
Antonio Cesar Perri de Carvalho
O Codificador Allan Kardec comenta
na edição de março de 1866 da Revista Espírita,
o lançamento do primeiro romance com temática espírita,
que se intitula “Espírita” (1865). O grande diferencial
é que o autor era o famoso escritor francês Pierre Jules
Théophile Gautier (1811-1872), também poeta, jornalista
e crítico literário; foi contemporâneo e entusiasta
da obra de Victor Hugo.
Nos comentários de Kardec nas edições dos anos
1866 e 1867 da revista citada, vê-se que o livro foi alvo de
vários comentários e resenhas na imprensa francesa,
contribuindo para a divulgação do pensamento espírita.
Da primeira nota de Kardec, tendo por título “Espírita.
História fantástica, por Théophile Gautier”,
destacamos:
“Na Revista de dezembro último
dissemos algumas palavras sobre esse romance, aparecido em folhetins
no Moniteur universel e que hoje está publicado
em um volume. Lamentamos que o espaço não nos permita
fazer-lhe uma análise mais detalhada e, sobretudo, citar
algumas de suas passagens, cujas ideias são incontestavelmente
bebidas na própria fonte do Espiritismo; como, certamente,
a maior parte dos nossos leitores já o leu, o relato detalhado
seria supérfluo. Diremos apenas que a parte consagrada ao
fantástico é certamente um pouco grande e que não
se deve tomar todos os fatos ao pé da letra; não se
trata, absolutamente, de um tratado de Espiritismo. A verdade está
no fundo das ideias e pensamentos, que são essencialmente
espíritas e narrados com uma delicadeza e uma graça
encantadoras, muito mais que nos fatos, cuja possibilidade por vezes
é contestável. Embora romance, esta obra não
deixa de ter grande importância, primeiro pelo nome do autor,
e porque é a primeira obra capital saída dos escritores
da imprensa, onde a ideia espírita é afirmada sem
rodeios, e surgida no momento em que parecia um desmentido lançado
na onda de ataques dirigidos contra esta ideia.
[…] No Courrier du Monde illustré de 16 de dezembro
de 1865, lê-se o seguinte: ‘É preciso crer, sem
duvidar, sem professar a doutrina, sem mesmo ter sondado muito essas
insondáveis questões de Espiritismo e sonambulismo,
que o poeta Théophile Gautier, só pela intuição
de seu gênio poético, acertou na mosca, fugiu com o
dinheiro do caixa e encontrou o abre-te Sésamo das evocações
misteriosas, porque o romance que publicou em folhetins no Moniteur,
sob o título de Espírita, agitou violentamente todos
os que se ocupam dessas perigosas questões.
[…] Quantas pessoas repelem as crenças espíritas,
não pelo temor de se tornarem perfeitas, mas simplesmente
pelo de serem obrigadas a emendar-se! Os Espíritos lhes causam
medo porque falam do outro mundo e este tem terrores para elas.
É por isto que tapam os olhos e os ouvidos.” (1)
Por aí vê-se que Gautier
criou um fato literário no mundo cultural e na imprensa da
época, abrindo espaço para a circulação
de ideias espíritas.
Enfim, o romance sesquicentenário foi um divisor de águas
no meio cultural francês. Sobre isso comentou Kardec:
“Viu-se com que parcimônia
e embaraço os próprios amigos de Théophile
Gautier falaram de seu romance Espírita.”
(2)
Interessante é que o romance
de Gautier sensibilizou intensamente um espírita brasileiro
– dedicado e culto – Wallace Leal Valentim Rodrigues (1924-1988),
que teve a iniciativa de traduzí-lo e publicá-lo em
1972 pela Casa Editora O Clarim com o título “O
Ignorado Amor”.
Em síntese, sobre o conteúdo
do livro, nas palavras de Wallace:
“Tudo se passa na elegante
Paris do Século XIX, neste romance que vai prender a atenção
do leitor. Uma estória de amor onde as lembranças
do passado com os espíritos se fazem presentes. Conceitos
espíritas, como descrição do mundo espiritual
e a possibilidade do intercâmbio entre os dois mundos, são
descritos por Théophile Gautier de uma forma suave onde a
sua sensibilidade e a beleza de seu estilo se confundem com uma
obra mediúnica, como se fossem os próprios envolvidos
narrando suas experiências através da psicografia.
Belíssimas descrições, valiosos ensinos e um
estilo cativante, de ímpar beleza literária, onde
a inteligência do autor e a impecável tradução
empolgam o leitor.” (3)
1. Kardec, Allan.
Revista Espírita. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. Ano IX. No.
3. Março de 1866. Brasília: FEB.
2. Idem. Ano X. Março de 1867.
3. Rodrigues, Wallace Leal Valentim. Apresentação. In:
Gautier, Théophile. O ignorado amor.Matão: Casa Editora
O Clarim.
Síntese de artigo do autor
publicado na Revista Internacional de Espiritismo, Ano XCI, no. 6,
edição de julho de 2016, p.314-315

Pierre Jules Théophile Gautier
Imagem/fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d6/Th%C3%A9ophil_Gautier_1856_Nadar.jpg