Um pai da Igreja que acreditava na Reencarnação
Um dos maiores luminares do início
do cristianismo, "O maior erudito da Igreja antiga", segundo
J. Quasten - pertencente à Igreja Grega e do Oriente, dica-se
de passagem, enquanto a de Roma ainda não tinha a supremacia
que viria a ter em virtude de manipulações políticas
- Orígenes nos encanta por sua apurada visão
espiritual e sua maneira especialmente lúcida de abordar
a mensagem do Cristo.
Nascido por volta de 185 de nossa era, em Alexandria - onde ficava
a famosa biblioteca, marco único na história intelectual
humana, e que foi destruída pela ignorância e sede
de poder dos romanos e, depois, por pseudo-cristãos ensandecidos
e fanáticos -, desde cedo teve contato com a doutrina de
Cristo, especialmente com seu pai, Leonídio, que foi martirizado
em testemunho de sua fé. Com isso, a família de Orígines
passou a ser estigmatizada, tendo sido seqüestrado todo o patrimômio
que lhe pertencia. Para sobreviver, o jovem e brilhante Orígines
passou a lecionar para ganhar seu sustento.
Mente curiosa e aberta, Orígines dedicava-se ao estudo
e a discussão da filosofia, notadamente Platão e os
estóicos. Orígenes bebeu da mesma formação
intelectual que viria a ter Plotino, na escola de Amônio Sacas
e, com certeza, as doutrinas ditas orientais não lhe eram
estranhas, e muito menos a ênfase num conhecimento pisíquico
direto com o transcendente que era típica da escola de Amônio,
fundador do neoplatonismo e, também, um simpatizante (pelo
menos em parte) do Cristianismo. Por isso, com absoluta certeza,
o conhecimento na doutrina Paligenética (da Reencarnação),
tão cara a Platão e a Sócrates, lhe era muito
familiar em sua fase de formação, e posteriormente
ele viria a divulgá-la abertamente - este foi um dos motivos
pelos quais foi perseguido pela vertente católico romana,
e por isso, temos hoje poucos de seus escritos, mesmo assim, devidamente
"maquilados" (c.f. Reale & Antiseri,
1990, volume I, página 413; e Fadiman & Frager em Teorias
da Personalidade, 1986, ed. Harbra, páginas 175-176).
Pouco antes do nascimento de Orígenes, um estóico
chamado Panteno havia se convertido à mensagem do
Cristo, e fundara uma escola catequética em Alexandria. Em
203 o jovem Orígines assumiu a direção desta
escola, atraindo muitos jovens estudantes pelo seu carisma, conhecimento
e virtudes pessoais. Em 231, Orígines foi forçado
a abandonar Alenxandria devido à animosidade que o bispo
Demétrio (na verdade, um invejoso) lhe devotava. Orígines,
então, passou a morar num lugar onde Jesus havia, muitas
vezes, estado: Cesaréia, na Palestina, onde prosseguiu suas
atividades com grande sucesso. Mas nem mesmo lá ele encontraria
a paz, pois logo veio a onda de perseguição aos cristãos
ordenada por Décio. Lá, Orígines foi preso
e torturado barbaramente, o que lhe causou a morte, em 253 .
O pensamento de Orígenes e sua forma de interpretar o Evangelho
foi durante muito tempo causa de acesa polêmica entre os sofistas
da Igreja de Roma, ao ponto de algumas teses de seu pensamento serem
oficialmente condenadas pelo imperador Justiniano que via nelas
uma ameaça aos resquícios do pensamento antigo que
considerava o imperador romano quase uma divindade e, posteriormente,
que teve sua ratificação religiosa feita por um concílio
católico-romano, em 553. Orígines também sofreu
o triste e típico caso dos seguidores de um líder
que pervetem a mensagem original.... Muito do que escreveu e disse
Orígines foi reinterpretado e corrompido pelos origenistas,
o que causou, junto com as condenações de Roma, uma
perda em grande parte da sua enorme produção literária.
Resta-nos dela Os Princípios, Contra
Celso e Comentário a João.
O centro do pensamento de
Orígines é Deus: "Deus não pode
ser entendido como corpo, mas como uma realidade transcendente apenas
passível de ser palidamente entendida como realidade intelectual
e espiritual", diz ele. Deus não pode ser conhecido
em sua natureza, por meio das limitações dos seres
relativos que somos, pelo simples fato de que nossa percepções
e concepções sobre tudo está sempre em transformação,
quer em maturação, quer em uma espécie de regressão
(basta ver o mundo a nossa volta para nos certificarmos disso).
Qualquer idéia que possamos fazer de Deus é apenas
uma projeção antropomórifca de uma dada época
e que apenas toca de leve uma idéia ainda maior: "Deus,
em sua realidade, é incompreensível e inescrutável.
Com efeito, podemos pensar e compreender humanamente qualquer coisa
sbre Deus, mas devemos também saber que Ele é amplamente
superior a tudo àquilo que Dele pensamos (...)". Ou
seja, temos uma intuição de Deus, não uma compreensão
racional definitiva Dele. Aqui ouve-se claramente ecos do pensamento
neoplatônico de Amônio Sacas, e Orígines
até mesmo usou a expressão "acima da inteligência
e do ser", muito famosa por ter sido utilizada por Plotino.
A compreensão da criação do universo por Deus,
de Orígenes, nos lembra e muito a das tradições
orientais, notadamente as da Índia e a dos mistérios
gregos, e, principalmente, Platão e Plotino. Primeiro, Deus
teria criado seres racionais e livres, todos simples e iguais entre
si - e os criou à própria imagem, por serem seres
dotados da capacidade de de desenvolver a razão. Mas a própria
simplicidade original (a ignorância) os levaram, por meio
da liberdade a que tinham direito, a divergirem no seu comportamento
e, em sua busca por instrução, a se diferenciarem
entre si (podemos encontrar um retorno a esta idéia no moderno
espiritismo kardecista que diz que "todos os espíritos
foram criados simples e ignorantes", sendo as diferenças
entre eles fruto dos percalços e escolhas no caminho evolutivo
individual de cada um). O mundo material e o corpo são conseqüências
direta disto, pois tornaram-se necessários a fim de corrigir
os erros dos espíritos que se afastaram demasiado de Deus.
Mas o corpo não é, em absoluto, algo negativo, como
diriam os platônicos e os gnósticos. É, isso
sim, o instrumento e o meio mais eficaz para o aprendizado ou para
a expiação de erros cometidos anteriormente. A alma,
ou espírito, pois, preexistia ao corpo (Reale & Antiseri,
História da Filosofia, vol. I, 1990), e a diversidade dos
homens e de suas condições remonta à diversidade
de comportamento na vida anterior.
A doutrina da reencarnação é uma constante
em Orígines, como o fora anteriormente para Pitágoras,
Sócrates, Platão, e toda a tradição
órifca grega até Plotino. Orígnes tinha consciência
de indícios desta doutrina no próprio Evangelho, como
em Lucas 1:13-17; Mateus 17:9-13 e em João, 3:1-15.
Igualmente, com os mistérios gregos, admitia que nosso universo
é constituido por uma série de "mundos"
habitados, onde a alma se aperfeiçoa (isto séculos
antes de Giordano Bruno e de Kardec). Diz-nos Orígines: "Deus
não começou a agir pela primeira vez quando criou
este nosso mundo visível. Acreditamos que (...) antes deste
houve muitos outros". Tal concepção nos lembra,
e muito, a concepção de Pierre Teilhard Chardin.
Orígines, como Chardin, acredita que tudo no universo tende
a voltar a Deus, o ponto ômega. Todos os espíritos
se purificarão em sua marcha progressiva pela eternidade
em direção a Deus, uma marcha longa e gradual, de
correção e expiação, passando, portanto,
por inúmeras reencarnações neste e em outros
mundos! (Reale & Antiseri, 1990). Diz Orígines: "Devemos
crer que (...) todas as coisas serão reintegradas em Deus
(...). Isso, porém, não acontecerá num momento,
mas lenta e gradualmente, através de infinitos séculos,
já que a correção e a purificação
advirão pouco a pouco e singularmente: enquanto alguns com
ritmo mais veloz se apressarão como primeiros na meta, outros
os seguirão de perto e outros ainda ficarão muito
para trás. E assim, através de inumeráveis
ordens (...)"
Orígines exaltou ao máximo a liberdade e o
livre arbítrio de todas as criaturas do mundo, em todos os
níveis de sua existência. Em certo sentido,
Orígines tinha uma percepção Holística
do mundo. No próprio estágio final ( o estágio
próximo ao ponto ômega, como diria Teilhard Chardin
), será o livre arbítrio juntamente com uma compreensão
esclarecida do sentido do universo que o espírito irá
aderir ao amor de Deus, sábio e senhor de milhares de anos
de experiência. Assim, terá cumprido o círculo,
partindo do ponto de ignorância absoluta ao de sabedoria absoluta,
sempre de e em direção a Deus.
Orígines também teve a suficiente visão
e sabedoria para distinguir três níveis de leitura
das escrituras:
1) o literal (muito usado ainda hoje pela maioria das igrejas evangélicas
no Brasil),
2) o Moral e
3) e Espíritual, que é o mais importante e também
o mais difícil. Cada um destes níveis indica um estado
de consciência e amadureciamento espiritual e psicológico.
Como nos fala Reale & Antiseri, a importância de Orígines
é notável em todos os campos. Ele quis ser, antes
de tudo, um cristão, e o foi até as últimas
conseqüências, suportantdo com heroísmo as torturas
que o matariam, para permanecer fiel a Cristo.