Texto publicado no blog –
Observador Espírita, de Dalmo Duque dos Santos autor
do livro Nova História do Espiritismo. A ele, Jaci
deu uma entrevista por telefone em 2010, que aqui publicamos inteiramente.
Para os novos simpatizantes e pesquisadores
do Espiritismo, o psicólogo e escritor Jaci Régis realmente
não dispensa apresentações. Ativista histórico,
começou no movimento espírita liderando a Mocidade Estudantes
da Verdade, cuja primeira empreitada foi mudar o nome da casa que frequentavam:
saiu o Centro Beneficente Evangélico e nasceu o Centro Espírita
Allan Kardec, até hoje em funcionamento. Jornalista sindicalizado,
editou durante muitos anos o periódico Espiritismo e Unificação,
mudado nos anos 1980 para o provocativo nome “Abertura”.
Criado na onda da redemocratização do País, o jornal
continua ativo e sempre aberto aos novos articulistas. … Sua trajetória
jamais deixará de ser associada ao chamado Grupo de Santos, formado
por pensadores de vários lugares do Brasil e da América
Latina que enxergam o Espiritismo de uma forma bem diferente daquilo
que é praticado pela maioria dos espíritas. É o
espiritismo laico, não religioso, voltado para as questões
sociais e cotidianas e não somente para os problemas espirituais.
Só esses dois adjetivos são suficientes para avaliar as
repercussões e o incômodo que ele causa entre os espíritas
tradicionais.
Mas Jaci não
é nada daquilo que pintam sobre ele, sobretudo o líder
radical e intolerante desenhado pelos que se sentem inseguros e impotentes
diante de suas ideias e da coragem de divergir da maioria. É
uma pessoa fraterna, muito franca, bem-humorada, sensível, enfim,
um típico espírita que convence mais pela forma como age
do que propriamente pelo que pensa. Ele e sua esposa Palmyra, com a
ajuda dos filhos e de alguns amigos, dirigem há muitos anos o
Lar Veneranda e mais recentemente o Instituto
Cultural Kardecista, dois espaços muito conhecidos em
Santos. O Lar é uma típica obra social espírita,
da qual Jaci sempre diz que é simples obrigação
de cidadão: “Não me sinto nada caridoso fazendo
isso”. Já o ICKS é trabalho de prazer e combate
ideológico, espaço de cultura, de agitação
e realização de eventos, principalmente o Simpósio
Brasileiro do Pensamento Espírita.Também nos concedeu
uma interessante entrevista sobre todas essas coisas a seu respeito
e também sobre a sua última novidade.
Observador Espírita –
A religião continua sendo um equívoco dentro do movimento
espírita?
Jaci Regis – Sem dúvida.
Na medida e que o Espiritismo se torna uma religião, perde a
flexibilidade evolutiva que lhe caracteriza a estrutura criada por Allan
Kardec. A religião, por definição, apóia-se
em verdades absolutas e por afirmações dogmáticas.
OE - Por que os espíritas
têm tanta dificuldade para romper com os laços religiosos
e cultivar uma religiosidade mais natural?
JR – Devemos ter em mente que
as estruturas religiosas se sedimentaram em nossa mente através
das reencarnações. Romper com elas é tarefa de
reflexão, meditação, raciocínio e decisão.
Isso acontece quando a pessoa consegue superar o medo de ficar desamparada
pelo divino e compreende que o divino se manifesta diariamente na vida
de todos.
OE - Você acredita que Kardec
estranharia o atual movimento espírita no Brasil?
JR -Creio que sim, porque a forma como
foi desenvolvido o Espiritismo no Brasil contraria a linha que ele adotou
na criação da doutrina.
OE - Queiram ou não queiram
os antipáticos, o chamado Grupo de Santos formou escola e já
entrou para a história do movimento espírita. Como você
vê tudo isso?
JR - O “grupo de Santos”
do qual eu fui o principal articulador, teve a coragem, no seu tempo,
de apresentar uma visão dinâmica da doutrina em contraposição
ao esquema montado por pessoas e Espíritos ligados umbilicalmente
ao sentido cristão da vida.
OE - Você sempre foi muito
crítico ao perfil doutrinário da FEB e de outras entidades
federativas. Houve alguma mudança na sua opinião?
JR - A FEB é uma instituição
respeitável e lidera a maior parte do movimento espírita.
A ela estão ligados os representantes dos centros e federações.
Entretanto, desde sua fundação ela seguiu um caminho próprio,
diferente do preconizado por Kardec. Esse caminho compreendeu um extremo
sentido religioso, místico e até aceitando as teses de
Roustaing. Ultimamente se tornou menos inflexível, mas prossegue
na sua intenção de liderar o movimento espírita
mundial, na feição de corrente evangélico-mediúnica.
OE - A CEPA é realmente
uma alternativa crescente no movimento espírita?
JR - A CEPA pode se tornar uma alternativa
positiva ao Espiritismo mundial, na media que se espalha não
apenas na América, mas também na Europa. É numericamente
pequena, mas reúne um grupo de espíritas que possui gabarito
intelectual para disseminar uma forma de entender o Espiritismo adequado
ao progresso e à realidade social. Para isso, contudo, é
necessário definir claramente seus objetivos e trabalhar por
eles.
OE - E sobre as práticas
espíritas, você considera o passe uma autêntica atividade
espírita?
JR – Hoje em dia se diz aplicação
ou transmissão energética, por ser mais adequada ao processo
de transmissão de energia humana e magnética. Não
se trata de uma prática genuinamente espírita, mas oriunda
do magnetismo. Penso que é útil e efetiva quando aplicada
de forma consciente e fraterna, sem considerá-la uma panacéia.
OE - Por que você passou
a utilizar a expressão “kardecista”, não bastava
apenas “espírita”?
JR - Entre as muitas deturpações
a que o Espiritismo tem sofrido, incluímos a apropriação
de desvio do significado dos termos “espiritismo” e “espírita”.
Correntes esotéricas e de base dos cultos africanos se auto denominaram
espíritas e as ousadias de dirigentes de centros que se intitulam
espíritas criando “doutrinas próprias”, tornou
o ambiente confuso, de modo que a palavra “espírita”
não significa necessariamente o que Allan Kardec criou. Por isso,
acreditamos que a palavra “kardecista” oferece uma apropriada
denominação ao esforço que temos feito de reescrever
o pensamento de Allan Kardec, adequando-o ao processo evolutivo das
idéias e da humanidade. Daí crermos que “kardecista”
refere-se mais especificamente ao trabalho original de Allan Kardec,
delimitando nosso espaço e definindo nossos propósitos.
Certamente jamais a palavra “espírita” será
substituída por ter sido criada por Kardec, mas “kardecista”
está diretamente ligada ao criador da doutrina.
OE - Ser kardecista hoje significa
ser fiel, sectário e até fanático em algumas situações
e agremiações espíritas. O que está acontecendo?
JR – Ser kardecista é
ter conseguido livrar-se dos condicionamentos sectários e ter
um novo pensar, dinâmico e reflexivo sobre os problemas humanos,
a partir dos enunciados iniciais de Allan Kardec.
OE- Finalmente, o que está desatualizado:
Kardec ou o Espiritismo? Kardec é necessariamente sempre sinônimo
de Espiritismo?
JR – Kardec é o criador do Espiritismo.
Daí ser a raiz do pensamento espírita agora e sempre.
Mas ele deixou claro um caminho de evolução e aperfeiçoamento
do corpo doutrinário. Sendo como foi um homem atual, moderno
e um pensador sábio, ao constatar que o Espiritismo seria ultrapassado
se fosse uma religião ou tentasse ter as respostas absolutas
para os problemas da pessoa humana com os conhecimentos de sua época.
Por isso, deixou claro que o Espiritismo evoluiria ou morreria. A “morte”
do Espiritismo não se dará por desaparecer, mas por perder
seu significado progressivo e progressista e quando não puder
oferecer ao ser humano uma reflexão cabível e atual sobre
si mesmo e seu futuro”.
Jaci Regis (1932-2010), psicólogo,
jornalista, economista e escritor espírita, foi o fundador
e presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS), idealizador
do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (SBPE),
fundador e editor do jornal de cultura espírita “Abertura”
e autor dos livros “Amor, Casamento & Família”,
“Comportamento Espírita”, “Uma Nova Visão
do Homem e do Mundo”, “A Delicada Questão do Sexo
e do Amor”, “Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo”,
dentre outros.
NR1: Para conhecer o blog Observador Espírita
visite: http://observadorespirita.blogspot.com.br/
NR2: Se você quiser conhecer quem foi Jaci Régis:
http://icksantos.blogspot.com.br/2011/10/jaci-regis-bibliografia.html?_sm_au_=iMH10HsW67SnZngR
Fonte: https://www.comkardec.net.br/entrevista-com-jaci-regis-por-dalmo-duque-dos-santos/
Leiam de Jaci Regis:
Contribuições do Espiritismo para uma nova Família
Entrevista
Implicações psicológicas e sociais da reencarnação
Reflexões Sobre a Violência
Transformações do Comportamento