Em todas as civilizações e culturas,
desde as épocas mais remotas, o homem busca compreender sua
essência íntima, ponto de ligação com a
Divindade e fator de entendimento para o mistério da vida e
da morte. Denominada, de forma simplista, como Alma ou Espírito,
representa a esperança na continuidade do ser e de sua vida
de relações afetivas após a morte física,
assumindo posição de destaque nas diversas filosofias
e religiões.
Nos antigos povos da Ásia e do Egito surgem concepções
bastante complexas e semelhantes sobre a natureza imaterial humana,
frutos de uma mesma raiz iniciática de conhecimento.
Na China antiga, ensinava-se que o corpo humano apresenta um complexo
sistema de canais ou meridianos de energia, no qual circula a Força
Vital ou Chi, responsável pela manutenção da
vida e da saúde. A Medicina Tradicional Chinesa utiliza este
sistema para tratar as enfermidades e os desequilíbrios orgânicos.
Além desta força vital, acreditava-se na existência
de uma energia ancestral (Tinh) associada à energia mental
ou psíquica (Than), correspondendo ao conjunto dos sentimentos
e pensamentos humanos. Como outras instâncias da individualidade
humana, citam ainda a Alma inferior, a Alma Superior e o Espírito
Divino.
Na Índia dos brâmanes e budistas, entende-se que o corpo
físico (Sthula Sharira) é envolto por um veículo
composto pelo éter, denominado Linga Sharira. Estas entidades,
corpo físico e corpo etérico, são energizadas
pela força vital ou Prana, uma corrente do oceano de vitalidade
(Jiva) ou fluido cósmico universal. Como princípios
intermediários, temos o corpo das paixões, das emoções
e dos sentimentos (Kama-Rupa), a mente ou alma humana (Manas), que
se divide em Manas inferior (intelecto) e Manas Superior (consciência).
Num nível acima teríamos a alma espiritual ou Buddhi,
que é a manifestação da Sabedoria Celestial,
intuindo o homem ao auto-aperfeiçoamento moral e espiritual.
Como entidade máxima teríamos o Atma (Espírito),
fonte primordial de onde emanam todas as demais manifestações.
No Egito dos faraós, a constituição humana era
compreendida, além do corpo material (Kha; Chat), pela aura
ou invólucro etéreo (Ba; Anch), pelo veículo
das paixões e emoções ou corpo astral (Khaba;
Ka), pela alma animal (Seb; Ab-Hati), pela alma intelectual ou inteligência
(Akhu; Bai), pela Alma Espiritual (Putah; Cheybi) e pelo Espírito
ou Alma Divina (Atmu; Shu).
Na Grécia antiga, Platão, elaborando as concepções
de Sócrates, transfunde a idéia de que o homem era composto
pela dualidade corpo e alma (Eu superior), intercalados pelos prazeres
e pelas emoções (thumos ou coração). Aristóteles,
seu grande seguidor, alterou a concepção do mestre,
definindo a alma como o princípio vital e racional, material
e espiritual, que habita o homem, misturando conceitos distintos (Aether,
Quintessência, Alma), por não acreditar numa vida pessoal
após a morte física . Hipócrates, o “pai
da Medicina”, define a força vital (vis medicatrix naturae)
como uma força instintiva e irracional, que se esforça
para manter o equilíbrio das funções orgânicas,
sem qualquer relação com o conceito aristotélico.
Em linhas gerais, a filosofia grega reconhece no homem o corpo material
(soma), a força vital (vis medicatrix naturae), a alma animal
ou veículo das paixões e emoções (psyche)
e a alma humana, mente ou intelecto (nous).
De Hipócrates até o século XIX, a Medicina foi
influenciada pelo pensamento vitalista, que acreditava na existência
de um princípio vital imponderável, ligado substancialmente
à materialidade orgânica, responsável pela manutenção
da saúde do corpo físico. Personalidades como Erasistrato,
Rhazes, Paracelso, Sydenham, van Helmont, Stahl, von Haller, Claude
Bernard dentre outras, defendiam o princípio vitalista, mas
sem utilizarem um método terapêutico para equilibrarem
a força vital orgânica em desequilíbrio. No final
do século XVIII, Samuel Hahnemann cria a Homeopatia, inaugurando
uma etapa da terapêutica humana em que a unidade entre a doença
e o doente passa a ser valorizada, atuando com seus medicamentos dinamizados
nas distonias da força vital, transmitindo ao restante da individualidade
humana (Mente e Espírito) um bem-estar indizível.
Da língua latina provém a origem de inúmeras
dificuldades interpretativas dos termos que definem as entidades imateriais
do homem, por colocarem diante de um único elemento material
até seis elementos invisíveis: animus, anima, mens,
spiritus, intellectus e ratio. Ao invés das complexas diferenças
conceituais que abrigavam termos semelhantes, os idiomas franco-saxões
mantiveram o simplismo teológico dos dois princípios
imanentes: corpo e alma. Desta forma, disseminou-se a idéia
geral de que o homem possui um corpo e uma Alma ou Espírito,
sem levar em consideração as demais entidades imateriais
da individualidade humana.
O animus corresponderia a um princípio localizado no coração,
responsável pela coragem, o valor, o arrojo e a impetuosidade
humana frente aos grandes empreendimentos. O termo anima aplica-se
à força vital, fluido universal ou Linga Sharira, intimamente
ligada ao corpo físico, com a propriedade de transmitir vida
à matéria inerte. Grande parte das confusões
referidas anteriormente surge da tradução destes termos
(animus e anima) pela palavra “alma”, que engloba a totalidade
das faculdades intelectuais. Assim sendo, a palavra mens é
que corresponde à alma humana da teologia católica,
com o significado de mente humana ou Manas da concepção
hindu, sem estar unida ao corpo sistematicamente. Ao spiritus corresponderia
o corpo astral ou Kama, ao intellectus o entendimento superior ou
Buddhi e à ratio a entidade espiritual de caráter divino
ou Atma.
Na concepção cristã do Novo Testamento, encontramos
conceitos como Alma e Espírito, utilizados indistintamente
como sinônimos, representando a entidade espiritual e divina
que habita o corpo humano. Em inúmeras passagens, a palavra
“espírito” é utilizada com o significado
de entidades obsessoras que perturbam os homens, causando-lhes doenças
e outros tipos de perturbações psíquicas. São
Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios (I Co. XV,
35-49), delega uma natureza corporal ao espírito, como as concepções
orientais citadas anteriormente (“também há corpos
celestiais e corpos terrestres”; “se há corpo natural,
há também corpo espiritual”). Na Segunda Epístola
aos Tessalonicenses (II Ts. V, 23), utiliza a divisão tríplice
humana (corpo, alma e espírito): “e o vosso espírito,
alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis”;
relaciona a alma às faculdades sensitivas e o espírito
à mente ou razão, de acordo às concepções
esotéricas orientais de corpo astral e corpo mental, respectivamente
(Hebreus IV, 12). Apesar da concepção tríplice
do homem ter sido admitida e ensinada pelos precursores da Igreja
Católica (Irineu, Justino Mártir, Clemente, Orígines,
Gregório e Santo Agostinho), não é ensinada atualmente
pela mesma.
Segundo a Cabala hebraica, que corresponde ao conhecimento esotérico
do povo judeu, o homem apresenta um Guph (corpo físico), unido
substancialmente ao Nepesh (alma vivente), servindo de morada terrena
às demais estruturas sutis em processo de evolução.
Como entidades intermediárias temos a alma animal ou Tzelem
(ou Nephesh) e o Ruach (alma intelectual). Constituindo uma tríade
superior, temos o Neshamah (Alma Humana), o Chiah (Alma Espiritual)
e o Yechidah (Espírito Divino). Estes princípios eram
associados às Dez Sephiroth ou potencialidades humanas (Árvore
da Vida).
Como fruto deste “conhecimento iniciático oriental”,
trazido por Christian Rosenkreuz e Helena P. Blavatsky, surgem, no
Ocidente, a Rosa-Cruz e a Teosofia, apresentando um estudo pormenorizado
da natureza imaterial humana. Dentro das concepções
rosa-cruz e teosófica, teríamos, respectivamente, o
corpo vital e o duplo etérico (Linga Sharira); o corpo de desejos
e o corpo astral (Kama-Rupa); a mente e o corpo mental (Manas inferior);
o Espírito Humano e o Corpo Causal (Manas Superior); o Espírito
de Vida e o Corpo de Beatitude (Buddhi); e, finalmente, o Espírito
Divino e o Espírito (Atma).
Associando sua percepção aos conhecimentos rosa-cruzes
e teosóficos, Rudolf Steiner cria a Antroposofia, trazendo
contribuições às várias áreas do
conhecimento humano. Divide a natureza sutil humana em corpo etéreo
ou vital, corpo anímico-sensitivo ou corpo astral, alma do
intelecto ou organização do Eu, Alma da Consciência,
Personalidade Espiritual e Homem-Espírito, em analogia às
demais definições citadas.
A Doutrina Espírita de Allan Kardec apresenta uma visão
ternária do homem, constituída pelo princípio
vital (união entre corpo físico e força vital),
perispírito e Espírito. Com o termo perispírito,
une o corpo astral e o corpo mental das demais concepções
filosóficas, em vista da dificuldade de separação
entre os sentimentos e pensamentos humanos. Segundo suas definições,
o Espírito também englobaria o Corpo Causal e Corpo
de Beatitude anteriormente citados.
A concepção vitalista de Samuel Hahnemann, fundador
da Homeopatia, apresenta um panorama universalista, com conceitos
semelhantes aos citados em todas as épocas da Humanidade: força
ou princípio vital, ligada substancialmente ao corpo físico,
de caráter automático, instintivo e irracional, reagindo
aos diversos estímulos no sentido de manter a homeostase interna;
mente ou “órgão de mais alta hierarquia”,
abrigando os sentimentos e pensamentos humanos, funcionando como elo
de ligação entre a unidade físico-vital e a Alma
ou Espírito.
Embora o modelo homeopático seja praticamente experimental,
apresentando uma terapêutica que se baseia no princípio
da similitude e na experimentação no homem são,
o modelo filosófico vitalista amplia o entendimento da enfermidade
e seu tratamento, trazendo, inclusive, subsídios para que se
compreenda o emprego das doses infinitesimais (medicamento dinamizado)
pela Homeopatia. Por outro lado, os conceitos vitalistas trazidos
por Hahnemann, buscando explicar o mecanismo de ação
dos medicamentos homeopáticos (despertar da reação
vital ou ação secundária), fruto da observação
minuciosa do efeito das substâncias medicinais no organismo
humano, encontram respaldo nos mecanismos homeostáticos do
organismo, estudados pela Fisiologia e pela Farmacologia modernas.