banal
quando é decorrente de uma cega obediência as regras
vigentes. No caso de Eichmann, em seu julgamento, coloca-se como
um bom funcionário que simplesmente obedece a ordens, ou
seja, faz o mal mesmo não tendo patologias mentais ou mesmo
convicções ideológicas, mas simplesmente realiza
o mal por ter mera banalidade (os textos indicados abaixo fornecem
mais detalhes). Tal banalidade, advém da própria maneira
que o indivíduo se relaciona com os demais na Modernidade,
confundindo as pessoas com meras coisas, banalizando tal relação
a ponto de que para Eichmann não eram pessoas que ele deveria
no campo de concentração, mas simplesmente coisas.
O
filme aponta tal interpretação em alguns pequenos
momentos na figura do Doutor Ferreiro, em diálogo com os
rebeldes, comenta que ao se eliminar o Capitão Vidal, outros
homens como ele serão enviados, quer dizer, outros homens
que simplesmente obedecem as ordens vigentes como bons soldados.
Mesmo assim, ele continua escolhendo ajudá-los, mesmo colocando-se
em risco. Ao ser assassinado, por ter ajudado um rebelde a morrer
após uma noite de tortura, o Capitão o questiona o
porquê do médico não tê-lo obedecido –
e deve-se notar que a expressão do ator que interpreta Vidal
é fantástica ao mostrar que sua indignação
advém da desobediência de suas ordens, e não
por ter aliviado a dor do rebelde -, então o Doutor Ferreiro
lhe responde: “obedecer, simplesmente por obedecer sem
questionar, é algo que somente pessoas como o Capitão
conseguem fazer”… Ele coloca, de maneira clara,
que o mal feito pelo Capitão é fruto da mera obediência,
de não refletir-se de o que se faz é correto ou não.
Podemos ver a diferença entre a criatura ao lado, o Canibal
Inumano, e o Capitão Vidal. A criatura nos causa horror pelos
seus atos e por sua aparência, mas a cena em que ela aparece
mostra suas ações como derivadas simplesmente do instinto,
ou seja, não tem responsabilidade ou mesmo moralidade por
seus atos. Diferente do Capitão, que como todo ser humano,
pode refletir e escolher o que fazer, ou mesmo o que não
fazer.
Voltando a Ofélia, que ao longo do filme passa por testes
para saber se não foi contaminada pelo modo de ser humano,
tem em seu teste final a necessidade de derramar sangue humano de
seu pequeno irmão, escolhendo poupá-lo, quando então
é assassinada pelo Capitão Vidal. Quando acorda em
seu reino original seu pai lhe explica que o teste era para saber
se ela iria, ou não, simplesmente obedecer a ordem de alguém
e derramar sangue inocente, e ao escolher não fazê-lo,
sacrificando-se dando seu próprio sangue para abertura do
portal. Podemos pensar que o medo de seu pai, era que Ofélia
ficasse contaminada com o modo de ser dos humanos modernos, que
passaram a tratar os demais, e as próprias criaturas mágicas,
como meras coisas. E não custa lembrar que no início
do filme é proposto que originalmente as coisas não
eram assim, apontando para uma escolha dos próprios seres
humanos de tomarem outro caminho.
Dessa maneira, vemos que o filme nos mostra como mal pode ter origem
em nossa própria banalidade. Por mais que esta reflexão
nos leva a pensar primeiramente em soldados, nós mesmos podemos
estar praticando o mal de maneira banal, talvez sendo isso que nos
causa tamanha tristeza ao ver o final, pois talvez sejamos como
o Capitão Vidal e nem ao menos temos conta disso…
Recomendamos que leia as indicações abaixo e busque
rever o filme com esse olhar. Depois, pense um pouco se não
estamos fazendo algum mal, simplesmente por obedecer ordens sem
refletir e mesmo se não estamos tratando as pessoas a nossa
volta simplesmente como coisas… Tal reflexão pode parecer
deprimente, mas podemos escolher como Ofélia e o Doutor Ferreiro
fizeram…
Críticas
do Filme
http://spotlightofhighness.blogspot.com.br/2011/12/critica-o-labirinto-do-fauno.html
– Gabriel Frati
http://planocritico.ne10.uol.com.br/critica-o-labirinto-do-fauno/
– Gabriel Neves
http://omelete.uol.com.br/cinema/critica-o-labirinto-do-fauno/
– Marcelo Abbade, do site Omelete
http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=3480
– Pablo Villaça,
do site Cinema em Cena
Artigos sobre Hannah Arendt
AGUIAR,
Odílio Alves. Violência e banalidade do mal
ANDRADE,
Marcelo. A banalidade do mal e as possibilidades da educação
moral: contribuições arendtianas
Textos de Hannah Arendt
ARENDT,
Hannah. Prologo – “Eichmann em Jerusalém:
um relato sobre a banalidade do mal”