Espiritualidade e Sociedade



Gabriel Delanne

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Gabriel Delanne
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A mediunidade mecânica

 

Sumário:

– O espiritismo é uma ciência de observação

– O médium é o instrumento necessário para estabelecer relações entre os homens e os espíritos

– Influência do organismo nas manifestações

– Influência do espírito do médium

– Automatismo da escrita

– O caso do dr. Cyriax

– As explicações dos sábios: Taine, dr. Carpenter, Carl du Prel, Hartmann, Aksakof

– Os diferentes tipos de escrita

– Em círculo, em espiral, às avessas

– A escrita em espelho

– Diferentes letras do mesmo médium

– Os casos do reverendo Stainton Moses, de Kate Fox, da sra. Piper

– Escritas misturadas em línguas estrangeiras

– Deve-se estudar as características que separam a escrita automática da produzida pelos espíritos, denominada escrita mecânica.

__________

 

Introdução

Os espíritas foram frequentemente acusados de credulidade inveterada, e se, por vezes, em casos particulares, os críticos tiveram razão, não é justo englobar todos os adeptos nessa reprovação. A verdade, ao contrário, é que a maioria dos partidários do espiritismo só chegaram à convicção após haver estudado longamente os fenômenos, após ter vencido seus preconceitos e ter-se persuadido experimentalmente de que a existência dos espíritos é uma realidade indiscutível. Acontece com os espíritas, o que ocorre em todas as coletividades; nelas encontram-se inteligências em diversos graus de desenvolvimento. Uns, por falta de discernimento e de educação científica, aceitam, sem verificá-las, as mais improváveis afirmativas que lhes chegam pelo canal dos médiuns; outros procuram compreender os fatos, analisando-lhes o modo de produção, e do ponto de vista da sua capacidade intelectual. Entre estes últimos podemos incluir as eminentes inteligências que recentemente foram conquistadas pelo espiritismo, tanto por uma paciente investigação como pela evidência irrefutável das manifestações.

O domínio filosófico, por sua vez, foi ampliado em notáveis proporções pela psicologia experimental, isto é, por um método que associa ao senso íntimo, à análise introspectiva, o estudo dos fenômenos da vida que têm, ao mesmo tempo, um aspecto fisiológico e um correlativo psíquico. Entre os processos empregados, o sonambulismo hipnótico forneceu o meio de proceder a experiências; todas as modalidades da sensibilidade, da memória ou da vontade puderam ser submetidas, em conjunto ou separadamente, a investigações variadas, a verdadeiras manipulações, de modo a lançar uma luz toda nova sobre seu mecanismo e sobre suas relações recíprocas. O paciente hipnótico foi o instrumento que tornou essas descobertas possíveis.

Para o estudo do mundo espiritual, precisamos igualmente de um instrumento, de um intermediário entre a humanidade terrestre e a humanidade póstuma. Nós, o encontramos: é o médium. Como possui uma alma e um corpo, pela primeira ele tem acesso à vida do espaço, e pelo outro liga-se à Terra, podendo servir de intérprete entre esses dois mundos. Temos, evidentemente, o maior interesse em conhecer bem esse transmissor, a fim de poder utilizar-lhe todas as propriedades. É urgente especificar o que ele é capaz de fazer por si mesmo, a fim de não confundirmos sua ação com a que é exercida sobre ele. Nos fenômenos da mediunidade, portanto, devemos definir:

1° A parte que se deve atribuir ao organismo material do indivíduo;

2° a que é atribuível ao seu próprio espírito;

3° a que lhe é estranha e, neste caso, saber se provém dos assistentes ou de uma intervenção completamente independente.

Desde a origem do espiritismo, essas distinções foram feitas; vemo-las bem nitidamente indicadas na obra de Allan Kardec.

 

Influência do organismo

Quando o espírito, após a morte, habita o espaço, se quiser mover um objeto físico ou atuar sobre um encarnado, ele deve pedir emprestada a energia de que é desprovido a um organismo vivo, capaz de fornecer-lhe: o médium é esse gerador. Todo ser humano apto a exteriorizar sua força nervosa poderá servir de médium (7). A mediunidade não é, pois, uma faculdade sobrenatural, um dom miraculoso; depende simplesmente de uma propriedade fisiológica do sistema nervoso, não tem necessariamente qualquer relação com a moralidade ou com o nível intelectual do médium. Ao encontrar médiuns indignos, não devemos surpreender-nos mais do que nos espantamos ao ver uma boa aparência em malfeitores, finura em gatunos ou eloquência em certos políticos. Os espíritos enfatizaram com freqüência essa característica física da mediunidade. À pergunta feita por Allan Kardec, se o desenvolvimento da mediunidade tem ligação com o desenvolvimento moral do médium, foi-lhe respondido (8):

Não, a faculdade propriamente dita tem a ver com o organismo; independe do moral. O mesmo, porém, não acontece com seu uso, que pode ser bom, ou não, conforme as qualidades do médium.

Em outro ponto, o espírito Erasto diz também:

Já o dissemos: os médiuns, quando na sua função, têm apenas uma influência secundária nas comunicações dos espíritos; seu papel é o de uma máquina elétrica, que transmite telegramas de um determinado ponto a outro ponto distante da Terra. Assim, quando queremos ditar uma comunicação, atuamos sobre o médium como o encarregado do telégrafo sobre seu aparelho…

Na sequência, veremos que a emissão da força nervosa está em relação direta com o estado de saúde do médium, e estudaremos as variações que resultam dessa causa para a obtenção das comunicações.


Influência do espírito do médium

Há alguns anos, psicólogos ingleses e franceses pretenderam explicar a escrita automática dos médiuns pela ação da subconsciência do indivíduo, agindo à revelia da personalidade normal. Existiria assim, nos médiuns e nos histéricos, uma segunda consciência, desconhecida da primeira, que teria uma característica particular e conhecimentos ignorados pelo indivíduo quando no seu estado normal.

Esse eu desagregado seria o único autor da escrita, e o desconhecimento do escrevente relativamente aos caracteres que sua mão traça, de modo algum confirmaria a intervenção de uma inteligência estranha. Estudaremos detalhadamente essas observações, para delas guardar o que existe de interessante do ponto de vista do mecanismo automático da escrita, mas mostraremos que o caráter essencial da mediunidade mecânica não reside no ato involuntário de escrever, e sim no conteúdo intelectual da mensagem assim obtida.

Descreveremos o fenômeno da escrita mecânica de um modo geral, depois passaremos em revista as particularidades especiais que dizem respeito, quer ao mecanismo da comunicação, quer ao conteúdo intelectual das mensagens.


Automatismo da escrita

Entre as numerosas manifestações espíritas, uma das mais convincentes para quem delas é objeto é, incontestavelmente, a escrita mecânica, também chamada automática. Sentir seu braço agitado por movimentos involuntários, ver a própria mão escrever sob a influência de uma vontade que não é a sua, traçar sem interrupção páginas inteiras, cujo sentido se ignora, é um fato bem apropriado para levar a crer que se está sob a influência de uma força estranha com a qual se deseja travar o mais amplo conhecimento. Não se chega a esse resultado instantaneamente; às vezes são necessárias numerosas tentativas antes de conseguir escrever fluentemente. Eis um relato instrutivo que descreve fielmente as fases pelas quais geralmente se passa. Deve-se ao dr. Cyriax, diretor do Spiritualistische Blaelter (9).

O autor conta que, querendo proteger-se de qualquer fraude, tinha resolvido estudar em família as mesas girantes. Manteve vinte sessões sem obter resultados, e estava a ponto de abandonar sua investigação quando, na vigésima primeira vez, constatou alguns movimentos. Passemos-lhe a palavra:

Nessa vigésima primeira sessão, inesperadamente tive uma sensação muito particular, ora de calor, ora de frio; em seguida percebi uma espécie de corrente de ar frio passando-me no rosto e nas mãos, depois pareceu-me que meu braço esquerdo ficava dormente; mas a impressão era bem diferente da de fadiga que eu havia tido nas outras sessões, e que podia fazê-la passar, seja mudando o braço de posição, seja movendo-o, bem como a mão ou os dedos.

No momento, meu braço estava por assim dizer paralisado, e minha vontade era incapaz de fazê-lo mexer-se, assim como os dedos; a seguir tive a sensação de que alguém punha meu braço em movimento e, fosse qual fosse a rapidez com que ele se agitava, não conseguia detê-lo.

Como esses movimentos tinham alguma analogia com os que fazemos para escrever, minha mulher foi procurar papel e um lápis, que pôs sobre a mesa. De repente minha mão apanha o lápis e, durante alguns minutos, traço caracteres no ar com uma rapidez incrível, de modo que meus dois vizinhos eram obrigados a jogar-se para trás para não serem atingidos, e após o que minha mão cai bruscamente sobre o papel, risca-o violentamente e quebra a ponta do lápis. Agora, minha mão repousava sobre a mesa, eu compreendia perfeitamente que minha vontade estivera completamente alheia aos movimentos que eu acabara de executar, assim como estava alheia na fase atual de repouso. O fato é que eu não tinha conseguido parar meus gestos e que agora, tampouco, podia movimentar o braço, que continuava insensível e como se não me pertencesse mais.

Mas, quando o lápis, novamente apontado, foi recolocado ao meu alcance, minha mão pegou-o e começou a estragar várias folhas de papel, cobrindo-as com grandes traços e rasgões; depois acalmou- se e, para nosso grande espanto, pôs-se a fazer exercícios de escrita iguais aos que se manda crianças fazerem: primeiro, traços, pernas de letras, depois N, M, A, C. etc., finalmente o O, sobre o qual me demorei até que a força que animava meu braço conseguiu fazê-lo mover-se em círculo, sempre o mesmo, com grande rapidez. Depois disso, a força parecendo esgotada, a agitação do meu braço cessou. Senti uma nova corrente de ar frio passando outra vez através da minha mão e sobre ela, e logo todo cansaço e toda dor haviam desaparecido.

Embora o dr. Cyriax residisse na América no momento em que fazia suas primeiras tentativas, sua descrição é bem semelhante à que Allan Kardec faz a respeito do início da escrita mecânica. Eis, com efeito, o que diz o grande iniciador (10):

O primeiro indício de uma disposição para escrever é uma espécie de vibração no braço e na mão; pouco a pouco a mão é arrebatada por um impulso que não consegue dominar. Às vezes, ela só traça inicialmente riscos insignificantes; depois, as letras se desenham cada vez mais nitidamente, e a escrita acaba adquirindo a rapidez da escrita corrente. Em todos os casos, deve-se abandonar a mão ao seu movimento natural, e não acrescentar-lhe resistência, nem propulsão. Alguns médiuns escrevem fluentemente e com facilidade desde o início, às vezes até mesmo desde a primeira sessão, o que é muito raro; outros ficam durante bastante tempo fazendo traços e verdadeiros exercícios de caligrafia…

Eugène Nus também conta como a mediunidade da escrita se desenvolveu no seu amigo Brunier (11):

Brunier tornou-se mais tarde o que, na linguagem espírita, se chama médium escrevente. Vimos nascer e desenvolver-se nele essa faculdade automática; ele pegava um lápis e deixava correr a mão, que começava por traçar linhas informes. Pouco a pouco, conseguiu formar caracteres quase nítidos e, por fim, escrever correntemente…

Quando pegava um lápis para entregar-se a esses exercícios, sua mão se transformava numa verdadeira máquina, com movimentos nervosos, espasmódicos, rápidos, principalmente rápidos.

Lembro-me daquele lápis às vezes fazendo perguntas a um de nós e, quando a resposta não vinha rápido como o pensamento, agitando-se com impaciência, arranhando convulsivamente o papel, que enchia de pontinhos, e escrevendo com força:

— Ora, Nus, responda… responda Meray, estou ficando aborrecido… Recentemente encontrei entre velhos papéis calcados por seu lápis várias páginas assim escritas, sem que seu espírito tivesse consciência, e que, após tê-las riscado, lia com tanta curiosidade quanto nós.

Acabamos de constatar que esse também era o caso do dr. Cyriax. Passemos-lhe a palavra:

Tendo-se restabelecido a calma, encerramos a sessão, felizes por termos constatado a manifestação de uma força independente da nossa própria vontade, a que nos era impossível resistir; quer fosse magnética ou espírita, ou proviesse da atividade inconsciente do cérebro, era uma questão reservada até nova ordem.

Vemos, por essa última frase, que o observador estava a par das teorias que explicam a escrita automática pela subconsciência, que chama de atividade inconsciente do cérebro; veremos agora como adquiriu a convicção de que a influência que o dirigia era-lhe completamente alheia:

Por mais insignificante que tenha sido o resultado obtido, não ficamos tranquilos antes de ter tentado outras experiências. No dia seguinte, à noite voltamos ao trabalho e dessa vez a espera não foi longa. Mal haviam decorrido cinco minutos e já sentia o ar frio, e a mesma sensação era experimentada por meus colegas; depois sobrevieram-me movimentos bruscos e às vezes muito dolorosos na mão esquerda, que de quando em quando batia durante vários minutos seguidos na borda da mesa, com pancadas desferidas com tal violência que eu achava que devia estar esfolada; para minha surpresa, mais tarde não descobri o menor ferimento, e todo vestígio de dor desapareceu como por encanto.

A partir daquele dia, minha mediunidade desenvolveu-se rapidamente. Comecei a escrever com a mão esquerda, inicialmente como exercício; depois vieram comunicações de diferentes espíritos, e uma noite desenhei uma cestinha de flores. Devo dizer que no estado normal sou muito desajeitado com a mão esquerda, não conseguindo usá-la para comer, muito menos para escrever; quanto ao desenho, minha habilidade e pouca, mesmo com a mão direita.

Agora eu tinha adquirido a mais completa certeza de que a força que escrevia e desenhava por meu intermédio era independente de mim, e que devia residir em outra inteligência que não a minha, porque, durante as manifestações, eu conservava toda a minha lucidez; não sentia qualquer inconveniente, salvo no que concerne ao meu braço esquerdo que, durante toda a sessão, parecia não me pertencer e dava-me a impressão de estar sendo utilizado por alguém, sem que eu o soubesse e contra a minha vontade. Meu espírito tinha tão pouco a ver com isso que, enquanto minha mão escrevia, eu podia conversar à vontade com as outras pessoas do círculo. Um colega que um dia assistia à sessão, querendo deter o movimento da minha mão e tendo, para tanto, colocado as suas mãos de modo a apoiar sobre a minha todo o peso do seu corpo, definitivamente nada conseguiu; minha mão continuou seu trabalho com força e regularidade, ao passo que eu mal percebia o peso das mãos apoiadas na minha.

Vemos por esse relato que o dr. Cyriax, segundo suas próprias palavras, havia adquirido a mais completa certeza de que a força que escrevia e desenhava por seu intermédio era-lhe absolutamente estranha. O automatismo do braço e da mão, o desconhecimento da ideia que se inscrevia no papel, parecem-lhe uma prova irrefutável da intervenção de outra inteligência que não a sua. Pois bem! Se acreditarmos em certos psicólogos que estudaram essa questão, essas duas características não provam de modo algum que esteja em jogo outro agente que não o próprio doutor, porque é um personagem oculto nele, uma segunda personalidade, de cuja existência não se suspeita, a causa que o faz mover a mão, e a inteligência que se distingue da sua. Eis algumas reflexões desses observadores céticos.


Os sábios

Segundo Taine, pode perfeitamente acontecer que em certos indivíduos se produza um desdobramento mental espontâneo que cria duas personalidades distintas, que se ignoram, embora existam simultaneamente. Eis como ele expõe esta curiosa hipótese (12):

As próprias manifestações espíritas nos mostram a coexistência, ao mesmo tempo, no mesmo indivíduo, de duas vontades, de duas ações distintas, uma da qual ele tem consciência, a outra da qual não tem consciência e que atribui a seres invisíveis.

Vi uma pessoa que, conversando, cantando, escreveu sem olhar para o papel frases inteiras, sem ter consciência do que escreveu. A meu ver, sua sinceridade é perfeita; ora, ela declara que ao terminar a página não tem a menor ideia do que traçou no papel; quando lê, fica admirada, as vezes alarmada. A letra é diferente da sua letra normal. O movimento dos dedos e do lápis é obstinado e parece automático. O texto sempre termina com uma assinatura, a de uma pessoa morta, e traz a impressão de pensamentos íntimos, de conteúdo confidencial, confidencial, que o autor não gostaria de divulgar. Certamente, constata-se aqui um desdobramento do eu, a presença simultânea de duas séries paralelas e independentes de dois centros de ação, ou, se preferirmos, de duas pessoas morais justapostas no mesmo cérebro; cada uma delas tem uma tarefa, e são tarefas diferentes, uma no palco, a outra nos bastidores.

Será fácil mostrarmos que o escritor formula uma simples hipótese que não se apóia em nenhuma prova. Ele parece ter considerado que a crença nos espíritos não merecia sequer uma discussão, assim apresenta o argumento de uma segunda personalidade, sem dar-se ao trabalho de justificá-la de outro modo a não ser por sua afirmação. Se outros fatos extraídos do estudo do magnetismo e da observação de casos de personalidades múltiplas não tivessem vindo apoiar essa maneira de ver, nós o teríamos ignorado, porque existe uma grande quantidade de casos que sua hipótese não explica, como veremos a seguir; mas ela assumiu um caráter sério a partir do momento em que numerosas pesquisas vieram dar-lhe uma aparência verdade, por isso temos o dever de estudar atentamente o que chamam de automatismo psicológico, subconsciência, eu subliminar etc.

Na Inglaterra o dr. Carpenter (13) formulou uma teoria sobre o que ele chama cerebração inconsciente, que muitas vezes foi usada para explicar as comunicações espíritas. Infelizmente, como observa Alfred Russel Wallace (14), o sábio doutor não citou nenhum dos fenômenos de clarividência bem comprovados que estabelecem a precariedade da sua hipótese.

Na Alemanha, Carl du Prel e Hartmann são partidários do inconsciente, ou seja, de um segundo eu, diferente da personalidade normal, que permanece desconhecido durante nossa vida e possui, pela clarividência e pelo desdobramento, conhecimentos que jamais poderíamos adquirir pelos sentidos. Com a teoria do segundo eu, fazem-nos supor que essa metade oculta de nós mesmos, embora tendo faculdades superiores às nossas, nem sequer percebe que faz parte de nós; ou, se o sabe, mente com persistência, já que, na imensa maioria dos casos, ela adota um nome distinto e se faz passar por uma individualidade que viveu na Terra.

Por sua vez, nosso caro defensor Aksakof, adotando em parte essas ideias, escreve (15):

1) Existe no homem uma consciência interior, aparentemente independente da consciência exterior, e que é dotada de uma inteligência e de uma vontade que lhe são próprias, bem como de uma faculdade de percepção extraordinária; essa consciência interior não é conhecida pela consciência exterior, nem controlada por ela; não é uma simples manifestação desta última, pois essas duas consciências nem sempre agem simultaneamente; segundo o sr. Hartmann, é uma função das partes medianas do cérebro; segundo a experiência de outras pessoas, é uma individualidade, um ser transcendental. Deixaremos de lado essas definições; basta-nos dizer que a atividade psíquica do homem apresenta-se como dupla: atividade consciente e atividade inconsciente — externa e interna — e que as faculdades desta última superam em muito as da primeira.

2) O organismo humano pode agir à distância, produzindo um efeito não só intelectual ou físico, mas até mesmo plástico, dependendo, conforme tudo leva a crer, de uma função especial da consciência interior. Essa atividade extracorpórea é independente, parece, da consciência exterior, que dela não tem conhecimento, nem a dirige.

Após haver estudado os fatos, veremos que todas essas hipóteses podem perfeitamente conciliar-se, ao admitir-se que a alma, desligada do organismo, goza de poderes maiores — clarividência, desdobramento etc. — do que no estado normal, e que é ao retornar ao corpo que a lembrança do que acabou de fazer se perde. Porém, no momento em que exercia suas faculdades, ela estava consciente, e o esquecimento do que acontece durante o desligamento é que fez com que se acreditasse em duas individualidades distintas e independentes.

Nossos sábios franceses não vão tão longe quanto Carl du Prel e Hartmann. Limitam-se ao estudo dos fenômenos observados e a histéricos, quer no estado normal, quer durante hipnose, e negligenciam também, voluntariamente, tudo que não tenha uma explicação estritamente materialista, de modo que concluem por uma desagregação da consciência, que se separaria em personalidades secundárias, coexistentes com o eu normal, e produzindo todos os fenômenos que se podem atribuir à consciência comum. Antes de analisar-lhes os trabalhos é conveniente conhecer as múltiplas formas da escrita mecânica. Ao observar-lhe todas as singularidades, compreender-se-á melhor a complexidade do problema.


Os diferentes tipos de escrita

Não podemos ignorar que se pode escrever inconscientemente, quer segurando uma caneta ou um lápis, como habitualmente, quer pousando a mão sobre uma prancheta apoiada em três pés, um dos quais é substituído por um lápis. Então sem uma intervenção voluntária por parte do operador, o leve instrumento põe-se em movimento e traça letras ou desenhos complicados. Esse processo foi muito usado há uns quarenta anos e ainda é bastante utilizado na Inglaterra e na América. Eis um relato que descreve bem o fenômeno (16):
Faço questão de lembrar que só me decidi a recorrer ao espiritismo em desespero de causa e cansado de hipóteses razoavelmente ousadas, pareciam-me, sobre a natureza e a origem dos fenômenos de que falei (movimento de objetos sem contato). Ao tentar a aventura de experiências mediúnicas, estava, portanto, disposto a arriscar-me a resultados equívocos.
A prancheta que deveria servir-nos estava colocada de modo que fosse quase impossível que a mão, levemente apoiada na borda inferior, puxasse para trás o lápis fixado na outra extremidade. Ora, assim que minha mulher a tocou com o dedo, a prancheta se pôs em movimento, começando com zigue-zagues e curvas, em todos os sentidos, como exercícios preparatórios, dir-se-ia; depois, logo pôs-se a escrever correntemente. Quanto a mim, nunca obtive sequer a barriga de um a. Particularidade a ser notada: as respostas solicitadas, na maioria das vezes, eram traçadas em espirais ou circularmente, às vezes em letras invertidas. O autor, fosse ele quem fosse, parecia gostar de vencer os obstáculos e dar provas da sua habilidade gráfica. Mas, suponhamos que isso nada prove e atribuamos essa exibição de destreza à eletricidade (ou ao inconsciente) desenvolvendo no médium um talento de que ele não suspeitava. Se em tais casos a eletricidade (ou o inconsciente), combinados com o desejo do médium, desempenham o papel que os incrédulos lhe atribuem, como explicar, por exemplo, a parada imediata e definitiva da prancheta após respostas como esta:
— Até amanhã, até à vista, por hoje chega; preciso deixá-los. Como explicar a recusa categórica a responder a certas perguntas?
Não há desejo, insistência ou ressentimento dos interrogadores que adiante; a prancheta não funciona mais. E, se foi fixada uma hora, somente na hora marcada ela se decide a pôr-se novamente em movimento. Constatei isso muitas vezes no decorrer das nossas experiências a dois.
O sr. Aksakof, cuja experiência nessas matérias é muito grande, chega às mesmas conclusões (17). Sendo todas as condições absolutamente as mesmas, frequentemente acontece que numa determinada sessão, quando tudo o que se deseja é assistir aos fenômenos obtidos na sessão precedente, não se obtém qualquer resultado, não há o mínimo movimento da mesa ou do lápis que o médium segura. É notório que muitas vezes um desejo intenso só prejudica as manifestações.

Estas, quando se produzem, não podem continuar ao bel-prazer dos assistentes. Assim, quando o espírito que se manifesta por uma comunicação escrita avisa que terminou, o lápis para — ou cai da mão do médium, se este está em transe — e repetireis em vão vossas perguntas, a mão não se mexe mais. O mesmo acontece numa sessão de efeitos físicos. Tão logo o fim é anunciado (por exemplo, pela palavra acabou, como era hábito na família Fox — Missing Link, p. 53), a mesa volta a ficar imóvel, e é inútil ficardes lá, ou tentar fazê-la mover-se: não se produz mais nenhum som, nenhum movimento.

O sr. William Howitt, um escritor apreciado na Inglaterra, numa carta endereçada ao reverendo B. H. Forbes (18), diz:
Conheço várias pessoas que escrevem, desenham e pintam sem qualquer esforço da sua parte, algumas sem jamais ter estudado desenho. Escrevi um volume inteiro sem ter necessidade de pensar nele e de modo completamente mecânico; executei uma série de desenhos circulares, cheios de pequenos objetos, todos diferentes uns dos outros, sendo os círculos formados tão regularmente quanto um compasso poderia produzi-los; no entanto, eram simplesmente feitos a lápis. Artistas aos quais os mostrei declararam que uma nova faculdade se revelara em mim; mas, infelizmente, a faculdade desapareceu, como se para provar que não me pertencia. Os desenhos ainda existem, mas eu não seria capaz de fazer uma única cópia, mesmo que minha vida dependesse disso.

Um parente nosso desenhou coisas lindas e extraordinárias, bem como legendas escritas da mesma maneira mecânica e involuntária; de modo que, em sua maioria, esses desenhos são acompanhados de notas explicativas, sendo que cada linha tem um sentido profundo. Vi a maior parte das manifestações produzidas pelos srs. Home, Squires e outros. Vi mãos de espíritos, toquei-as em várias ocasiões. Vi escritas traçadas pelos espíritos em papel posto no chão com um lápis.
Um certo sr. Salgue, de Angers, também escrevia em 1868 (19):
Temos, num círculo privado, uma jovem senhora, médium escrevente da maior capacidade, que gostamos de utilizar a metade do tempo, porque o que ela escreve, por meio da cestinha, com espantosa rapidez, é incontestavelmente produto dos espíritos, principalmente quando a escrita se processa em círculos, em espirais ou começa pela última letra da última palavra de uma frase, indo da direita para a esquerda.
Os caracteres da escrita nem sempre são traçados normalmente, como acabamos de constatar, e é um fato que se produz com frequência suficiente para ter atraído a atenção dos observadores. O sr. F. W. Myers diz a esse respeito (20):
Às vezes, a palavra ou mensagem que é escrita torna-se ininteligível; pode então ser abandonada como um contrassenso, mas um minucioso exame posterior mostrará que há um método nessa aparente confusão: a palavra foi simplesmente soletrada às avessas. Por exemplo, etion por noite etc.
Na Revista Espírita (21), temos um testemunho análogo do sr. cel. Devolluet, observação que ele fez com sua paciente, Amélie:
Enquanto conversamos com as senhoras, Amélie continua empunhando o lápis e nos chama a atenção para uma frase em língua estrangeira que ela acaba de obter. Nossa surpresa é enorme, mas logo que observamos as palavras “enq” e “ue”, que se repetiam duas vezes, achamos a pista: tratava-se de escrita às avessas, de que Amélie nunca tinha ouvido falar. A tradução era: — Que desejais que eu faça para agradar-vos? Caros amigos, como eu vos amo!
Voltemos agora ao sr. Myers:
A par da escrita às avessas já descrita, o automatista por vezes produzirá uma forma de escrita invertida, de uma maneira bem mais complexa, ou seja, para lê-la será necessário olhar através do papel, diante de uma luz, ou segurá-lo diante de um espelho. Conheço uma senhora que fazia rústicos desenhos automáticos, toscas figuras egípcias (interessantes sob outro ponto de vista, mas a princípio estranhas para mim). Entre essas figuras havia um ornato arquitetônico, com o que parecia ser uma inscrição hieroglífica. Essa senhora e seus amigos, levando a coisa muito a sério, tiveram bastante trabalho tentando decifrar esses caracteres a partir das analogias egípcias, sem consegui-lo. Alguns meses depois, uma pessoa bem informada sobre a escrita automática, pôs o papel diante da janela e leu facilmente o que era um nome inglês na escrita em espelho.
Um amigo nosso, muito conhecido, citou-me um caso em que a primeira experiência de escrita fora desse tipo. Ei-lo: “Uma irmã nossa, casada com um clérigo, tentava convencer-me de que toda escrita dita automática, de certa maneira inconsciente era apenas o ato do médium, por cuja mão era obtida, e, como prova, disse:
— Se empunhasse um lápis, minha mão nada escreveria, a menos que eu o desejasse. Pegou um lápis e papel; logo sua mão começou a mover-se apesar de todos os seus esforços para detê-la, e depois de vários rabiscos em círculos e em zigue-zagues, produziu algo que se parecia com escrita, mas que ninguém conseguiu decifrar. Ela parou de ocupar-se com isso, mas, ao fim de algum tempo, um de nós sugeriu que ela podia ter escrito às avessas e, segurando o papel diante de um espelho viram-se, bem legíveis, estas palavras:
— Tens razão, meu nome é Herman.”
Antes que isso fosse escrito, ela tinha pedido ao suposto espírito que dissesse seu nome e tinha zombado da sua aparente falta de habilidade para responder. Nenhum de nós se lembra de ter conhecido um vivo ou um morto com esse nome: ALGERNON JAY.
O sr. Aksakof, por sua vez, assinala o mesmo fenômeno (22).
Eis aqui — diz ele — um fato que recebi em primeira mão do nosso conhecido escritor Wsevolod Solovioff, que me deu por escrito:
“Estávamos no ano de 1882. Nessa época, ocupava-me com experiências de magnetismo e de espiritismo, e já há algum tempo sentia um estranho impulso que me levava a pegar um lápis com a mão esquerda e escrever; e, invariavelmente, a escrita se produzia muito rapidamente e com nitidez, em sentido inverso, da direita para a esquerda, de modo que só se conseguia lê-Ia segurando-a contra um espelho ou contra a luz…”
Às vezes a escrita mecânica, sem apresentar essas singularidades gráficas, varia no médium de modo a diferenciar-se profundamente da sua própria escrita, conforme as individualidades que se utilizam desse meio para transmitir-nos suas ideias. Bons exemplos disso nos são fornecidos pelo reverendo Stainton Moses no seu livro.

O reverendo Stainton Moses (A. Oxon) (23) era um dos mais notáveis escritores do espiritismo inglês, e pode-se dizer que, por sua elevação de pensamento, pela retidão do seu julgamento, pelos seus conhecimentos científicos e pela pureza da sua vida, soube inspirar uma simpatia universal.

Na sua obra, vemos a luta que se estabeleceu, desde o início, entre o médium e as inteligências que se manifestavam por seu intermédio. Imbuído dos limitados ensinamentos da teologia protestante, o escritor, a princípio, levanta-se energicamente contra as ideias novas que lhe chegam. Discute, argumenta, tenta refutar seus instrutores espirituais; insensivelmente, porém, é obrigado a admitir que a razão, a lógica não estão do seu lado, e depois de muitas lutas acaba por adotar o novo credo, mais em conformidade com a justiça e a bondade de Deus, que lhe mostram seus correspondentes invisíveis. Entre o espírito do reverendo Stainton Moses e os seres que se assinam Doctor, Imperator, Prudens etc., existem diferenças tais que não se pode cientificamente atribuir essas personalidades distintas a desdobramentos inconscientes da personalidade do médium. Aliás, em ocasiões diferentes essas inteligências lhe revelaram fatos absolutamente desconhecidos por ele e por todos os assistentes, os quais foram a seguir reconhecidos inteiramente exatos. Mais tarde voltaremos ao assunto (24). Cada um dos interlocutores espirituais caracterizava-se por uma escrita especial, que era sua marca pessoal, sua chancela de individualidade.
As primeiras comunicações — diz ele — foram todas num estilo uniforme, escritas em caracteres pequenos e assinadas Doctor (o instrutor). Nos anos seguintes, a forma das mensagens nunca mudou. Não importava onde, nem quando escrevia, sua escrita continuava idêntica, passando por menos mudanças do que a minha na última década. A maneira de expressar-se era sempre a mesma, concisa, sentia-se que se estava diante de uma individualidade bem determinada. Para mim, é alguém com particularidades mentais e morais tão nitidamente definidas quanto a dos seres humanos com os quais estou em contato, se não o ofendo comparando-o a eles.
Após um certo tempo, chegaram comunicações de outras fontes; distinguiam-se uma da outra por sua escrita peculiar e por traços pessoais de estilo e de expressão, que, uma vez assumidos, permaneceram invariáveis. Consequentemente, cheguei a conseguir dizer quem as escrevia, bastando ver a caligrafia.
Mas, apesar dessas diferenças gráficas e intelectuais entre as diversas comunicações, o reverendo Stainton Moses não era homem que se contentasse com um exame superficial; seu espírito metódico levava-o a pesquisar qual poderia ser a participação da sua inteligência no fenômeno, e anotou suas impressões da seguinte maneira:
É interessante saber se minhas próprias ideias não tiveram uma influência qualquer nos assuntos tratados nas comunicações. Fiz um esforço extraordinário para prevenir tal eventualidade. No início, a escrita era lenta e eu precisava acompanhá-la com os olhos, mas, mesmo nesse caso, as ideias não eram minhas. Aliás, as mensagens logo assumiram um caráter quanto ao qual eu não poderia ter dúvidas, uma vez que as opiniões enunciadas eram contrárias ao meu modo de pensar. Empenhava-me em ocupar meu espírito enquanto a escrita se produzia. Cheguei a ler uma obra abstrata, a acompanhar um raciocínio denso, enquanto minha mão escrevia com uma regularidade constante. As mensagens assim transmitidas cobriam numerosas páginas, sem correções, nem erros de redação, num estilo frequentemente belo e vigoroso. No entanto, não me sinto embaraçado ao admitir que meu próprio espírito era utilizado, e que o que era ditado podia depender, quanto à forma, das faculdades mentais do médium. Pelo que sei, sempre se pode encontrar indícios de particularidades do médium nas comunicações assim obtidas. E não pode mesmo ser de outra forma. Mas, fica a certeza de que as ideias que passaram por mim eram, em sua totalidade, hostis, opostas às minhas convicções firmadas. Além disso, em várias ocasiões, informações que certamente me eram alheias foram-me transmitidas, claras, precisas, definidas, fáceis de verificar e sempre exatas. Em muitas sessões, espíritos vinham e por pancadas na mesa davam informações sobre si mesmos, bem nítidas, como verificávamos a seguir. Em várias oportunidades, eu também recebi informações pela escrita automática.
Como é fácil ver, o reverendo Stainton Moses é um investigador metódico em quem se pode confiar, e como ele declara estar certo de que as comunicações não são dele, seja quanto à escrita, seja quanto ao fundo, como afirma que as inteligências que lhe dirigiam a mão indicaram-lhe coisas exatas que ele ignorava, deve-se admitir que os espíritos se manifestam, apesar da contrariedade que isso possa causar naqueles que vêem assim caírem suas negações fantasiosas.

A teoria de um desdobramento do eu, dando origem a uma personagem secundária, aqui é evidentemente insuficiente, porque não é mais uma única individualidade que aparece, mas várias, tendo cada uma delas sua característica especial, que se revela não somente por uma escrita particular, mas também por um estilo que se mantém durante anos, sempre idêntico. Pode-se conceber a coexistência de tantas personalidades separadas e tão diferentes num indivíduo que goze da integralidade das suas faculdades normais? Para explicar todos os fatos que devemos à observação espírita, seria preciso estender mais os poderes dessa subconsciência e supor que ela seja capaz de agir, simultaneamente e sem sabê-lo, fora e dentro do organismo do médium. Eis uma prova que devemos a W. Crookes (25):
Já foi provado que os fenômenos espíritas são governados por uma inteligência. É muito importante conhecer a origem dessa inteligência. Será a do médium ou a de uma das pessoas que estão no aposento, ou bem essa inteligência estará fora deles? Sem querer pronunciar-me definitivamente quanto a este ponto, posso dizer que, embora tendo contatado que em muitos casos a vontade e a inteligência do médium aparentavam ter bastante atuação nos fenômenos, observei também vários casos que parecem mostrar de maneira conclusiva a ação de uma inteligência externa e alheia a todas as pessoas presentes (26). O espaço não me permite expor aqui todos os argumentos que se pode apresentar para provar essas afirmações, mas, entre numerosos fatos, citarei livremente um ou dois.

Na minha presença, vários fenômenos produziam-se ao mesmo tempo, e o médium não tinha conhecimento de todos. Aconteceu-me ver a srta. Fox escrever automaticamente uma comunicação para um dos assistentes, enquanto uma outra comunicação sobre outro assunto, para outra pessoa, lhe era transmitida por meio do alfabeto e por pancadas, e durante todo o tempo o médium conversava com uma terceira pessoa, sem qualquer dificuldade, sobre um assunto completamente diferente dos dois outros…
Podemos relatar mais alguns testemunhos da mesma espécie, colhidos em diferentes autores dignos de todo crédito.
Lembro-me bem exatamente — diz o dr. Wolfe(27) — que um dia o sr. Mansfield, enquanto escrevia com as duas mãos em dois idiomas, me disse:

— Wolfe, você conhece na Colômbia um homem chamado Jacobs?
Respondi afirmativamente. Ele continuou:

— Ele está aqui e quer comunicar-lhe que deixou seu despojo mortal esta manhã.
Tive a confirmação da notícia. O fato acontecera a algumas centenas de milhas de distância. Que explicação se pode dar a esta tripla manifestação intelectual?
O reverendo J. B. Fergusson depõe sobre um fato semelhante (28). Um caso análogo ocorrido na Inglaterra é narrado nos Proceedings da Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Na América, R. Hodgson, um dos mais eminentes membros dessa sociedade, ao experimentar com a sra. Piper, conseguiu acompanhar com ela o desenvolvimento da mediunidade automática. Apresentamos aqui um resumo da sua dissertação, publicada nos Proceedings (29), que nos familiariza com as diversas fases que o fenômeno pode apresentar.

Observações do sr. R. Hodgson sobre a mediunidade da sra. Piper.
O primeiro caso de escrita automática que me foi dado observar pessoalmente produziu-se a 12 de março de 1892.
O assistente, que era uma senhora, tinha trazido, como meios de prova, diversos objetos, entre os quais um anel que havia pertencido a Annie D.
Phinuit (30) deu informações sobre aquela mulher e pronunciou o nome Annie, depois, no momento em que a sessão ia encerrar-se, a mão direita da sra. Piper pôs-se em movimento delicadamente, até elevar-se acima da cabeça. O braço pareceu fixar-se rigidamente nessa posição, como se contraído por um espasmo, ao passo que a mão estava agitada por um tremor rápido. Phinuit escreveu várias vezes: — Ela está segurando minha mão — e acrescentou: — ela quer escrever.
Pus um lápis entre os dedos e um bloco de anotações sobre a cabeça, abaixo do lápis. Nenhuma escrita se produziu, até que, aconselhado por Phinuit a segurar a mão, segurei-a com firmeza, no ponto de junção com o pulso, interrompendo assim os tremores, ou vibrações. Então ela escreveu: — Sou Annie D… (o nome foi transmitido exatamente). Não estou morta… Não estou morta, mas viva… não estou morta… o mundo… até breve… sou Annie D…
Os dedos largaram o lápis e Phinuit começou a murmurar:
— Baixe minha mão. Baixe minha mão.
O braço continuou contraído por mais alguns instantes, na mesma posição, depois, enfim, delicadamente e aparentando certa dificuldade, caiu para o lado, e pareceu que Phinuit recuperara seu domínio sobre ele.
Antes desse fato, eu tinha visto Phinuit escrever um pouco, mas não sabia que um outro agente tinha se apoderado da mão, enquanto Phinuit se manifestava ao mesmo tempo. Por essa época, soube pela srta. A. M. R., de quem descrevi no meu primeiro relatório algumas experiências com a sra. Piper, que seu amigo H…, de quem ela fala como tendo escrito enquanto possuía o corpo do médium, na ausência de Phinuit, escreveu várias páginas, no dia 23 de maio de 1891, e a srta. R… encontrou a nota que havia redigido a esse respeito: Escreveu enquanto Phinuit ocupava o corpo; mas H… diz que ele pegou, dirigiu a mão e escreveu isto.
Nas semanas seguintes, durante várias outras sessões, muita escrita foi obtida exatamente pelo mesmo processo, tendo sempre o bloco de notas no alto da cabeça, e era evidente que Phinuit sentia muito menos dificuldades. A 29 de abril de 1892, aproximei uma mesa sobre a qual o braço direito da sra. Piper pôde apoiar-se sem problemas e expus a opinião de que a mão poderia escrever sobre a mesa em vez de fazê-lo sobre a cabeça. No entanto, o braço retomou de novo sua posição, com a mão acima da cabeça, com Phinuit dizendo que Georges Pelham(31) ia escrever. Pouco a pouco, diante do meu repetido pedido para que o braço retomasse sua nova posição, e também utilizando uma força bastante considerável, a resistência diminuiu diante das reiteradas solicitações que eu fazia, repetindo: você deve escrever sobre a mesa. Consegui baixar o braço e, a partir desse momento, a escrita se produziu do modo habitual, com o braço apoiado mais ou menos numa mesa colocada à direita da sra. Pipper.
Quando o braço é apanhado para escrever, assim como no momento em que Phinuit toma posse do corpo, produz-se um certo número de movimentos espasmódicos, em alguns casos bem violentos, que rejeitam confusamente a mesa, o lápis e o bloco de notas e exigem uma força notável para serem contidos. Às vezes, mas muito raramente, a escrita é interrompida por um movimento espasmódico do braço, a mão resistindo violentamente e voltando-se para o pulso. Ao fim de pouco tempo, que podemos estimar mais por segundos do que por minutos, o espasmo relaxa e a mão recomeça a escrever. Phinuit não precisa parar de conversar enquanto a mão escreve. Numa ocasião, na minha presença, Phinuit escutava a leitura do relatório estenografado de uma sessão precedente, fazendo suas observações, acrescentando detalhes aos fatos relatados, e ao mesmo tempo a mão escrevia livremente e com rapidez sobre outros assuntos, respondendo às perguntas de outra pessoa, amiga do espírito desencarnado que se servia da mão do médium. Isso durou mais de vinte minutos.

Em outro caso, ao qual não assisti, soube que Phinuit, por mais de uma hora, falou de um modo singularmente rápido e animado, com uma volubilidade maior do que costumava fazê-lo, respondendo a várias moças que estavam presentes à sessão, e durante todo o tempo a mão escrevia sobre outras matérias, dando respostas a uma outra pessoa.
O único que não conservou sua presença de espírito foi o assistente ao qual a mão respondia e que o repreendeu por não prestar bastante atenção à conversa.
Muitas vezes constatei que enquanto Phinuit falava com uma pessoa e a mão com outra, ambos, durante uma breve interrupção, e ao mesmo tempo, dirigiam-se a mim; essa dupla ação nunca deixou de produzir-se a meu pedido, quando Phinuit estava presente e a mão estava sob o poder de um outro espírito. Em todos os casos em que a mão escreve independentemente de Phinuit, a faculdade de ouvir reside claramente na mão, quanto a quem a dirige, ao passo que Phinuit sempre ouve certamente por via normal. Esse deslocamento de sensibilidade será objeto de um estudo na segunda parte do meu relatório.
As comunicações escritas de que falamos nem sempre se apresentam como provenientes da mesma pessoa e não se produzem em todas as sessões. Quando uma ocorre, ela é comumente atribuída a algum amigo falecido do assistente. Eu precisaria ir mais longe quanto às particularidades apresentadas pela escrita em si. Por enquanto, basta-me dizer que ela varia muito de aspecto conforme o grau de excitação, se assim se pode dizer, do comunicante, conforme a menor ou maior habilidade que ele já tenha adquirido, e provavelmente, também, segundo muitas outras condições que só podemos citar a título de hipóteses. Além disso, pareceria que até quando a instruímos de um modo qualquer, a quase- personalidade que guia a mão ignora que ela escreve. Quanto a isso, o modo de ser do comunicante, sobretudo, parece indicar uma viva preocupação de transmitir suas idéias ao assistente.
Estou absolutamente certo de que é assim, seja qual foi, a teoria que se adote sobre a identidade do comunicante, quer seja o que ele afirma ser, ou simplesmente uma outra camada da consciência da sra. Piper, considerando-se ela própria como uma inteligência estranha.
Pouco depois desse início da escrita, ocorreu-me constatar que a mão esquerda podia escrever, e mesmo que as duas mãos escreviam e que Phinuit falava, ao mesmo tempo, sobre assuntos diferentes, com pessoas diferentes. Comentei com Phinuit que eu não desistia de ver um dia cada dedo e cada artelho agindo sob outros tantos agentes distintos, enquanto que ele continuaria a dirigir a voz.
A 24 de fevereiro de 1894, o que nós chamamos de controle ‘E’ escreveu, entre outras observações sobre certos médiuns: Nos casos desse tipo, não há razão alguma que se oponha ao fato de diversos seres espirituais poderem expor suas idéias ao mesmo tempo através do mesmo organismo. Apresentei então meu projeto de experiências sobre as duas mãos, dizendo que me propunha a organizar um dia uma experiência em que ‘E’ se serviria de uma mão e Georges da outra, mas que, para o momento, não tinha tomado as providências necessárias para fazer uma tentativa desse gênero. Na sessão seguinte, a 26 de fevereiro de 1894, estando só e não contando com nada, foi feita, logo no início da sessão, uma tentativa de escrever com as duas mãos independentemente, coroada apenas de um êxito bem limitado. A 8 de março de 1895, tendo-me feito acompanhar, com esse propósito, pela srta. Edmonds, fiz uma segunda tentativa que obteve um resultado muito mais satisfatório. Sua falecida irmã escreveu com uma mão, Georges Pelham com a outra, enquanto Phinuit conversava simultaneamente e sobre assuntos diferentes. É verdade que a mão esquerda escreveu muito pouco. O que pareceu principalmente provocar esse resultado, foi que a mão esquerda não estava de modo algum adaptada ao papel de máquina de escrever.
Às vezes, pouco antes que a mão se ponha a escrever, Phinuit nos anuncia que alguém vem para conversar com o senhor. Em outras ocasiões, a mão é tomada, agita-se convulsivamente em todos os sentidos, enquanto Phinuit, inconsciente do que se passa, fala sem interrupção com um assistente, mesmo quando a escrita já começou.
Eis um exemplo impressionante desse fato: numa sessão em que uma senhora envolvida a fundo numa conversa muito pessoal com Phinuit a respeito de seus pais, e a que eu estava presente e a que assistia porque conhecia intimamente aquela senhora e toda a sua família, a mão foi tomada com grande delicadeza, por assim dizer, sub-repticiamente, e escreveu uma comunicação muito pessoal, dirigida a mim, apresentando-se como proveniente de um amigo meu já falecido, que não tinha qualquer relação com a senhora que evocava, absolutamente como se um visitante entrasse num salão onde duas pessoas que lhe eram estranhas estivessem conversando, mas onde também encontraria um amigo, em cujo ouvido murmurasse uma comunicação, de modo a não perturbar a conversa das duas primeiras pessoas.
No entanto, quando chega um novo comunicante, Phinuit geralmente pede ao evocador que fale com ele (com o que escreve) embora não se recuse a participar também da conversa quando lhe pedem. Parece mesmo preferir que seja assim; mas se o evocador parece voltar a atenção principalmente para a mão, Phinuit faz geralmente alguma observação enigmática: Eu o ajudarei, ou então: Eu o ajudarei a sair-se bem. Outras vezes, Phinuit pedirá que lhe dêem um objeto qualquer, de modo a segurar algo que lhe prenda a atenção, e o vi, no meio de uma sessão, enquanto a escrita seguia seu curso, de repente deixar escapar uma observação a respeito desse objeto. Em certos casos, Phinuit pode seguramente ser tirado do seu silêncio e retoma a conversação, enquanto a escrita continua imperturbavelmente sem hora para acabar.
Como se vê, estamos bem distantes, aqui, dos casos simples assinalados por Taine ou pelos observadores que não se dignaram compulsar a rica bibliografia espírita. Encerramos esta breve revisão com um caso recente, que de certa forma resume tudo o que acabamos de ver nas observações particulares. Parece-nos que, para ser compreendido, ele necessita absolutamente de inteligências alheias ao médium (32).
O relato desse curioso fenômeno foi comunicado ao cel. Malvotti, e por este ao sr. Cavalli, com os mais sérios protestos de sinceridade. Numa sessão a que o narrador assistia, apresentaram-se vários espíritos: um irmão falecido há vários séculos, um francês, a mãe do narrador, a avó da sua mulher e outros. Como experiência, pediram para comunicar-se ao mesmo tempo. O médium narrador, funcionário do Estado, que por isso mesmo não pode dar seu nome, numerou as folhas de papel, depois escreveu. Aconteceu que a primeira comunicação, começada na linha 1, continuava na linha 5, na linha 12, na linha 15 etc., todas as linhas foram escritas na ordem 1, 2, 3, 4 etc. e, quando se queria ler seguindo essa ordem, não se achava qualquer sentido na página escrita. Mas, seguindo a ordem marcada pelos espíritos, encontravam-se belas comunicações. Eis, porém, o mais curioso: a primeira comunicação estava escrita em latim, a segunda em francês, a terceira em italiano, a quarta em italiano revirado (devia-se ler no sentido inverso, da direita para a esquerda), a quinta também em italiano, mas, para lê-la, devia-se começar pela última linha inferior e ir subindo. Depois, seguiu-se uma série de predições, todas realizadas, entre as quais a de uma doença grave do médium. Terá sido o subconsciente que fez essa façanha? É muito duvidoso, e é mais racional recorrer à hipótese espírita, que, aliás, não exclui a hipótese do subconsciente.
Poderíamos acrescentar a esta lista outros relatos em que a intervenção de inteligências alheias ao médium é evidente. Nós os veremos mais tarde, quando estudarmos as comunicações escritas em línguas desconhecidas do médium, ou por crianças de tenra idade e por analfabetos. Agora, devemos investigar antes de mais nada se a escrita automática pode ser obtida pelo próprio médium devido a uma certa disposição psicofisiográfica, depois, quando tivermos constatado que isso é possível, precisaremos distinguir as características que separam a escrita automática subconsciente da que provém necessariamente de outra fonte.

Os autores franceses que trataram desse assunto nos seus estudos sobre a hipnose e a histeria, apenas afloraram esses problemas e contentaram-se com analogias grosseiras, sem ir até o fundo da questão. Temos o dever de não imitá-los, por isso logo passaremos ao exame dos trabalhos dos srs. Binet e Pierre Janet, que conquistaram certa notoriedade nesse tipo de pesquisas.

Existe uma confusão entre os fenômenos automáticos e as verdadeiras comunicações espíritas, que importa não deixar por mais tempo sem o crédito da ciência. Pode-se certamente constatar em certas pessoas a existência de uma forma automática da escrita, que se originou graças a tentativas feitas em sessões espíritas, ou cuja formação foi provocada por um treinamento gradual com histéricos nos hospitais. Mas essas formas rudimentares do fenômeno não são comparáveis à mediunidade, porque esta se distingue por características especiais, que não permitem confundi-la com o automatismo puro e simples. É o que vamos constatar nos dois capítulos seguintes, apontando os erros de interpretação que essas experiências ensejam.

 

NOTAS:

7 – Sobre este assunto, ver as pesquisas de William Crookes, e o livro do sr. De Rochas: Extériorisation de la Motricité.
8 – Kardec, Allan, O Livro dos Médiuns, cap. XX, n° 230.
9 – Ver Gardy, Chercbons, p. 164.
10 – Kardec, Allan, O Livro dos Médiuns, cap. XVII, n° 210.
11 – Nus, Eugène, Choses de l’autre Monde, p. 123.
12 – Taine, De l’Intelligence, tomo I, p. 16.
13 – Carpenter, The Principles of Mental Phisiology.
14 – Wallace, Les Miracles et le Moderne spiritualisme, p. 99 e 147.
15 – Aksakof, Animisme et Spiritisme, p. 472.
16 – Revue Spirite, 1878, p. 248. Conhecemos o autor do relato, professor de grande valor e de uma
sinceridade absoluta.
17 – Aksakof, Animisme et Spiritisme, p. 381.
18 – Spiritual Magazine, setembro de 1863.
19 – Revue Spiritualiste, 1868.
20 – Myers, Proceedings, Automatic Writting, 1855.
21 – Revista Espírita, 1878.
22 – Aksakof, Animisme et Spiritisme, p. 476.
23 – Stainton Moses, Enseignements Spiritualistes, p. 21 e segs.
24 – Ver: Terceira parte, cap. IV.
25 – Crookes, William, Recherches sur te Spiritualisme, p. 100 e segs.
26 – Desejo que se compreenda bem o sentido das minhas palavras: não quero dizer que a vontade e a
inteligência do médium empenham-se ativamente, de modo consciente, ou desleal, na produção dos
fenômenos, mas bem que às vezes acontece que essas faculdades pareçam agir de um modo consciente. (Nota de W. Crookes.)
27 – Wolfe, Startlings Facts in Modern Spiritualism, Cincinnati, 1874, p. 48, citado por Aksakof.
28 – Fergusson, Supra Mundane Facts, Londres, 1805, p. 57, citado por Aksakof.
29 – Proceedings, 1897, p. 291.
30 – Phinuit era uma personalidade invisível manifestando-se pela voz da sra. Piper e dizendo ser um doutor francês, falecido em meados do séc. XIX.
31 – Georges Pelham é o pseudônimo de um amigo do sr. Hodgson, morto inesperadamente alguns meses
antes, e que forneceu — durante o transe da sra. Piper — os mais circunstanciados detalhes, que permitiram estabelecer-lhe a identidade intelectual e moral. Mais tarde voltaremos à observação desse caso notável.
32 – II Vessilo Spiritualista, dezembro de 1898, p. 3.

 

Fonte: http://www.cienciaespirita.org/a-mediunidade-mecanica/

 


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