O Brasil é uma país plurirreligioso
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por Ana Clara Cottecco
Folha de São Paulo
Em todas as fases da vida, conflitos
internos sobre o que há depois da morte ou o que é certo
e errado ocupam a nossa mente, mas é na adolescência que
eles aparecem pela primeira vez de forma consciente. E justamente por
isso é na juventude que muitos de nós passamos a seguir
uma religião ou nos envolvemos com assuntos de espiritualidade.
Mas, primeiro, é preciso entender
a diferença entre as duas coisas. Religião é um
conjunto específico de crenças que vêm sendo trabalhadas
ao longo de muitos anos e que costuma ser vinculado a estruturas como
igrejas, templos, mesquitas e sinagogas, por exemplo. Já a espiritualidade
tende a ser mais livre, individualizada e personalizada.
"Quando observamos os dados estatísticos,
é crescente o número de adolescentes que se dizem ligados
a uma espiritualidade e não especificamente a uma religião",
afirma Alexandre Ceistutis, mestre em ciência das religiões
e professor de história e sociologia nos ensinos fundamental
e médio.
Em 2022, pesquisa do Datafolha mostrou que 14% dos brasileiros
se dizem sem religião, mas quan do o recorte se volta para as
pessoas entre 16 e 24 anos, o percentual chega a 25%.
É um fenômeno que não se restringe
ao Brasil. A organização americana Pew Research Center,
que costuma fazer esses levantamentos, detectou em 2018 que jovens tendem
a ser menos religiosos do que os mais velhos em vários países,
sejam essas nações ricas ou pobres, de maioria cristã
ou muçulmana.
Para o professor, esse processo está ligado ao
volume de informações com que os adolescentes entram em
contato por meio da internet e das redes sociais.
"Eles fazem um 'cardápio' de características
de diversas religiões de que gostam e acabam formando a sua própria
visão de espiritualidade", diz. Também destaca que
o fácil acesso a essas informações amplia a autonomia
de cada um ao optar por seguir essa ou outra orientação.
O fenômeno do jovem que se diz espiritualizado
mas não religioso é, para o especialista, também
reflexo da descrença em instituições oficiais devido
a escândalos de corrupção, abusos e aos próprios
dogmas impostos.
"Determinadas instituições não
aceitam novas visões a respeito da identidade humana. Então,
para alguns grupos, se aquilo nega, por exemplo, a existência
deles, eles não farão parte. Eu não acredito porque
não fala a respeito de mim", dá como exemplo.
Elise G. O, de 14 anos, diz que desde pequena pensava
a respeito do surgimento do universo e da vida. "O fato de eu começar
a me descobrir mais e me conhecer como pessoa, fez com que crescesse
o questionamento", diz a adolescente sobre suas incertezas em relação
à religião.
Apesar de ter frequentando tanto igreja católica
quanto evangélica, ela começou, recentemente, a se considerar
ateia. "A parte mais difícil foi a negação.
Foi crescer numa religião, acreditar nisso, e aí perceber
que você tá perdendo a fé em algo que você
acreditava como se fosse lei, sabe?" Ainda assim, ela não
descarta no futuro aderir a outra religião.
Já a estudante universitária Isabela Rosa,
que tem 23 anos, teve várias crenças na adolescência.
Sua mãe e sua avó sempre foram abertas a explorar a espiritualidade
e, por isso, passou pelo espiritismo, pelo cristianismo e pelo xintoísmo.
Para ela, a constante mudança causou confusão,
tanto é que ela se considerou ateia por um tempo até que,
com 15 anos, depois de ter visto vídeos no YouTube, se deparou
com a wicca e começou a praticar com uma amiga. Mas foi só
aos 17 anos que conheceu o candomblé, também por causa
da mãe, e diz ter se encontrado.
"Todas essas religiões foram um processo
para eu me achar. Aprendi muita coisa sobre várias religiões
e acho isso legal. Eu tenho várias perspectivas sobre o mundo
nas quais eu não necessariamente acredito, mas entendo."
afirma a estudante. É importante ter pensamento crítico,
e a mudança de religião proporciona isso aos adolescentes."
O professor Alexandre Ceistutis afirma que ter contato
com diferentes religiões e espiritualidades é positivo.
"Torna o ser humano mais empático, porque ele percebe que,
no fundo, todas as suas indagações são indagações
do outro."