por
Alisha Haridasani Gupta
THE NEW YORK TIMES / Folha de São Paulo
Nem sempre foi assim. Houve uma época em que as palavras
"amor" e "linguagem" raramente eram usadas juntas,
e certamente não como uma locução. Então,
três décadas atrás, Gary Chapman, pastor batista
de 50 anos com doutorado em educação de adultos, introduziu
o conceito ao mundo com seu livro seminal "As Cinco Linguagens
do Amor: O Segredo do Amor Duradouro".
Chapman explicou que as pessoas têm diferentes maneiras de
expressar e entender o amor. Para fazer sua cara-metade sentir-se
amada, é preciso simplesmente falar a linguagem dela. Como
observa a introdução do livro:
"Sua linguagem emocional do amor e a linguagem de seu cônjuge
podem diferir tanto quanto o chinês do inglês. Por mais
que você se esforce para expressar amor em inglês, se
seu xx só entende chinês, vocês dois nunca vão
entender como amam se amam."
Chapman baseou as cinco linguagens do amor nas evidências
empíricas que descobriu enquanto trabalhava como conselheiro
matrimonial por mais de 20 anos em sua igreja.
As linguagens são as palavras de afirmação
(elogios verbais), tempo de qualidade (fazer alguma coisa juntos
e ficar atento naquele momento), receber presentes (qualquer coisa,
desde um buquê de flores até presentes mais significativos),
prestar serviço (ajudar seu companheiro com tarefas ou preparar
uma refeição) e toque físico (ficar de mãos
dadas, fazer sexo e gestos de carinho).
Nos anos passados desde que o livro foi publicado, o termo "linguagem
do amor" passou a ser usado tão livremente que se desligou
de seu criador. Converteu-se num fenômeno cultural e foi introduzido
como um indicativo de qualquer coisa que dá alegria a uma
pessoa.

"Por mais que eu soubesse sobre as linguagens do amor, eu
não conhecia a pessoa por trás delas", comentou
a humorista Kasey Borger, que, com seu noivo, James Folta, coescreveu
uma lista satírica de novas linguagens do amor para o site
de humor McSweeney’s (exemplo: "falar de como foi o trajeto
até seu trabalho"). "Nem sequer sabia o nome dela."
A explosão cultural foi inesperada para Chapman, que está
com 80 anos hoje. "Estou tão surpreso quanto você",
ele disse em entrevista recente. Mas, apesar do entusiasmo todo,
ele não crê que alguém tenha descoberto uma
sexta linguagem do amor.
Para ele, todos os memes soam como "dialetos", ou versões,
das cinco linguagens originais. "Já vi algumas das ideias
propostas: sabe como, ‘a sexta linguagem do amor são
tacos’, e um sujeito falou ‘a sexta linguagem do amor
é chocolate’. Bom, se a pessoa comprou, é um
presente. Se ela fez, é um ato de serviço. Não
sou dogmático, mas acho que a maioria das maneiras de expressar
amor se enquadra em uma dessas cinco opções."
"COMO VOCÊ SABIA DISSO A MEU RESPEITO?"
Um ano depois de formar-se no Wheaton College, em 1960, Chapman
se casou com Karolyn, que cresceu em China Grove, Carolina do Norte,
como ele, e frequentava a mesma igreja. Quando eles se conheceram,
Chapman estava saindo com a melhor amiga dela.
Em 1967 o casal se mudou para Winston-Salem, Carolina do Norte,
onde ele tornou-se pastor e começou a dar aulas de educação
adulta cobrindo conselhos práticos sobre temas como planejamento
financeiro. Nesses cursos, ele falava do casamento e da família,
e muitos casais que estavam passando por dificuldades vinham lhe
pedir conselhos, ele contou.
"Fui meio que empurrado para dar aconselhamento", ele
disse. "Isso nem sequer constava dos meus deveres quando me
tornei pastor."
Chapman contou que, ao mesmo tempo em que em sua vida profissional
ele ajudava outros casais, seu próprio casamento passava
por momentos difíceis. Ele e Karolyn discutiam furiosamente
sobre coisas sem importância. Karolyn, por exemplo, nunca
fechava as gavetas e as portas de armários, e isso o irritava.
E ela esperava que ele fizesse sua justa parcela das tarefas domésticas,
coisa que Chapman não fazia. "Não sabíamos
nada sobre resolução de conflitos", ele disse.
"Eu dizia a Karolyn que ela estava bonita, que eu apreciava
tudo que ela fazia. Repetia o tempo todo ‘te amo, te amo,
te amo’", ele contou. "Mas uma noite ela me disse:
‘Você não para de dizer que me ama, mas se me
ama mesmo, por que não me ajuda?’".
Aquele foi o momento "eureca": Chapman percebeu que aquilo
que ele apreciava num relacionamento era receber elogios (ou palavras
de afirmação), coisa que ele contou que recebera de
seus pais quando era criança. Isso não tinha a mesma
importância para sua esposa: ela valorizava atos de serviço.
"Muito do que escrevi e do aconselhamento que dou foi moldado
por nossa experiência de vida", ele disse.
Chapman notou que os casais que buscavam sua ajuda na igreja pareciam
ter o mesmo problema: não sabiam como expressar amor de uma
maneira que a outra pessoa apreciasse. Em um dos exemplos que ele
incluiu no livro, uma mulher chegou à sala de atendimento
dele frustrada porque seu marido vivia adiando o momento de pintar
as paredes do quarto deles.
Ele, então, sugeriu: "Da próxima vez que seu
marido fizer qualquer coisa boa, faça-lhe um elogio verbal.
Se ele levar o lixo para fora, por exemplo, diga ‘Dan, quero
que você saiba que eu realmente aprecio você levar o
lixo para fora.’" Três semanas depois a mulher
voltou para dizer a Chapman que o plano funcionara. A linguagem
de amor de seu marido era a das palavras gentis e afirmações
positivas.
O pastor batista foi juntando suas anotações feitas
ao longo do tempo e procurando padrões que se repetissem.
Descobriu que as coisas que a maioria das pessoas dizia querer de
seus parceiros se enquadravam nas cinco categorias amplas sobre
as quais ele escreveria em seu livro. E em outubro de 1992 nasceu
"As Cinco Linguagens do Amor".
O livro teve pouca repercussão naquele primeiro ano, vendendo
apenas cerca de 8.400 exemplares. Mas pouco a pouco, cada vez mais
pessoas começaram a comprá-lo. "Meu editor me
disse que o livro vende mais cópias a cada ano que passa",
comentou Chapman. De acordo com a editora, Moody Publishers, o livro
já vendeu mais de 20 milhões de cópias (incluindo
versões impressas, eletrônicas e em áudio).
Hoje existem meia dúzia de versões voltadas a públicos
diversos, incluindo "As Cinco Linguagens do Amor para Homens",
"As Cinco Linguagens do Amor das Crianças", "The
5 Love Languages Military Edition" (As cinco linguagens do
amor – Edição Militar, em português) e
até "The 5 Languages of Appreciation in the Workplace"
(As cinco linguaguens de reconhecimento no ambiente de trabalho,
em português).
Chapman apresenta um podcast semanal de uma hora de duração
e também "Marriage Conferences", seminários
de um dia promovidos em igrejas espalhadas pelos Estados Unidos
com a finalidade de ajudar casais a entenderem os elementos básicos
das linguagens do amor. Cerca de mil pessoas assistiram à
sua conferência mais recente, que aconteceu em Winston-Salem
em abril deste ano.
Ele criou um quiz simples de múltipla escolha para ajudar
as pessoas a entenderem sua própria linguagem do amor e a
dos seus parceiros. Oprah Winfrey respondeu ao quiz ao vivo quando
ele compareceu ao "Oprah’s Lifeclass" em 2013. Questionada
se ela apreciaria se seu parceiro a ajudasse a faxinar a casa, Oprah
Winfrey parou para pensar. E então disse a Chapman, que estava
sentado ao seu lado e achou graça da resposta: "Acho
que faxinar a casa é o número um, dois e três
das preliminares".
Após mais algumas perguntas, a linguagem de amor de Winfrey
foi revelada: palavras de afirmação. "Palavras
gentis, de incentivo e positivas são realmente dádivas
de vida. Isso é tão verdadeiro. Como você sabia
disso a meu respeito?", ela perguntou a Chapman, aparentemente
ecoando o que muitos casais já pensaram quando fizeram o
quiz eles próprios.
ARMANDO OS CASAIS COM PALAVRAS
Entre outros terapeutas conjugais destacados, as opiniões
sobre o trabalho de Chapman se dividem. Julie Gottman, psicóloga
clínica e co-fundadora do Instituto Gottman, de Seattle,
disse que o livro de Chapman "pressupõe que as pessoas
não sejam capazes de aprender maneiras diferentes de expressar
o amor".
"As categorias são superficiais e rígidas",
ela disse. "As pessoas são muito mais flexíveis
do que ‘As Cinco Linguagens do Amor’ supõe que
sejam."
Gottman usou o toque físico como exemplo. Se uma pessoa
se sente incomodada com a intimidade, ela disse que seria importante
entender por que isso deixa a pessoa incomodada.
"Talvez ela tenha sido muito pouco tocada fisicamente na primeira
infância ou talvez tenha sido tocada demais", ela disse.
"Talvez tenha sofrido abuso físico ou sexual."
Contudo, ela disse, existem maneiras de introduzir alguém
ao contato físico que ela sinta como sendo seguras, afetuosas
e calorosas. O toque físico pode não ter sido a linguagem
do amor daquela pessoa, mas pode se tornar sua linguagem. As pessoas
podem evoluir em termos de como expressam e recebem amor. As cinco
linguagens não são imutáveis.
Outra crítica feita ao trabalho de Chapman é que
ele é inteiramente baseado na observação de
casais que o procuraram para buscar ajuda. Até agora há
poucas evidências científicas que fundamentem seu trabalho.
E sua formação acadêmica e seu doutorado são
em antropologia e educação de adultos, não
psicologia. "É isso que me irrita", disse Gottman.
Para Orna Guralnik, a psicóloga principal da série
"Couples Therapy", a falta de evidências científicas
não é um fator decisivo. "É o que chamamos
de validade concreta: se não fosse útil para as pessoas,
se não refletisse alguma coisa que tem importância,
já teria desaparecido", ela disse.
Muitos dos casais que procuram Guralnik para fazer terapia já
leram o livro de Chapman ou têm um conhecimento superficial
da teoria dele, ela contou. Mas, para ela, as linguagens do amor
são um MacGuffin: um artifício, geralmente um objeto
pouco importante ou aparentemente aleatório, usado na ficção
para fazer a trama avançar.
As cinco categorias não são tão importantes
quanto aquilo que a teoria como um todo comunica às pessoas:
que "o modo como elas próprias apreendem uma coisa não
é o modo como seu parceiro processa as coisas".
Embora a literatura especializada não seja robusta, alguns
pesquisadores estão começando a analisar os livros
de Chapman e publicar seus estudos em veículos revistos por
pares.
Um estudo publicado em 2006 concluiu que o conceito de cinco linguagens
do amor não é simples de ser confirmado se as linguagens
forem desligadas umas das outras. O estudo sugeriu, em vez disso,
que é mais provável que os indivíduos empreguem
todas as cinco linguagens em níveis diversos, e não
apenas uma ou outra delas.
Em outro estudo publicado este ano, pesquisadores da Universidade
de Varsóvia, na Polônia, recrutaram cem casais com
idades entre 17 e 58 anos que estavam juntos havia no mínimo
seis meses e pediram que fizessem um ranking de suas preferências
entre as cinco linguagens (e não apenas identificassem uma
das linguagens como sua favorita) e sua satisfação
com o relacionamento.
Os pesquisadores descobriram que os casais que pareciam falar as
linguagens do amor um do outro –ou seja, pessoas que preferiam
expressar amor de maneira que seus parceiros preferiam receber—relataram
sentir satisfação maior no relacionamento.
Também constataram que não apenas as pessoas querem
que seus parceiros se comuniquem com elas em suas próprias
linguagens do amor, mas também que, quando você fala
a linguagem do amor de seu parceiro, isso "faz você sentir
mais felicidade no relacionamento", segundo Maciej Stolarski,
uma das autoras do artigo.
Em agosto passado os Chapman comemoraram 60 anos de casados. Foram
jantar no mesmo restaurante em Winston-Salem onde vão todos
os anos –uma churrascaria sofisticada, onde geralmente pedem
seus pratos favoritos.
Eles levaram apenas dois anos, contou Chapman, para descobrir como
superar seus problemas conjugais iniciais. Hoje, embora Karolyn
ainda costume deixar as gavetas abertas, ela é a editora
extraoficial de Chapman – revisa e corrige seus manuscritos
antes de ele os enviar para publicação. E ela o ajuda
a manter os pés no chão.
"Digo às pessoas: ‘Não lhe falem que ele
é famoso’", explicou.
E Chapman aprendeu a fazer mais tarefas da casa, incluindo arrumar
a cozinha após o jantar, contou sua esposa. "Ele é
ótimo nisso. Hoje em dia eu simplesmente deixo por conta
dele."
Tradução de Clara Allain