1- A NECESSIDADE DE
FAZER O BEM:
Uma das questões cruciais e que funciona como um divisor
de águas da Doutrina espírita em relação
a outras religiões é a necessidade de se praticar
o bem para o desenvolvimento espiritual. As palavras de Jesus (4),
“Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”
e o exposto na sua parábola do Bom Samaritano tornam bem
claro esta questão. Não nos basta ser bons e pertencer
ao grupo A ou B. É imperioso praticarmos o bem. A lei é
de amor e o amor é que nos elevará. Por isso, o espiritismo
cristão deve estar vinculado a prática da beneficência
e este artigo buscará elucidar algumas razões desse
imperativo.
2- A PERSPECTIVA INTERVENCIONISTA:
Ao contrário da história religiosa da humanidade,
repleta de isolamentos, reclusões, clausuras e retiros espirituais,
na busca de nos isolarmos do mundo (3),
inspirados nas temáticas do Filósofo Rosseau da Revolução
Francesa, que pregava o corrompimento do homem bom pelo mundo, a
perspectiva espírita enunciada por Kardec na sua máxima
(4) “fora
da caridade não há salvação”,
incita-nos ao contato com o mundo na busca de transformá-lo
e averba que o mundo somente se transformará quando transformarmos
a nós mesmos. Ou seja, o espiritismo tem esse caráter
intervencionista nas questões que se apresentem diante do
cristão, combatendo a omissão e o isolamento, demonstrando
que é na luta do mundo que crescemos rumo a perfeição.
A reforma íntima é uma necessidade. Paradoxalmente,
não haverá reforma íntima sem contato com o
nosso próximo, mais próximo ou não. Como amar
sem ter ação para o amor. Como perdoar sem ter objeto
de perdão.
3- FAÇA VOCÊ MESMO:
Na década de oitenta nos deliciávamos com revistas
que nos ensinavam a fazer os pequenos reparos de nossa residência.
Essa lógica do “faça você mesmo”
também se aplica a questão da prática do bem.
Jesus já asseverava (4):
“Vai tu e faze o mesmo”, reforçando
a necessidade da ação no bem ser realizada pessoalmente.
As pessoas que nos rodeiam são a nossa ferramenta de progresso
e não podemos olvidar que o nosso coração é
um músculo poderoso, que precisa ser exercitado no sentido
físico e principalmente no sentido espiritual.
Na prática do bem não cabe terceirização.
Mandar entregar na porta do centro espírita não tem
o valor de se envolver na entrega. A prática do bem deve
ser bilateral, ajudando a quem dá e permitindo a reflexão
de quem recebe. Esse é o princípio que rege o Bônus-Hora
(6) descrito
em Nosso Lar por André Luís. Somente tem valor quando
permite a reflexão e reforma de quem praticou a ação.
Caso contrário, instauraríamos um ranking de doações
volumosas que nos conduziriam a “salvação”,
como na época das indulgências. Recordemos a passagem
do óbolo da viúva, onde valeu mais aos olhos de Jesus
aquela que tirou do seu próprio sustento. A matemática
divina funciona subjetivamente.
4- OS MOVIMENTOS SOCIAIS:
Outrossim, consideremos sempre que “movimentos geram movimentos”.
A nossa ação no bem sempre se alinhará com
outras iniciativas que em composição gerarão
movimentos sociais em prol dos nossos irmãos menos favorecidos.
Nenhum benemérito fundador fez ou faz tudo sozinho em qualquer
obra assistencial.
Entretanto, constatamos também que a sociedade influencia
o espiritismo, por ser esse uma parcela dela. Na década de
70/80, fruto de conjunturas políticas, as pessoas se engajavam
em movimentos sociais, onde existiam iniciativas diversas de preocupação
com o coletivo, no campo da assistência, do ambientalismo
e da educação. Podemos citar os grupos ambientais,
o Projeto Rondon e os movimentos de Alfabetização
de adultos. No espiritismo, observamos o florescer de caravanas,
campanhas e iniciativas diversas no campo assistencial, onde as
casas espíritas logo buscavam atrelar a sua programação
diversas atividades assistenciais com a participação
de seus freqüentadores.
Na década de 90, observamos o individualismo campear em nossa
sociedade, onde a tecnologia nos fez cada vez mais desiguais e isolados
e estabeleceu níveis de conforto e divisão social
nunca antes vistos. Hoje, o indivíduo pode pedir as suas
compras pela internet, assistir ao filme no shopping transitando
pelas ruas sem sair de seu automóvel, vivendo sem conviver,
isolado no seu mundo e nas suas necessidades. No movimento espírita,
observamos a explosão dos romances, falando de uma esperança
passiva e a busca de um esoterismo voltado para previsões
futurísticas e a busca da paz por fórmulas e meios
exteriores, sem contar a desenfreada busca da cura do corpo.
5- TERAPIAS E AUTO-AJUDA:
Esses fatores geram uma tendência atual de terapizar-se tudo,
em um “psicologismo” que reduz a problemática
da criatura humana a solução por um simples diálogo
como um passe de mágica. Os aspectos psicológicos
da criatura são fundamentais, mas não podemos nos
esquecer das questões do Coletivo. Essa preocupação
com o indivíduo deságua em um conceito que muitos
se equivocam em classificar as nossas obras espíritas que
é a auto-ajuda.
Podemos compreender a auto-ajuda como aquela literatura que expõe
a felicidade como uma questão de disposição
pessoal, de se sentir bem, de acreditar e se programar mentalmente
para isso. Infelizmente, uma questão tão complexa
aparece reduzida a uma questão da vontade momentânea
indivíduo.
6- A FELICIDADE:
Isso ocorre pois o nosso conceito de felicidade está difuso.
A felicidade está associada a ter coisas, ter status, ter
reconhecimentos e direitos. Esquecemos que a vida é uma balança
de direitos e deveres. Não há felicidade egoística.
Não há como ser feliz se o nosso irmão está
infeliz, se no mundo ainda há infelicidade. Por isso, Kardec
assevera que a felicidade na Terra é relativa (4).
Confundimos hoje o nosso conceito de felicidade, ignorando que a
felicidade está implícita no desejo de um mundo melhor.
Um mundo que será construído por nós e que
seremos felizes nesse processo e não se buscarmos diminuir
tantos números do nosso manequim ou se não estamos
nos aceitando com o nariz que nós nascemos. A felicidade
transcende tudo isso e a sua conquista deve se fazer sem muletas.
7- O PARADIGMA HOLÍSTICO:
Tomando o Paradigma Holístico do mundo (2),
podemos ter bem claro a importância da ferramenta do bem como
caminho da nossa felicidade. Segundo o livro “A canção
da inteireza (2)”,
o homem inicialmente adotou um paradigma Teocêntrico, onde
tudo se prendia a um mundo sobrenatural onde a vida existiria em
função deste. Inicialmente subordinados as forças
da natureza, passando para os deuses antropomórficos até
quando o conceito cristão de ressurreição subordinou
de vez a vida na terra a espera de outro mundo, chegando ao seu
auge na Idade média com as indulgências.
Com o renascentismo, quando Galileu tira a Terra do Centro do Universo,
o paradigma antropocêntrico começa a levar o centro
das questões para o homem, sendo este então a medida
de tudo. Com os iluministas, temos o racionalismo de Descartes,
onde todo conhecimento vem da razão e o Empirismo de Locke
e Hume, onde todo conhecimento provém da experimentação,
colocando a fonte de saber sempre pelo viés humano, reforçando
através de Newton que o universo funciona como uma engrenagem
determinista, gerando os modelos de pensamento para a futura sociedade
industrial que através das revoluções tecnológicas
se estabeleceu a vida que preza o “Ter” e o individualismo
que vivemos em pleno auge nos dias de hoje. Mais uma vez, como na
negritude da idade média, o homem se vê em uma encruzilhada
temporal, tendo acesso aos bens de forma desigual e se preocupando
cada vez mais consigo e com as suas necessidades enquanto o mundo
padece da violência e do desamor.
8- O FOCO NO COLETIVO:
O paradigma Holístico propõe um novo foco. Nem no
homem, nem no mundo que virá. Ele propõe que o Universo
é um todo dinâmico que se relaciona. É um complexo
sistema de relações e que o foco deve ser na interdependência.
Toda ação que realizamos ecoa no universo e reverbera
pelos outros elementos. A nossa relação é de
Co-criadores, com o planeta e com a vida, sendo também co-responsáveis
, como cita Emmannuel em A Caminho da luz (5):
“Mas é chegado
o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as
dolorosas expiações coletivas preludiam a época
dos últimos “ais” do Apocalipse, a espiritualidade
tem de penetrar as realizações do homem físico,
conduzindo-as para o bem de toda a humanidade.”
Ou seja, o foco deve ser
no bem de toda a humanidade, inclusive dos animais, das plantas
e dos minerais, habitantes de nosso globo. O nosso desenvolvimento
espiritual é uma responsabilidade individual que somente
tem sentido no coletivo. Esse deve ser o foco. O espiritismo como
doutrina libertadora e transformadora das consciências, para
que entendamos que a solução de nossos problemas está
na solução dos problemas do mundo e que os nossos
grandes vultos, dentro da sua dimensão humana, também
tinham seus problemas e não se imobilizaram em uma postura
passiva, partindo para a Terapia da prática do bem, ferramenta
que cura os nossos males e de nossos semelhantes.
9- AMAR A SI MESMO E A DEUS ATRAVÉS DO PRÓXIMO:
Sabemos que a auto-estima e o amor a si mesmo é uma condição
fundamental, para que não incorramos novamente em flagelações
e autocomiserações de outras épocas. Mas, faz-se
mister amar a si mesmo e a Deus através do próximo,
dentro do enunciado evangélico (4)
de que quando fazemos a um destes pequeninos, é ao Mestre
que fazemos. A palavra Bem-estar não existe no dicionário
espírita-cristão associada ao próprio bem da
pessoa, pois metodologia nenhuma trará o nosso bem se não
envolver o bem de nossos irmãos. Como amar a si mesmo se
não amamos o mundo, a natureza e os nossos irmãos.
10- O TRABALHO NA CASA ESPÍRITA:
Após falarmos da evolução histórica
do planeta, terminamos por nos defrontar com a nossa realidade diante
da prática do bem. O que temos feito? A casa espírita
é a Oficina que deve viabilizar as equipes que permitam aos
freqüentadores a oportunidade de abraçar cada irmão,
pois “a disciplina antecede a espontaneidade6” e se
nos disciplinarmos para o bem no trabalho organizado, o nosso coração
romperá o gelo de nossa sociedade para que possamos estender
seu amor aos próximos mais próximos e a nós
mesmos.
Cabe-nos a construção na juventude do hábito
da prática do bem desde cedo (1),
para que tenhamos como objetivos que todos sejam em um futuro trabalhadores
e colaboradores da casa espírita, doando-se nas frentes que
são inúmeras. Espíritas envolvidos e comprometidos
com a causa da Casa espírita na construção
de um mundo melhor. Um sonho, talvez, uma utopia, não.
11- CONCLUSÃO:
A ferramenta da nossa evolução está bem claro
nas palavras do Espírito de Verdade (4):
“Espíritas, Amai-vos é o primeiro mandamento.
Instrui-vos é o segundo”
E como não cremos no amor como verbo intransitivo, cabe-nos
utilizar esta ferramenta no palco do mundo para o nosso crescimento,
na luta diária, onde realmente descobrimos quem somos e o
que necessitamos ainda aperfeiçoar. Sem fórmulas mágicas...