Luz brilhante: o brilho relatado
é intenso, mas sem ferir os olhos; alguns pacientes identificam
como um ser que detém todo o conhecimento; pessoas religiosas
podem identificar como Deus, um guia, orixá, etc, a depender
da crença.
Consequências psicológicas
de EQMs perturbadoras
Um estudo conduzido por Beatriz Carunchio concluiu
que pacientes que passam por EQMs perturbadoras podem ter
consequências psicológicas que rompem com as certezas
existenciais e alteram de forma significativa o fluxo da
chamada "vida normal".
Ela chegou ao resultado durante sua pesquisa de doutorado, quando
analisou relatos de 350 pessoas do Brasil e observou que o fenômeno
afetou 14% dos pacientes em geral e 51% dos pacientes que correram
risco de morte.
Ela indica que as condições que desestabilizaram
o paciente podem sugerir o tipo de elemento predominante na EQM:
"Pacientes intoxicados, alcoolizados, com overdose
de drogas ou mesmo sob o efeito de medicamentos com efeitos
sobre o nível de consciência podem apresentar EQM com
aspectos bizarros e confusos, enquanto pacientes que têm EQM
após parada cardiorrespiratória apresentam,
caracteristicamente, experiência fora do corpo. Já
aqueles que se depararam com o risco de morte repentino,
como em um acidente, apresentam marcadamente prevalência
de elementos cognitivos, como revisão da história
de vida, distorção temporal ou aceleração
do pensamento."
Confira alguns relatos
'Acho que fui pro inferno,
nada nunca mais foi igual'
O relato a seguir é de um engenheiro de 42
anos, católico, que se afogou. Após a experiência,
ele desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático
e distúrbios do sono.
"Faz três anos que eu me afoguei
e fui para um lugar horrível. Era escuro e sujo, pessoas
gritando e chorando. Tinha um homem que ria enquanto levava muitas
pessoas presas numa corrente. Ele me viu e diz que logo iria me
levar."
"Não gosto de contar isso porque ou
acham que sou louco ou então acham que sou uma má
pessoa por ter ido pra esse lugar. Eu acho que fui para o inferno.
Nada nunca mais foi igual. Não tem uma noite que eu durmo
bem e não tenho pesadelo com isso."
"Sinto uma falta de ar, me sinto vigiado pelo mal. Quando penso
nisso, tenho medo e muita vergonha. Não sou uma pessoa ruim.
Espero que tudo se ajeite, espero ser bom e também ser mais
próximo de Deus."
Segundo Beatriz, esse é o tipo 3 de EQM perturbadora,
que são aquelas em que a maioria dos fenômenos relatados
são desagradáveis, causadores de dor, medo ou incertezas.
“Vivi uma experiência em um local pantanoso e trevoso”,
descreveu um biomédico de 26 anos, que também teve
uma EQM do terceiro tipo ocorrida após uma hemorragia no
pulmão.
'Sabemos que não estamos ali em matéria'
Veja, abaixo, o relato de um comerciante
de 32 anos que sofreu um acidente de motocicleta e teve sequelas
físicas.
“Surreal. Uma realidade totalmente diferente
da de costume. É algo que nos envolve de uma tal maneira
que sabemos que não estamos ali em matéria... Mas
nossa consciência é atraída por este ambiente...
Foi mega surreal.”
Esse é o segundo tipo de EQM perturbadora,
que costuma aparecer como um tipo de experiência paradoxal,
em que o paciente se defronta com o vazio e tem dificuldades para
lidar com isso, pois coloca o ser humano em contato com a possibilidade
de deixar de existir. O sujeito sente que espera passivamente por
algo que não sabe ao certo o que é ou se realmente
virá.
'Despenquei em queda livre até
bater com muita força'
Uma médica de 68 anos relatou a EQM
que teve após um choque anafilático durante um exame
com contraste.
"O primeiro evento foi uma revisão crítica
da vida até aquele momento. Em seguida, entrei, muito amedrontada,
numa espécie de buraco escuro e estreito, até começar
a ver luz no fim do túnel. Saí num local de paz, luminoso,
infinito, com uma música nunca tinha ouvido antes, cheiros
suaves e vozes muito doces e acolhedoras."
"Antes de ver qualquer pessoa, despenquei
em queda livre e em posição de Trendelenburg até
bater com muita força no interior do corpo, entrando pela
região do chacra cardíaco. Demorei a conseguir mover
o corpo. Os registros e os médicos dizem que fiquei imóvel
por cerca de 10 minutos."
Esse é o primeiro tipo de EQM perturbadora,
que são semelhantes às agradáveis, mas são
entendidas pelo paciente como algo assustador ou desconfortável.
'Vi meu corpo caído no chão do
hospital'
Também do tipo 1, o relato a seguir foi dado
por uma funcionária pública federal de 56 anos, que
passou por uma EQM após complicações decorrentes
de um aborto.
“Tranquilidade, campo cheio de flores
tipo margaridas, ao mesmo tempo em que vi meu corpo caído
no chão do hospital."
'Não conseguia me mexer, era puxada
pro túnel'
Abaixo, um breve relato de uma médica psiquiatra
de 42 anos, que teve uma EQM tipo 1 ocasionada por traumatismo craniano:
"Tive a sensação de entrar
em um túnel em alta velocidade com luzes coloridas e sensação
de morte iminente, paralisia. Não conseguia me mexer. Eu
era puxada para dentro do túnel de luzes."
'Senti a sala de cirurgia mais clara e um alívio
muito grande'
A seguir, o relato de uma vendedora de 35 anos que
passou por uma EQM tipo 1 provocada por uma hemorragia interna ocasionada
por complicações de uma gravidez ectópica.
"Na mesa de cirurgia, enquanto ocorria
a operação, eu estava com muito medo e ansiosa.
Em um determinado ponto, senti como se a sala de cirurgia ficasse
mais clara, como se as luzes ficassem mais fortes e brancas. Nesse
momento, senti um alívio muito grande, uma tranquilidade
e paz."
"Algo muito instantâneo. Estava com muito medo de morrer
e pensando no meu filho e familiares. Mas, nesse momento em que
a sala ficou mais clara, não tive mais medo de morrer."
A pesquisadora aponta que é um claro exemplo de EQM que se
inicia desagradável (devido à presença de sentimentos
angustiantes e da sensação de estar morrendo) e se
desenrola de maneira mais agradável.
"Em geral a escuridão é descrita
como tão densa que não se vê nada, e até
mesmo os sons são absorvidos por ela, num silêncio
profundo e pesado. Quando há sons, são de gritos,
lamúrias, choros ou ameaças. Pode haver a presença
de seres perturbados, chorosos ou ameaçadores. Em alguns
casos, sons de correntes ou de tortura também são
relatados", afirma Beatriz.
"Nas experiências em que há outros seres no
local, estes são descritos como seres sofredores ou perturbados,
ou ainda, como seres ameaçadores e perturbadores, que de
algum modo fazem o paciente sentir medo e insegurança.
Durante a experiência, existe a sensação de
que a qualquer momento a pessoa pode sofrer algum tipo de violência
ou ser torturada."
Consequências psicológicas e preconceitos
A pesquisadora aponta que o conjunto
de sensações provocadas pela EQM pode desencadear
um "estressante e contínuo estado de hipervigilância,
que pode persistir por anos", quando a experiência
é muito intensa.
Ela explica que a hipervigilância é
caracterizada por um estado de alerta contínuo e cita que
essa condição é acompanhada por um estado de
ansiedade aumentada que pode causar exaustão, além
de resposta aumentada aos estímulos e varredura contínua
do ambiente à procura de ameaças.
"É frequente que a pessoa demore a
se sentir à vontade em uma situação ou relacionamento
interpessoal. Pacientes hipervigilantes tendem a preservar demais
seu espaço pessoal, se sentindo seguros apenas em situações
que podem controlar. Com isso, podem ter dificuldade para manter
relações mais próximas e íntimas",
diz.
Os pacientes que passaram por EQMs perturbadoras,
completa Beatriz, também podem ter transtornos secundários,
como distúrbios do sono, transtorno de estresse pós-traumático
e depressão.
Uma das consequências negativas para o mundo acadêmico,
de acordo com a pesquisadora, é que esses reflexos levam
as pessoas a não relatarem suas experiências.
"Faz com que esse tipo de experiência
seja subnotificada. Além de dificultar estudos que poderiam
apontar diretrizes clínicas para aliviar os efeitos nefastos
que esse tipo de EQM traz, esses pacientes ficam desamparados,
sem o tratamento necessário, enfrentando sozinhos sentimentos
desagradáveis intensos e eventuais transtornos."