Questão interessante
e, portanto, digna de reflexões é aquela referente à
possibilidade do Espírito seguir a sua marcha evolutiva despido
do perispírito. Segundo Allan Kardec:
qualquer que seja o grau em que se
encontre, o Espírito está sempre revestido de um envoltório,
ou perispírito, cuja natureza se eteriza, à medida que
ele se depura e eleva na hierarquia espiritual. (2004, p.87).
Todavia, no capítulo 6 do livro
Libertação, de André Luiz (2004), são
trazidas noções sobre o que se denominou “segunda
morte” (p. 105). Conforme se infere do seu texto, há
notícias de Espíritos missionários que, galgando
planos mais altos, em razão de elevados títulos na vida
superior, perderam o “veículo perispiritual”.
Também é explicado nessa
obra que “o vaso perispírico é também transformável
e perecível” (Luiz, 2004, p. 105), de modo que o pensamento
impregnado de impulsos inferiores, quando colocado no centro de interesses
fundamentais, faz com que os ignorantes e os maus, os transviados
e os criminosos percam um dia a forma perispiritual.
Tais Espíritos, que perdem
a forma perispiritual em razão da densidade dos seus pensamentos
infelizes, conforme narrado por André Luiz na obra em comento,
assumem os contornos de “pequenas esferas ovóides, cada
uma das quais pouco maior que um crânio humano”(2004,
p. 104).
A obra de André Luiz é
clara em afirmar que o Espírito pode perder o seu perispírito
em razão de agigantados méritos na seara do bem. Contudo,
não é clara em relação à possibilidade
de perda do perispírito em virtude de um nefasto monoideísmo,
pois, ao tratar dessa situação, fala em perda da forma
perispiritual e não na perda do perispírito, que, consoante
se conclui sem maior esforço, revelam circunstâncias
distintas.
De fato, a perda da forma perispiritual
e a perda de perispírito encerram idéias distintas,
sem qualquer ponto de contato. Na primeira situação,
o perispírito existe, no entanto, sem a forma originária.
Na segunda, o Espírito apresenta-se despido do seu perispírito.
Em relação à
“segunda morte” dos Espíritos infelizes, tenho
a seguinte hipótese: não há propriamente a perda
do perispírito; há, sim, a perda da forma humana em
virtude de séria lesão dos sutis tecidos que integram
o psicossoma, causados por pensamentos dotados de elevada densidade
degenerativa.
E, assim, cogito porque, conforme
bem ressaltado por Allan Kardec, o Espírito - cuja constituição
não pode ser investigada pelas limitações da
ciência terrena – (2004) é um princípio
inteligente, dotado de expansão natural indefinida, cuja ausência
de forma poderia ser compreendida como uma realidade não material
(2005a).
Desse modo, sem perispírito,
o Espírito em estágio nas zonas de sofrimento não
assumiria a forma de ovóide. Expandiria indefinidamente, assumindo
aspecto de uma estrutura completamente amorfa, quiçá,
abstrata, fora da realidade material até agora conhecida pelas
hostes Espíritas.
Com relação à
“segunda morte” dos Espíritos purificados, tenho
também uma hipótese. A rigor, não haveria perda
do perispírito. Haveria, sim, com o avanço do Espírito
na hierarquia espiritual, uma sublimação tão
profunda no psicossoma que acabaria, no final das contas, equivalendo
a uma situação bem próxima da sua própria
perda.
Daí em se falar em perda do
perispírito para os Espíritos de escol.
As hipóteses ora levantadas,
que não possuem amparo direto em qualquer outra obra que tenha
lido, podem, naturalmente, residir no largo campo do equívoco.
Contudo, ouso dizer que me parecem
consentâneas com a lógica do razoável porquanto,
como expressamente colocado por Allan Kardec (2005b), por força
de sua essência espiritual, o Espírito é um ser
indefinido, abstrato. Logo, precisa do psicossoma para configurar
um ser concreto, definido, apreensível pelo pensamento.
Ademais, sem definição,
e, por conseguinte, sem qualquer limitação, o Espírito
galgaria a infinitude, assimilando, por assim dizer, um dos atributos
de Deus (2005a). E como não pode a criatura adquirir um dos
atributos de Deus, sob pena de revelar uma contradição
em termos, capaz, inclusive, de negar a própria existência
do Criador e, por conseguinte, a realidade por Ele criada, há
de se reconhecer no perispírito a sua indissociabilidade do
Espírito.
Não se deseja com as palavras
alhures esposadas diminuir a obra de André Luiz, até
mesmo porque, sem ela, não haveria espaço para tal reflexão
e outras até mais relevantes. Também não se deseja
trazer a verdade definitiva sobre um tema delicado e complexo. Deseja-se,
sim, prestar uma diminuta, mas sincera, contribuição
à ciência espírita, que é, inegavelmente,
progressista.
Kardec, Allan. O livro dos espíritos:
princípios da doutrina espírita:espiritismo experimental.
Tradução de Guillon Ribeiro da 49. ed. francesa. Rio de
Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2005. 604p.
____________. O livro dos médiuns,
ou, guia dos médiuns e dos evocadores: espiritismo experimental.
Tradução de Guillon Ribeiro da 49. ed. francesa. Rio de
Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2004. 580p.
____________. A gênese: os milagres
e as predições segundo o espiritismo. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira. 2005. Disponível
em: <http://www.febnet.org.br/apresentacao/1,0,0,389,0,0.html>.
Acesso em: 23 mar. 2007.
Luiz, André; [psicografado por]
Xavier, Francisco Cândido. Libertação. 27 ed. Rio
de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004.
328 p.