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AGOSTO 2010
Sumário:
1. O papel da miséria no processo
de animalização da criatura humana.
2. Causas desse panorama sombrio na sociedade brasileira.
3. O motivo pelo qual os maus sobrepujam os bons.
4. Caminho para uma sociedade pautada na justiça.
5. O papel do espírita na sociedade brasileira.
6. Referências.
1. O papel da miséria no processo de animalização
da criatura humana
A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
Miséria é miséria em qualquer canto
(1)
Os versos acima, de forma lírica, retratam
a capacidade da miséria de bestializar o indivíduo, privando-o
da sensibilidade que o caracteriza como criatura humana, desumanizando-o,
justamente por causar a supressão das condições
mínimas de uma existência digna.
Nem é para menos.

Nos bolsões de miséria
deste rico Brasil é comum ver crianças, muitas das vezes,
com cinco anos de idade, por completa falta de opção para
garantir a subsistência própria e de seus familiares, prostituindo-se
para as oligarquias locais ou servindo como soldados para o tráfico
de drogas ilícitas.
Também é comum nesses
ambientes miseráveis identificar famílias que comercializam
os seus filhos recém-nascidos ou a sua força de trabalho
e liberdade por comida ou parcos recursos, em condições
análogas às de escravo, para quadrilhas mantidas pelas
elites locais deste vasto Brasil.

Por não respeitar as conveniências
geográficas ou políticas, a miséria se faz presente
nos centros urbanos desta nação. Basta um olhar mais atento
para contemplar famílias inteiras perambulando sem destino nas
grandes cidades, sem casa, sem leito, sem trabalho ou escola, alimentando-se
dos restos de comida existentes nos ditos lixões ou nas lixeiras
dos condomínios e feiras, submetidos a toda sorte de privações.

E fala-se em um olhar mais atento porque
esses desafortunados, de tão comuns, são confundidos com
a arquitetura urbana, à semelhança dos pombos e dos cães
abandonados, pelas ditas pessoas de bem.

Não fosse tudo isso suficiente,
há ainda inúmeras outras pessoas experimentando grotescos
dramas ocasionados pela total ausência ou deficiência dos
serviços de saneamento básico, de saúde e de educação,
morrendo de tuberculose, dengue, doença de chagas, câncer
de útero, isto é, de enfermidades praticamente erradicadas
do Primeiro Mundo, típicas de regiões miseráveis
do globo terrestre.

Nesse panorama, cuja dramaticidade as
palavras não conseguem traduzir, as fibras morais de quem nele
está inserido sofrem, invariavelmente, profundas macerações,
retalhando a sua pauta de valores para admitir tão-somente aqueles
que facilitam a constituição de uma armadura capaz de
assegurar a sobrevivência em ambientes de extremada hostilidade.
Em outras palavras, para quem não
chega a experimentar sequer um patamar mínimo civilizatório,
a vida se torna uma mera sucessão de dias, sem qualquer espaço
para medo ou encantamento, para poesia ou perplexidade, para tudo aquilo
que nos peculiariza como seres humanos.

Por isso oportuna se faz a seguinte
explicação de Camilo:
Não tendo do que lançar
mão, honestamente, para prover as necessidades básicas,
o indivíduo, com sua família, muitas vezes se achará
presa de ideações infelizes que o poderão conduzir
a experiências tortuosas, uma vez que a fome não conhece
moralidade. (2)

Sem conhecer a moralidade, vítimas
e algozes alternam-se nos seus papéis, multiplicando insanamente
a violência, em seus diversos níveis, na sociedade brasileira.
Banalizada a vida, banaliza-se a morte!
2. Causas desse panorama sombrio na sociedade brasileira
Causa espécie qualquer estudo sobre esse assustador quadro social,
perceptível mediante simples desvio do olhar do aparelho de televisão,
quando se tem consciência de que o Brasil figura como oitava economia
mundial por possuir diversas riquezas naturais e por desconhecer quaisquer
dos grandes dissabores climáticos, geológicos ou mesmo
geopolíticos de outras nações deste globo.
Porém, quando se aprofunda o
olhar sobre a sociedade brasileira, compreende-se que a principal causa
da miséria nela verificada ocorre porque parcela significativa
das riquezas deste País é imediatamente absorvida pela
máquina estatal para custear os sofisticados e escabrosos esquemas
de corrupção, o loteamento de cargos públicos para
aliados políticos, as obras faraônicas superfaturadas que
não promovem crescimento pátrio, as arenas romanas que
apenas se prestam ao culto da vaidade coletiva, as políticas
assistencialistas e clientelistas que geram a dependência do indivíduo
e, com isso, a perpetuação de determinado grupo no poder.
E para garantir recursos necessários
à manutenção dessa perniciosa patuscada com o dinheiro
público, este País impõe elevada carga tributária
– a mais elevada do planeta quando comparada com o seu produto
interno bruto – sobre as forças produtivas, dificultando
a competição dos seus produtos no mercado internacional
e a abertura de novas frentes de trabalho que ajudariam na erradicação
do desemprego.
Melhor explicando, o sofrimento experimentado
por parcela significativa da população brasileira existe
porque as pessoas investidas das funções de autoridade
deixam de agir como elementos importantes ao funcionamento da sociedade
para atuarem como células integrantes de um imensurável
tumor maligno, que se espalham pelo corpo social para absorver, ilimitadamente,
os recursos imprescindíveis à sua existência.

E dessas células cancerígenas,
destacam-se às oriundas da classe política, que, não
satisfeitas em conspurcar o Poder Legislativo e o Poder Executivo, valem-se
de práticas ignóbeis para arregimentar as autoridades
integrantes do Poder Judiciário que não estão muito
preocupadas com os lídimos interesses coletivos.


Como uma metástase que atinge
o sistema nervoso de um organismo, a corrupção apodera-se
dos três Poderes da República, acarretando a acelerada
degeneração da sociedade, comprometendo a subsistência
e a própria existências daqueles que se encontram socialmente
debilitados.
Para completar esse espetáculo
de horrores, há ainda determinadas autoridades políticas
que, apesar de mergulhadas no lodo da própria perversão,
apresentam-se ao grande público como pessoas investidas do manto
messiânico, inalcançáveis às leis humanas
e divinas, porquanto alçadas a salvadores da pátria pela
vontade do Pai Celestial.
Coerente com essa cruel realidade, esses
messias às avessas não sentem pudor de praticarem os mais
descabidos atos de gestão, de celebrarem acordos com antigos
inimigos políticos historicamente reconhecidos pelos mais desprezíveis
atos de exploração dos mais humildes, de conferirem ao
povo brasileiro um tratamento infantilizado, de desviarem os recursos
necessários à prevenção dos desastres naturais
para promoção pessoal, de onerarem excessivamente o capital
produtivo, de praticarem assistencialismo e clientelismo com os recursos
públicos, tudo isso com o fim de se perpetuarem no Poder.
Dentro da lógica da insanidade,
esses medonhos mandatários messiânicos asseguram elevados
índices de popularidade manipulando recursos públicos
em ações sociais assistencialistas e clientelistas, isto
é, em ações que transformam os seus destinatários
em eternos necessitados da caridade estatal justamente por não
lhes permitir condições efetivas para que consigam, por
meio do próprio trabalho, uma vida digna.

Sem políticas realmente emancipatórias,
os miseráveis, os mais pobres, por não conseguirem autonomia
sócio-econômica, tornam-se, inconscientemente, dependentes
das políticas assistencialistas e clientelistas. Com isso, tornam-se
dependentes dos falsos profetas da política, dos autoproclamados
pais e mães do povo brasileiro, que obstam qualquer possibilidade
de práticas políticas realmente capazes de libertá-los
desse lamentável cativeiro sócio-político.
É um perverso círculo
vicioso que se instala na sociedade, apoiada pelos mais humildes, que
desconhecem outra realidade, e, muita das vezes, pelos espíritos
levianos, que passam pela existência distraídos, sem maiores
reflexões sobre a realidade que o circunda.

Não há dúvida de
que qualquer apoio àqueles que se prevalecem de práticas
assistencialistas e clientelistas para alcançarem altos índices
de popularidade e, com isso, assegurarem a sua permanência no
poder constitui leviandade porque desconsidera, completamente, o seguinte
alerta de Emmanuel:
Em toda parte, existem discípulos
descuidados que aceitam o logro de aventureiros inconscientes. É
que ainda não aprenderam a lição viva do trabalho
próprio a que foram chamados para desenvolver atividade particular.
Os fazedores de revoluções
e os donos de projetos absurdos prometem maravilhas. Mas, se são
vítimas da ambição, servos de propósitos
inferiores, escravos de terríveis enganos, como poderão
realizar para os outros a liberdade ou a elevação de
que se conservam distantes?
Não creias em salvadores que
não demonstrem ações que confirmem a salvação
de si mesmos.
Deves saber que foste criado para
gloriosa ascensão, mas que só é fácil
descer. Subir exige trabalho, paciência, perseverança,
condições essenciais para o encontro do amor e da sabedoria.
Se alguém te fala em valor
das facilidades, não acredites; é possível que
o aventureiro esteja descendo. Mas quando te façam ver perspectivas
consoladoras, através do suor e do esforço pessoal,
aceita os alvitres com alegria. Aquele que compreende o tesouro oculto
nos obstáculos, e dele se vale para enriquecer a vida, está
subindo e é digno de ser seguido. (2b)

Percebe-se, com uma maior atenção,
que as práticas assistencialistas e clientelistas são,
em verdade, esmolas custeadas com recursos públicos, que merecem
sérias reflexões em vista das respostas dadas às
seguintes perguntas formuladas por Allan Kardec no Livro dos Espíritos:
888. Que se deve pensar da esmola?
“Condenando-se a pedir esmola,
o homem se degrada física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade
que se baseie na lei de Deus e na justiça deve prover à
vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve
assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem
lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa vontade
de alguns.”
“Não; o que merece reprovação
não é a esmola, mas a maneira por que habitualmente
é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo
com Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este
lhe estenda a mão.
“A verdadeira caridade é
sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na
maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço
prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade
obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração
pouco se comoverá.
“Lembrai-vos também de
que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito
ao benefício. Disse Jesus: ‘Ignore a vossa mão
esquerda o que a direita der.’ Por essa forma, ele vos ensinou
a não tisnardes a caridade com o orgulho.
“Deve-se distinguir a esmola,
propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o mais necessitado
é o que pede. O temor de uma humilhação detém
o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse é
que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.
“Amai-vos uns aos outros, eis
toda a lei, lei divina, mediante a qual governa Deus os mundos. O
amor é a lei de atração para os seres vivos e
organizados. A atração é a lei de amor para a
matéria inorgânica.
“Não esqueçais
nunca que o Espírito, qualquer que sejam o grau de seu adiantamento,
sua situação como reencarnado, ou na erraticidade, está
sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa,
e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres.
Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade
que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que
vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias
ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes.
Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício,
instruí os ignorantes e moralizai os viciados. Sede brandos
e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para
com os seres mais ínfimos da criação e tereis
obedecido à lei de Deus.”
SÃO VICENTE DE PAULO (3)
Não há dúvida, portanto, que
as políticas assistencialistas e clientelistas, que se prestam
a assegurar a perpetuação desse messianato profano, bestializam
os seus destinatários, degradando-os moral e fisicamente.
E o pior é que as medidas necessárias
à emancipação dessa agigantada massa de reféns
do assistencialismo e clientelismo constituem condição
fundamental para que este planeta galgue a condição de
mundo de regeneração, conforme se infere do conteúdo
da resposta prestada à seguinte indagação de Allan
Kardec:
889. Não há homens que
se vêem condenados a mendigar por culpa sua?
“Sem dúvida; mas, se
uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar
a lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores
da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende
a melhoria do vosso planeta.” (707) (4)
Como se pode notar, a política se transformou, nesta República,
em instrumento de dor, de exploração do homem pelo homem,
de bestialização da criatura humana.
Não se pretende, com essa assertiva,
desconsiderar os fatores cármicos atuantes nos processos expiatórios
coletivos. Conforme cediço, Jesus ensinou que os escândalos
são inevitáveis (Mt 18:7). Porém, também
não se pode olvidar que foi próprio mestre da Galiléia
quem também alertou que “ai do homem pelo qual vem o escândalo”
(Mt 18:7).
Por mais necessários que sejam
os processos coletivos de expiação para a evolução
da Humanidade, certo é que não é dado a nenhum
ser humano agravá-los ou mesmo instituí-los, máxime
quando destinados exclusivamente à satisfação de
interesses meramente pessoais.
Essa perspectiva de entendimento não
foi esquecida pela doutrina espírita, conforme questões
abaixo extraídas do Livro dos Espíritos:
717. Que se há de pensar
dos que açambarcam os bens da Terra para se proporcionarem
o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?
“Olvidam a lei de Deus e terão
que responder pelas privações que houverem causado aos
outros.”
Nada tem de absoluto o limite entre
o necessário e o supérfluo. A Civilização
criou necessidades que o selvagem desconhece e os Espíritos
que ditaram os preceitos acima não pretendem que o homem civilizado
deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo à
razão regrar as coisas. A Civilização desenvolve
o senso moral e, ao mesmo tempo, o sentimento de caridade, que leva
os homens a se prestarem mútuo apoio. Os que vivem à
custa das privações dos outros exploram, em seu proveito,
os benefícios da Civilização. Desta têm
apenas o verniz, como muitos há que da religião só
têm a máscara.
755. Como pode dar-se que, no seio
da mais adiantada civilização, se encontrem seres às
vezes tão cruéis quanto os selvagens?
“Do mesmo modo que numa árvore
carregada de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São,
se quiseres, selvagens que da civilização só
têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos
de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados,
na esperança de também se adiantarem. Mas, desde que
a prova é por demais pesada, predomina a natureza primitiva.”
(5)

A doutrina espiritista não deixa
dúvida. Enquanto houver um ser humano privado das condições
mínimas de existência digna em virtude de práticas
sociais deploráveis, a sociedade brasileira, de civilização,
só possuirá o verniz, e aqueles que concorrem para isso,
de civilizados, só possuirão a aparência exterior.
3. O motivo pelo qual os maus sobrepujam os bons

O Livro do Espíritos contém
a seguinte questão cuja resposta merece consideração:
932. Por que, no mundo, tão
amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?
“Por fraqueza destes. Os maus
são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos.
Quando estes o quiserem, preponderarão.” (6)
A exatidão e universalidade do
conteúdo dessa resposta é confirmada e reafirmada pelo
fato de haver sido reproduzida justamente por alguém que não
conheceu a doutrina dos espíritos: Martin Luther King, Pastor
da Igreja Batista e eminente ativista dos direitos civis estadunidense.

É o que se verifica no seguinte
pensamento:
O que mais preocupa não é
o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter,
dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio
dos bons. (7 )
Como resta claro, o estado de calamidade
da política pátria e, por conseguinte, da sociedade brasileira
existe não em razão da força dos maus e, sim, em
razão da inércia, da condescendência, dos bons.
A partir do momento que houver uma vontade sincera de combater o mal
que dilacera os mais humildes, que priva parcela considerável
da população das condições mínimas
para a sua emancipação social, que arrasta multidões
de crianças à prostituição infantil e aos
exércitos do tráfico de drogas, que transforma hospitais
públicos em matadouros de humanos, uma realidade de felicidade
se implantará nestas terras do cruzeiro do sul.

Todavia, essa vontade inexiste. E inexiste
porque, mesmo entre os religiosos, há um consenso de que a política
e a corrupção são faces indissociáveis do
vil metal, que o manejo da máquina pública para satisfação
de interesses pessoais e para perpetuação no poder é
algo plenamente tolerável. Com isso, diariamente, constroem-se
e reconstroem-se uma psicosfera permissiva, propiciadora do estado de
barbárie na gestão de recursos públicos.
Esse desagradável quadro é
pintado diariamente na realidade brasileira porque, conforme lição
de Joanna de Ângelis:
A mente plasma, no campo da ideação,
os desejos, que depois se transformam em realidades que passam a participar
da vida, na área das formas. (8)
E sendo permissiva à corrupção,
essa psicosfera também se torna permissiva aos seus sectários
lógicos, isto é, às circunstâncias responsáveis
pela bestialização da criatura humana socialmente vulnerável,
até porque, quando tolerada a causa, toleradas são as
suas conseqüências.
Desse modo, todo aquele que propala
aos quatro ventos, muitas das vezes com ares proféticos, que
é natural haver corrupção na política, que
é natural haver políticos corruptos, que inexiste meio
de livrar a sociedade das iniquidades, em verdade, revela ao mundo a
sua indiferença aos que sofrem, aos que experimentam os efeitos
nefastos de conjecturas políticas perversas.

Melhor explicando, a falta de consciência
política, de real comprometimento com os interesses da coletividade,
isto é, de senso de cidadania, retrata um mórbido estado
de indiferença em relação aos menos favorecidos,
aos que passam por dolorosos processos de expiação.

É interessante a percepção desse aspecto da personalidade
humana porque, segundo Hammed:
A indiferença e a frieza emocional,
a apatia e o apego patológico, bem como o distanciamento das
privações dos outros, são características
marcantes das criaturas que alimentam uma paixão egoística
pelos bens materiais. (9)
A indiferença, uma vez instalada
na intimidade humana, é de difícil remoção
pois, como bem explica Joanna de Ângelis:
A pessoa indiferente, no entanto,
não ouve nem quer ver, de alguma forma acomodando-se à
situação mental e física em que mergulha. (10)
E, enquanto permanecer no íntimo
humano, a indiferença, representada pela aceitação
dos frutos venenosos da corrupção, marcará a marcha
evolutiva do indivíduo porquanto, nas palavras de Hammed:
Carmas são estruturados não
somente sobre nossos feitos e atitudes, mas também sobre nossas
sentenças e juízos, críticas e opiniões.
(11)
A indiferença de hoje será
o passaporte da privação amanhã!

4. Caminho para uma sociedade pautada na justiça

Para justificar essa postura acomodada,
irresponsável, indiferente ao sofrimento alheio, é comum
a invocação, até mesmo entre espiritistas, do dever
de resignação perante as mazelas do mundo.
Todavia, tal linha de argumentação
é incabível porquanto a resignação não
se confunde com passividade, com comodismo, com conformismo. É
um agir sem revolta para remover tudo aquilo que representa o mal, a
perversão de propósito, dentro da esfera de possibilidades
individuais.
Tanto é assim que a veneranda
Joanna de Ângelis ensina, com muita propriedade, que:
A resignação deve ser
um estado de aceitação da ocorrência – dor
sem revolta, porém atuando para erradicá-la. (12)
A pessoa resignada movimenta-se, trabalha
para superar as dificuldades, faz toda caridade possível, porém,
sem qualquer lamentação ou revolta.

A resignação é a ação
com amor.
Para melhor compreensão da palavra resignação,
conforme ensinamento dos espíritos superiores, importante se
faz o estudo, conquanto breve, da vida de Martin Luther King.

Esse Pastor Batista e Teólogo
Protestante liderou manifestações, boicotes, marchas,
promovendo uma verdadeira resistência não violenta contra
o racismo institucionalizado em seu país, Estados Unidos da América,
inclusive, em leis.
A sua batalha em defesa dos direitos
civis da população afro-estadunidense iniciou-se em 1955,
ao liderar o boicote ao transporte da cidade Montgomery, Alabama, que
perdurou por um ano, para protestar contra um ato discriminatório
praticado contra uma passageira negra. E não foi uma batalha
fácil. Durante esse período, a sua residência foi
alvo de ataques dos seus adversários.
Sem disparar um tiro, sem derramar uma
gota de sangue, mas com muito suor e coragem, essa inquestionável
figura histórica concorreu decisivamente para conquistas que
mudaram definitivamente a face dos Estados Unidos da América
e que serviram de exemplo para os defensores dos direitos humanos espalhados
pelo globo terrestre.
Essas apertadas linhas permitem inferir
que, ao estudar a vida de Martin Luther King, estuda-se a vida de um
líder incansável, que jamais desistiu dos seus ideais,
mesmo diante das mais variadas agressões dirigidas contra a sua
pessoa e a de seus familiares. E o mais interessante: estuda-se um líder
sempre coerente com os seus princípios pacifistas, que jamais
cedeu aos reclamos dos mesquinhos jogos da política.
A sua linha pacifista foi consagrada
no seguinte trecho do seu mítico discurso Eu tenho um sonho:
Mas há algo que eu tenho que
dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio
da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo
direito, nós não devemos ser culpados de ações
de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade
bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós
sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade
e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo
protesto se degenere em violência física. Novamente e
novamente nós temos que subir às majestosas alturas
da reunião da força física com a força
de alma. (13)
Há, nessas palavras, o real sentido
do vocábulo resignação, conforme ensinado pelos
espíritos superiores: luta incessante destituída da mácula
do ódio.
Uma alma dada ao comodismo, possuidora
de uma deficitária compreensão da resignação
ensinada no cristianismo redivivo, dificilmente entenderá as
motivações que levaram pessoas como Martin Luther King
a sacrificar a própria existência em favor do interesse
coletivo, sem jamais ceder aos apelos da corrupção.
Porém, explica Vianna de Carvalho
que as ações desses importantes vultos históricos
se sucedem na História porque o espírito, quando:
Conhecedor dos seus deveres e direitos
espirituais, ele se socializa e adquire capacidade política,
a fim de contribuir em favor da evolução da Humanidade,
conquistando, de forma consciente, a sua cidadania. (14)
Com isso, chega-se à certeza
de que o estado de barbárie institucionalizado nesta República
decorre do fato dos seus habitantes, inclusive os que seguem alguma
orientação religiosa, não assumirem a responsabilidade
pela construção de uma sociedade realmente livre, justa
e solidária, pautada no respeito à dignidade da criatura
humana.

E quando se fala em responsabilidade,
não se pode admitir qualquer pensamento tolerante com os atos
de corrupção vez que, segundo Joanna de Ângelis:
A responsabilidade, para ser verdadeira,
não pode compactuar com a delinqüência, nem ignorar
os mínimos deveres de respeito para com a vida e para com as
demais criaturas. (15)
Portanto, sem receio de cometer engano,
pode-se asseverar que as pessoas dotadas de responsabilidade, por não
compactuarem com as trevas, não aceitam como normal o envolvimento
de políticos em atos de corrupção ou com aqueles
sabidamente corruptos nem apoiam práticas assistencialistas ou
clientelistas.
Em verdade, as pessoas responsáveis
não toleram qualquer perspectiva de entendimento no sentido de
que o jogo político exige concessões à corrupção,
e, destarte, às suas mais variadas formas de manifestação,
porquanto todos sabem que não se constrói o bem comum
com a argamassa da prostituição infantil, da desnutrição,
das precárias condições sanitárias e de
saúde, entre outras nefastas mazelas típicas de uma realidade
injusta e cruel.
A luz jamais faz concessões às
trevas.
Seguindo essa alcatifa de idéias,
deságua-se na certeza de que a solução para os
graves problemas sociais experimentados pela população
miserável e pobre desta nação perpassa pela mudança
da postura política daqueles que possuem acesso às condições
mínimas para uma vida digna e, portanto, aos meios de informação.

É claro que não se trata
de uma mudança caracterizada pela violência, pelo ódio.
Trata-se de uma mudança caracterizada pela vontade de ajudar
na construção de uma sociedade realmente livre e igualitária,
voltada à superação de suas chagas sociais, por
meio de atos pacíficos, responsáveis, a exemplo de Martin
Luther King.

Não se pode olvidar, como tantas
vezes olvidou a Humanidade, que:
O pacifismo, portanto, não
pode ser confundido com a pasmeira a que se entregam algumas criaturas
receosas e inconscientes de que a luta não pode ser encarada
somente sob o ponto de vista da destruição, mas sim,
pelo empenho persistente para a transformação da sociedade
por meio do indivíduo que a constitui.(16)
Havendo essa mudança de postura,
as práticas imorais, contrárias ao interesse público,
deixarão de figurar como atos normais, toleráveis, e passarão
a ser rejeitadas, reprovadas, pela coletividade. As urnas deixarão
de retratar a condescendência criminosa de um povo para retratarem
a fiel vontade coletiva de construir uma sociedade orientada pela dignidade
da pessoa humana, independentemente da origem social, étnica
ou religiosa. E, com isso, os maus políticos serão afastados
para darem lugar aos que, realmente, estão comprometidos com
o bem comum.
Por óbvio, essa mudança
de postura exigirá das pessoas consideráveis esforços.
Para alguns, próximos aos de Martin Luther King. Para a maioria,
a substituição do tempo dedicado às novelas, aos
realitys shows, aos programas de auditório pelo maior contato
com telejornais, documentários, jornais, livros, ou seja, com
tudo aquilo que é necessário à compreensão
da realidade política e social pátria. Alfim, a superação
da indiferença e a consecução do senso de cidadania.

5. O papel do espírita na sociedade brasileira

No Livro dos Espíritos encontra-se
o seguinte:
642. Para agradar a Deus e assegurar
a sua posição futura, bastará que o homem não
pratique o mal?
“Não; cumpre-lhe fazer
o bem no limite de suas forças, porquanto responderá
por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.”
(17)
Ora que bem.
Se a indiferença com a corrupção
e, por via de consequência, com as suas nefastas consequências
constitui motivo de reprovação para os não espíritas,
com mais razão constituirá para os espiritistas porquanto
conhecedores da necessidade de empreender todo esforço possível
para evitar ou minorar o sofrimento humano.
De fato, uma vez conhecedor das leis
cármicas, das propriedades dos fluidos, do seu papel na construção
de um mundo melhor, cabe ao espírita, inicialmente, afastar de
sua mente qualquer pensamento tolerante com a corrupção,
com as chagas morais que corroem a política pátria, para
não contribuir com a formação de uma psicosfera
contrária às leis do eterno Pai Celestial.

Feito isso, há necessidade do
espírita instruir-se, não só com obras espíritas,
mas também com outras que possibilitem conhecimento da realidade
e, assim, elementos para nela atuar de acordo com os valores do cristianismo
redivivo. Sem conhecimento da realidade concreta, do mundo dos homens,
poderá o espírita possuir excelentes intenções,
porém, não possuirá todas as ferramentas necessárias
à construção do bem comum.
Não se almeja com isso justificar
a transformação da tribuna espírita em palanque
político nem o espírita em agente político. Como
já decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Engel V.
Vitale (1962), “a união entre governo e religião
tende a destruir o governo e a degradar a religião” (18.)
Basta um breve olhar sobre a História
para se identificar a precisão dessa sentença.

No entanto, como cidadão consciente
do seu papel na sociedade, o espírita precisa empreender todos
os esforços necessários à construção
de uma sociedade efetivamente civilizada, guiada pelos sentimentos genuinamente
saudáveis, pautada na consagração da dignidade
da criatura humana, seja por meio de emissão de pensamentos contrários
à corrupção, seja por meio do voto criterioso,
seja por meio de protestos pacíficos contra desvios nas ações
governamentais.
De qualquer forma, um espírita
fiel aos postulados cristãos jamais compactua com o mal, nem
mesmo em pensamento.
É claro que não será
um trabalho fácil. A simples mudança de postura no sentido
de buscar o esclarecimento necessário ao exercício da
cidadania poderá, não raro, revelar um grande esforço.
E isso se dará porque a saída da inércia sempre
exige o emprego de uma força muito maior do que é necessária
à manutenção do movimento.

A incompreensão, a intolerância,
as perseguições, a solidão nos momentos decisivos
são as etapas subsequentes de quem se envereda pelo caminho do
bem. É o que se identifica quando se estuda criteriosamente a
vida daqueles que contribuíram decisivamente para o avanço
da Humanidade, a começar pelo mestre Jesus.
Todavia, vencidas essas etapas, erguidos
serão os alicerces imprescindíveis à evolução
coletiva, conquanto a conclusão da obra exija tempo, longo na
concepção humana, mas breve perante a Divindade.
Ademais, se, em termos coletivos, configurarão
sementes a germinar, em termos individuais, todos esses esforços
em prol do bem comum configurarão largos passos dados em favor
da própria evolução porquanto, conforme ensinamento
de Joanna de Ângelis:
Atitude decisiva de trabalhar
em favor do próprio e do progresso geral, quando é adquirida
a responsabilidade que promove o ser interiormente, é conquista
significativa. (19)
6. Referências:
1Miséria. Titãs. Composição:
Paulo Miklos / Sergio Britto / Arnaldo Antunes.
2b Caminho, verdade e vida. Emmanuel; [psicografado
por] Francisco Cândido Xavier, p. 106. Disponível em <http://www.oconsolador.com.br/linkfixo/bibliotecavirtual/caminhoverdadeevida.pdf>
2Justiça e amor/ pelo espírito Camilo;
[psicografado por] J. Raul Teixeira. – 2º Ed. Niterói,
RJ: Fráter, 1997, p. 50.
3, 4, 5, 6, 17 L.E.
7, 13 http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dream.htm.
8 Vigilância. Joanna de Ângelis; [psicografado
por] Divaldo Pereira Franco. 2ª ed. Salvador, BA: Espírita
Alvorada, 2000, p. 27.
9 As dores da alma/pelo espírito Hammed; [psicografado
por] Francisco do Espírito Santo Neto. – Catanduva, SP:
Boa Nova Editora, 1998, p. 126.
10 Joanna de Angelis responde/[psicografado por] Divaldo
Pereira Franco; organizado por José Maria de Medeiros Souza –
Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada Editora, 1999, p. 50.
11 As dores da alma/pelo espírito Hammed; [psicografado
por] Francisco do Espírito Santo Neto. – Catanduva, SP:
Boa Nova Editora, 1998, p. 47.
12 Elucidações psicológicas à
luz do Espiritismo/pelo Espírito Joanna de Ângelis; [psicografado
por] Divaldo Pereira Franco; organização de Geraldo Campetti
Sobrinho, Paulo Ricardo A. Pedrosa. – Salvador, BA: Livr. Espírita
Alvorada, 2002, p. 288.
14 Atualidade do Pensamento Espírita/pelo Espírito Vianna;
[psicografia de] Divaldo Pereira Franco. – Salvador, BA: Livr.
Espírita Alvorada, 1999, p. 41.
15 Elucidações psicológicas à
luz do Espiritismo/pelo Espírito Joanna de Ângelis; [psicografado
por] Divaldo Pereira Franco; organização de Geraldo Campetti
Sobrinho, Paulo Ricardo A. Pedrosa. – Salvador, BA: Livr. Espírita
Alvorada, 2002, p. 289.
16 Diretrizes para o êxito. Joanna de Ângelis;
[psicografado por] Divaldo Pereira Franco. Salvador, BA: Espírita
Alvorada, 2004, p. 38.
18 NETO, Manoel Jorge e Silva. A SUPREMA CORTE NORTE-AMERICADA E A LIBERDADE
RELIGIOSA. REVISTA ELETRÔNICA DE DIREITO DO ESTADO (REDE), Salvador,
Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 17, janeiro/fevereiro/março,
2009. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>
. Acesso em 01 de agosto de 2010.
19 Iluminação Interior. Joanna de Ângelis;
[psicografado por] Divaldo Pereira Franco. Salvador, BA:Espírita
Alvorada, 2006, p. 68.
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