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A historiografia do espiritismo
nunca viu época melhor que os últimos dez anos. Como
pesquisador do campo religioso, estou acostumado a encontrar nas
bibliotecas dois tipos de estudos sobre a história da religião:
a história da igreja e a história da religião
como história da cultura. Nas estantes de história
da igreja, encontramos a autoavaliação de uma comunidade
religiosa sobre sua própria história. Nas estantes
de história da(s) religião(ões), encontramos
livros sobre a religião encarada como fenômeno social
e cultural. Não necessariamente o segundo grupo de livros
é escrito por pessoas sem religião, mas eles tendem
a ser mais rigorosos com o fato e menos respeitosos ou sequer considerarem
com a autoimagem religiosa. Os livros de história da igreja,
por sua vez, não são necessariamente enviesados e
apologéticos. Muitos deles, na verdade, são bastante
críticos e apresentam rigor acadêmico, mas seu objetivo
não é revelar a história através dos
fatos, e sim a história da fé.
Para uma avaliação
justa da história de um movimento religioso, é preciso
ler ambas as fontes: os relatos de fé e os fatos históricos
“frios”.
O espiritismo não é
exatamente um movimento religioso, tendo se constituído como
filosofia espiritualista da era científica, fortemente enraizado
na ciência do século XIX. Repito, na ciência
do século XIX. A partir da segunda década do século
XX, aproximadamente, o espiritismo começou a perder os vínculos
com a ciência. Esse processo é complexo, mas tem sido
bem analisado pelos que se dedicam a esse período da história
do espiritismo. Fato é que, a partir da Primeira Grande Guerra,
o discurso espírita, mesmo em seus livros de maior circulação,
passou a tratar os assduntos científicos de maneira apenas
anedótica ou analógica, como um “colorido adicional”
a um discurso que já não assentava sobre experimentos
e fatos. Admitir isso não significa condenar tudo o que se
realizou ou deixar de reconhecer os muitos méritos dos protagonistas
do movimento espírita. Os que assim procedem, bem sabemos,
estão muito mais preocupados com uma visão política
e social sobre a evolução do espiritismo e suas maiores
instituições. Carlos Seth Bastos realiza, aqui, um
trabalho único, confirmando-se como um dos mais importantes
pesquisadores do espiritismo de nossa geração. Em
primeiro lugar, o texto é originalíssimo, e dificilmente
teria saído de outra mente. O leitor terá, pela primeira
vez, a sensação de percorrer a trajetória histórica
dos grandes eventos espíritas, detectando com precisão
o seu afastamento dos rigores acadêmicos.
O resultado final desse processo
é a substituição da ciência e da filosofia
por tendências culturais marcadas pelo carisma de alguns médiuns
e palestrantes, em contradição com a proposta progressiva
de Allan Kardec. Em outras palavras, ao olharmos para a história
dos congressos mundiais, salta aos olhos a substituição
de um processo investigativo, crítico, marcado pelo debate,
por um movimento de massa, centrado no aspecto religioso e com palestrantes
despreocupados com uma visão sistemática do espiritismo.
O mais comum, aliás, é que não consigamos mais
identificar a relação entre os temas centrais dos
congressos e suas palestras. Nos sentimos confortáveis em
apontar esse problema, na medida em que os próprios protagonistas
desses eventos deles se queixam e vêm a público dizer
o mesmo que aqui dizemos. Passamos da época em que os melindres
impossibilitavam críticas desse tipo, condenando-as como
“deselegantes” ou “descaridosas”. Em segundo
lugar, o autor está longe de extrair dessas constatações
um juízo depreciativo ou pessimista sobre o movimento espírita,
entendendo-o como processo sócio-histórico e discriminando
com precisão onde e como esse movimento cultural pode –
sem grandes dificuldades, talvez – se reconectar à
pesquisa científica.
Dados
técnicos:
Número de páginas: 280 p.
Peso: 400 g; Largura: 16 cm; Altura: 23 cm; Espessura:
1,5 cm; ISBN 978-85-64907-29-4
Edição CCDPE-ECM: Preço especial: R$40,00;
Preço
de capa: R$ 58,00.
Pré-venda: Adquira o seu exemplar. acesse
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