Por Reinaldo José Lopes / FSP

Os últimos grupos de neandertais da Europa, que ocupavam
regiões da França e da Espanha, podem ter convivido
por quase 3.000 anos com o Homo sapiens antes de desaparecer por
completo, de acordo com um novo estudo.
As conclusões, baseadas numa nova análise das datações
de artefatos e fósseis, indicam que o processo de "conquista"
do território europeu pelos ancestrais dos seres humanos
modernos foi extremamente gradual, com tempo de sobra para que houvesse
interações culturais e miscigenação
entre as espécies.
"Nosso trabalho destaca que há fortes dados cronológicos
e geográficos em favor da ideia de que essas populações
coexistiram na França e no norte da Espanha pelo que, potencialmente,
foi um período muito longo", disse à Folha o
primeiro autor da pesquisa, Igor Djakovic, da Faculdade de Arqueologia
da Universidade de Leiden, na Holanda. O trabalho acaba de sair
na revista especializada Scientific Reports.
Para ser exato, Djakovic e seus colegas Alastair Key e Marie Soressi
estimam que a interação entre Homo neanderthalensis
e Homo sapiens na região teria durado entre 1.400
anos e 2.900 anos. Na estimativa mais curta, seria um período
equivalente ao que separa as pessoas vivas hoje do nascimento do
profeta Maomé (por volta do ano 570 d.C.). No caso da mais
longa, é o intervalo entre o século 21 e o reinado
do monarca israelita Salomão em Jerusalém (que teria
terminado em 930 a.C.).
A equipe do estudo baseou suas conclusões em análises
de duas tradições bem conhecidas de fabricação
de artefatos na Europa pré-histórica, ambas com nomes
derivados de localidades francesas.
De um lado, há a tradição chatelperroniana,
um pouco mais antiga, considerada o último estilo de produção
de instrumentos adotado pelos neandertais antes de seu desaparecimento
há cerca de 40 mil anos. Do outro há o chamado proto-aurignaciano,
que já seria característico das populações
de Homo sapiens.
Existem algumas semelhanças entre os estilos, como a presença
de pequenas lâminas de pedra, instrumentos de osso e adornos
(como colares). Isso levou alguns pesquisadores a propor que a tradição
chatelperroniana poderia ser uma reação dos neandertais
à presença da espécie recém-chegada
em seu território. Nesse caso, eles estariam incorporando
elementos da cultura do H. sapiens ao seu próprio
repertório cultural.
Ainda não há consenso sobre essa interpretação,
mas o fato é que, juntando os tipos de artefatos com os fósseis
de ambas as espécies, é possível usar as tradições
de instrumentos para mapear como humanos de anatomia moderna e neandertais
se espalhavam pela paisagem ao longo do tempo.
A França e a Espanha são cenários importantes
para esse mapeamento justamente porque elas foram os territórios
derradeiros dos neandertais, já que estão no extremo
oeste da Europa. Ao que tudo indica, os grupos de H. sapiens, originários,
em última instância, da África, estavam vindo
do sul e do leste, espalhando-se pelo continente. Pelo que indicam
os dados de DNA, parte deles se miscigenou com os neandertais, mas
a maior contribuição para o genoma das pessoas vivas
hoje veio, de longe, apenas dos H. sapiens.
"No caso da tradição proto-aurignaciana, há
indícios de que a rota seguida pelas pessoas que produziam
esse tipo de tecnologia foi pelo sul, seguindo o Mediterrâneo,
de alguma forma. Ela só se espalha para o norte depois do
desaparecimento progressivo do chatelperroniano", explica Djakovic.

O pesquisador e seus colaboradores usaram 66 datações
obtidas a partir de artefatos e fósseis e aplicaram a elas
um novo tipo de calibração, cujo propósito
é estimar as idades reais dos objetos de forma mais precisa.
Isso é necessário porque essas datações
dependem da flutuação de elementos químicos
radioativos na atmosfera ao longo de milhares de anos. Em alguns
momentos da história da Terra, isso muda por causa de fatores
externos, como a atividade do Sol.
A equipe levou em conta o mapeamento mais atualizado desses dados,
além de análises estatísticas que permitem
estimar qual teria sido o provável aparecimento e desaparecimento
das tradições culturais estudadas. Foi assim que chegaram
às novas estimativas.
Os processos que acabaram levando à substituição
dos neandertais ainda não estão totalmente claros.
"Outros mostram de forma bastante convincente que, de maneira
geral, os neandertais tinham densidades populacionais bastante inferiores
aos dos humanos modernos que eram seus contemporâneos",
diz Djakovic. Isso pode ter sido um dos fatores-chave, mas ele também
lembra que isso pode ter variado de região para região
da Europa.