Na história
do Espiritismo poucas foram as mulheres que se destacaram, seja como
intelectuais ou como ativistas. Quase sempre seu papel situa-se num
plano bem subalterno, à sombra do marido. Destacam-se mais
no campo assistencial, organizando chás beneficentes, administrando
entidades assistenciais ou promovendo eventos promocionais.
Não é o caso daquela que se tornou conhecida como a
Sra. Allan Kardec. Trata-se de Amélie Gabrielle Boudet. Poucas
são as informações que temos sobre essa formidável
mulher. Todavia, as existentes são suficientes para obtermos
um razoável perfil, somente comparável a outra grande
mulher espírita, de origem espanhola, Amália Domingos
y Soler.
Em uma conversa informal com uma companheira espírita, sugeri-lhe
que escrevesse um artigo sobre a Gaby, como era chamada na intimidade
por seu marido, Allan Kardec. Fiquei surpreso quando ouvi uma reação
intempestiva a essa sugestão. “A Amélie, nem pensar!
Ela era inexpressiva, prefiro a Amália Soler”. Tentei
argumentar, sem sucesso.
Realmente, não foi a primeira vez que ouvi tal assertiva. A
meu ver, injusta e ignorante. Injusta, porque não corresponde
ao importante papel que essa grande mulher d sempenhou na história
do Espiritismo. Ignorante, pelo fato de não se conformar à
realidade dos fatos que compõem a sua interessante biografia.
Mesmo com todos os condicionantes de sua época, Gaby demonstrou
que não era uma pequeno-burguesa totalmente passiva. Com os
atributos e conhecimentos que possuía, fica difícil
imaginá-la apenas fazendo brioches ou preparando um chazinho
para o incansável marido. Sua presença, ainda que discreta,
foi decisiva na estruturação do Espiritismo, de acordo
com depoimentos de pessoas que com ela conviveram, inclusive do próprio
fundador da Doutrina.
Mesmo com todos os condicionantes de sua época, Gaby demonstrou
que não era uma pequeno-burguesa totalmente passiva. Com os
atributos e conhecimentos que possuía, fica difícil
imaginá-la apenas fazendo brioches ou preparando um chazinho
para o incansável marido. Sua presença, ainda que discreta,
foi decisiva na estruturação do Espiritismo, de acordo
com depoimentos de pessoas que com ela conviveram, inclusive do próprio
fundador da Doutrina.
Ao longo do tempo, notadamente após o desencarne de Kardec,
Gaby teve destacada atuação na preservação
do movimento espírita nascente. Seu comportamento se aproximou
do que poderíamos chamar, sem exagero, do protótipo
da Terceira Mulher, segundo a classificação do filósofo
e sociólogo francês Gilles Lipovetsky, conceituação
que analisaremos no final deste breve ensaio.
As poucas informações que podemos colher sobre sua vida
encontram-se, inicialmente, em uma conferência transformada
em opúsculo, proferida pelo primeiro biógrafo da história
do Espiritismo, Henri Sausse, por ocasião da comemoração
do 27º aniversário de desencarne do Bom Senso Encarnado,
em 31 de março de 1896, solenidade organizada pelos espíritas
de Lyon, cidade natal de Kardec. Depoimentos de Gabriel Delanne, de
Pierre Gäetan Leymarie, informações colhidas dos
biógrafos Zeus Wantuil, Canuto Abreu e André Moreil
ajudam a compor um panorama, ainda que tímido, do papel desempenhado
por Amélie.
Recém-saída da Revolução Francesa, a terra
natal de Gaby passava por intensas transformações no
campo político, econômico, científico e cultural.
A definição das esferas pública e privada no
campo familiar estava em processo de consolidação, criando
assim um novo formato para a família, de características
burguesas, com padrões e valores mais adequados ao novo contexto
político e econômico que surgia, deflagrado pela Revolução
Industrial. Novas relações de produção
se cristalizam, causando profunda repercussão em todos os campos
da cultura.
Tentarei situar a trajetória de Amélie nesse contexto,
cuja vida será dividida, apenas para efeito didático,
em quatro fases: A primeira como a senhorita Amélie Gabrielle
Boudet (1795-1832); a segunda fase como a Sra. Rivail (1832-1857);
a terceira (1857-1869) como a Sra. Allan Kardec e a última
fase como a viúva Mme. Allan Kardec (1869-1883).