Ellen Simone Gregorini, psicóloga transpessoal
– que investiga estados de consciência expandida, experiências
espirituais e questões existenciais, visando entender o ser
humano como um todo–, destaca que o filósofo Aristóteles
foi fundamental no desenvolvimento do pensamento grego sobre o Philia,
enaltecendo-o como um modo especial de "viver junto" e "viver
na intimidade".
"Nessa relação, amigos conscientes de seus sentimentos
mais profundos e do desejo mútuo de bem-querer criam um laço
amoroso no qual dão e recebem, ajudam e são ajudados,
amam e são amados, em um espaço afetivo marcado pela
admiração, respeito, carinho e ternura", acrescenta
Gregorini.
No entanto, quando esse vínculo é quebrado, seja por
conflitos ou mudanças na vida, as consequências podem
ser devastadoras.
Como uma amizade chega ao fim?
Segundo Gregorini, enquanto algumas
amizades terminam naturalmente ao longo da vida, outras podem ser
traumáticas e dolorosas.
"À medida que avançamos em
nossos caminhos, mudanças pessoais podem levar naturalmente
ao distanciamento de algumas amizades. E guardamos essas amizades
de forma carinhosa, sem traumas ou dores", explica a psicóloga.
No entanto, ela destaca que, assim
como nos relacionamentos amorosos, uma amizade pode se tornar tóxica,
levando à necessidade de separação mútua.
"Você começa a perceber
que, anteriormente, compartilhar coisas com um amigo ou amiga era
agradável, mas agora tornou-se menos satisfatório devido
às críticas constantes, inveja ou à percepção
de que a pessoa não contribui para seu bem-estar. Isso acaba
virando uma relação tóxica. É uma relação
que nos aprisiona e não contribui para o nosso crescimento."
Além disso, amizades também
podem terminar devido a quebras de confiança. Por exemplo,
quando um amigo beija seu parceiro ou compartilha um segredo seu com
outra pessoa.
Fernanda Lopes, professora de psicologia
na Universidade de Fortaleza especializada em temáticas relacionadas
ao término e luto, ressalta que uma traição ou
decepção na amizade pode ter um impacto emocional tão
intenso, ou até maior, do que em qualquer outro tipo de relação.
A dor invisível do término
de uma amizade
De acordo com Lopes, embora reconheçamos
a importância da amizade, é comum que a sociedade valorize
mais os relacionamentos amorosos e familiares, relegando a amizade
a um papel secundário, como se fosse uma relação
de menor significado.
"Quem nós somos é
[algo] construído a partir dos vínculos que formamos
desde o nosso nascimento", afirma Lopes.
"Precisamos parar de classificar
as perdas por categoria. Tem muito mais a ver com a relação
do que com o status da relação. Porque, na verdade,
o que fundamenta quanto sofrimento ou quanto aquilo vai impactar é
o vínculo."
A psicóloga observa que esse
nível de sofrimento pode ser tão desestabilizador quanto
o término de um relacionamento amoroso. Ela destaca que a decepção
ou traição em uma amizade pode ter um impacto emocional
semelhante, porém muitas vezes não discutido.
"A gente não fala sobre
nada de perdas relacionadas a amizades, a gente sempre fala muito
de ganhos, de como aquilo faz bem, de como aquela relação
é boa."
Portanto, quando perdemos um amigo,
seja de forma literal ou simbólica, enfrentamos um processo
de luto que pode afetar o nosso emocional de maneira intensa.
Segundo Lopes, quanto mais ligados estamos à
pessoa, mais intensas são as reações de luto.
"Quando perdemos alguém ou nos decepcionamos, isso nos
desestrutura no momento. Pode interferir na confiança em outros
relacionamentos, inclusive nos amorosos e familiares. O impacto emocional
é grande, pois acreditávamos que aquela pessoa fazia
parte de nosso mundo seguro. Quando essa relação significativa
se desestrutura, tudo o que acreditávamos pode ruir."
Lopes diz que podemos passar por um
processo de retração, assim como acontece após
términos de relacionamentos amorosos, quando a confiança
em outros relacionamentos é abalada e pode ser difícil
se relacionar novamente.
"As reações são
semelhantes, por isso não devemos desqualificá-las,
pois elas podem ser emocionalmente graves, especialmente quando não
são validadas. Por não serem reconhecidas, as pessoas
afetadas, muitas vezes, não têm espaço para expressar
sua dor".
O processo
de cura
Fernanda Lopes ressalta que não há
uma fórmula predefinida para lidar com essa dor. Segundo ela,
o processo de luto é natural.
"Uma das coisas mais importantes
é a validação do outro. No entanto, como a amizade
muitas vezes é vista como uma relação menos importante,
rotulada como 'apenas um amigo', essa ideia me preocupa, pois o luto
associado a ela pode não receber o reconhecimento merecido",
destaca a psicóloga.
Gregorini enfatiza a importância
de ter uma rede de apoio tanto no término de relacionamentos
amorosos quanto no de amizades. "É crucial elaborar esse
luto, não guardar os sentimentos negativos. É importante
buscar pessoas próximas para compartilhar e expressar esses
sentimentos. O simples ato de falar já é o primeiro
passo para a elaboração".
Ela destaca que, ao passar pelo processo
de luto e elaboração, a pessoa fecha um ciclo, reconhece
o aprendizado advindo da experiência e sai transformada tanto
pela relação quanto pela dor enfrentada.
De acordo com Maria Claudia Tardin,
professora de psicologia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio
(FPMR), uma estratégia eficaz para lidar com essas dores é
encarar a solidão de forma positiva.
"Quando você aprende a
apreciar sua própria companhia, você consegue identificar
quais companhias realmente acrescentam algo à sua vida e fazem
bem", afirma.
Ela também ressalta que amigos
íntimos são raros. "Podemos contá-los nos
dedos de uma mão. Ter um amigo íntimo significa ter
alguém que esteja presente em nossas transformações,
assim como nós acompanhamos as deles".
Reformule seus pensamentos negativos imaginando
como pode ser bom para o seu amigo
se conectar com novas pessoas - Personare
A importância de reconhecer
a amizade como um relacionamento importante
À medida que envelhecemos, os amigos se tornam
mais importantes para nossa saúde e felicidade, revela pesquisa
publicada no jornal Personal Relationships. Ter amizades solidárias
na velhice foi identificado como um indicador mais intenso de bem-estar
do que laços familiares fortes.
Na Alemanha, está em pauta um projeto de lei
que reconhece a importância da amizade. Ele visa oferecer proteção
legal a pessoas que vivem juntas e compartilham responsabilidades,
mesmo sem laços familiares ou casamento. Isso visa criar uma
estrutura para proteger esses relacionamentos, especialmente em emergências
médicas. Entre beneficiados estão idosos, mães
e pais solteiros e comunidade LGBTQ+.
"Em determinadas situações, como
na comunidade LGBTQIAPN+ e em outros grupos vulneráveis, os
amigos frequentemente têm um papel semelhante ao da família",
observa Lopes.
"Esses amigos são como uma segunda família,
escolhida conscientemente. Não são laços de sangue,
mas relações cultivadas ao longo do tempo. Alguns estão
presentes por anos, outros temporariamente, mas todos são confiáveis,
respeitados e fonte de conforto", acrescenta Tardin.