10/09/2021
'Em curso do CVV, aprendi que só conselhos
não ajudam a prevenir suicídios'
Ana Bardella
De Universa
Em 2017, aos 22 anos, comentei com uma amiga que iria
começar um curso preparatório para ser voluntária
do CVV [Centro de Valorização da Vida]. Meu objetivo era
trabalhar atendendo ligações telefônicas e conversando
com pessoas em situação de fragilidade emocional.
Ela se empolgou e disse que eu deveria mesmo tentar,
já que me considerava "uma ótima conselheira".
Na época, achava que isso seria um bom começo.
Sempre que entramos no Setembro Amarelo - mês
da prevenção ao suicídio -, vejo que muitas pessoas,
com as melhores das intenções, resolvem "abrir a
DM" e se colocar à disposição para conversar
com aqueles que estão passando por algum tipo de sofrimento emocional.
Sem dúvida, ouvir o outro é um passo importante
para a manutenção da nossa saúde mental. Porém,
no curso, entendi que é complexo ajudar uma pessoa depressiva,
solitária, revoltada ou com pensamentos suicidas.
Escutar é, realmente, o primeiro passo. Os demais,
segundo o método adotado pelo CVV, exigem concentração
e força de vontade. E muito mais esforço do que ser apenas
ser "uma boa conselheira".
Meu primeiro contato com o CVV
O CVV é uma associação sem fins
lucrativos que presta apoio emocional por meio da escuta. O serviço
é gratuito e as conversas podem acontecer on-line, por escrito,
ou via ligação telefônica, através do número
188, que funciona 24 horas por dia. Tudo é sigiloso, nada é
gravado e nenhuma das partes precisa se identificar.
Entrei em contato com o CVV pelo site e esperei a abertura
de novas turmas de treinamento. Em maio de 2017, recebi por e-mail um
convite para um encontro que aconteceria na Subprefeitura da Vila Mariana,
em São Paulo. Teria dez horas de duração, contando
com uma pausa para o almoço. Fui sozinha e encontrei um grupo
de mais de 20 pessoas.
Já nesse primeiro contato, fomos informados de
que aquele seria apenas o primeiro de 12 encontros semanais, mas que
os próximos teriam três horas de duração.
Após nos explicar como funcionava o CVV, os voluntários
mais experientes finalmente tocaram no assunto suicídio.
De acordo com o material apresentado, as piores atitudes
que alguém pode ter quando está diante de um sofrimento
emocional da outra pessoa são:
Escutar atentamente é não julgar
O CVV adota como estratégia um método
chamado "atenção centrada na pessoa". Essa técnica
parte do princípio da escuta plena: ou seja, além de prestar
atenção no que o outro está dizendo, sem compartilhar
histórias pessoais, o voluntário precisa, acima de tudo,
respeitar a autonomia da pessoa com quem está conversando.
Essa postura passa pelo não julgamento, seja
ele direto ou sutil. Seguindo essa lógica, dar conselhos seria
o mesmo que dizer ao outro que ele não é capaz de identificar
o melhor para si mesmo. É importante, durante os atendimentos,
focar sempre naquilo que a pessoa está sentindo, a fim de que
ela se sinta acolhida e compreendida.
Algo que fazemos constantemente é ouvir o outro
já pensando no que iremos dizer em seguida. Normalmente, damos
nossa opinião ou contamos uma experiência pessoal assim
que ele termina sua história. Queremos falar, mas não
queremos ouvir. Se o assunto nos parece minimamente desconfortável,
buscamos recursos para que o outro silencie ou mude o rumo da conversa.
Com isso, deixamos de acolher.
Desafios durante o treinamento
Além de mudar a chave dos diálogos, outra
grande dificuldade que experimentei durante o curso foi não induzir
a pessoa com quem estava conversando, sutilmente, para uma conclusão
construída a partir das minhas próprias percepções.
Por exemplo: mesmo sendo uma mulher feminista, se estivesse
conversando com outra mulher que me confidenciava ser humilhada ou traída
pelo marido, jamais poderia aconselhá-la a abandonar aquela relação.
Isso poderia assustar, afastar, magoar e causar a sensação
de que ela não estava sendo ouvida. Para escutar o outro, precisávamos
deixar nossas convicções políticas, sociais e religiosas
de fora.
Também faz parte do trabalho do voluntário
conduzir a conversa de forma que ela seja positiva. É recomendado
não fazer perguntas com o intuito investigativo, querendo saber
detalhes sobre as histórias. O foco é ser empático.
Por fim, éramos treinados para deixar claras
as funções do CVV e encerrar a conversa, se assim fosse
necessário. Nem todos que ligam, é claro, estão
bem-intencionados. Um dos tipos mais comuns de ligação
inclui assédio, de homens que telefonam para fantasiar sexualmente,
principalmente ao serem atendidos por mulheres. Não nego que
isso me deixava revoltada, mas, enquanto voluntária, jamais poderia
demonstrar uma reação violenta ou de ódio. Esta
foi, provavelmente, a parte mais difícil do treinamento para
mim.
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Nem todos falam sobre suicídio
Compareci a quase todas as aulas do curso, mas desisti
antes que fôssemos encaminhados para as cabines de atendimento
do posto. Faríamos dois turnos de atendimentos monitorados, depois
começaríamos o atendimento a sós. Na época,
perdi uma pessoa da família e me senti fragilizada demais para
oferecer suporte a outras pessoas.
No entanto, durante o treinamento, conheci a jornalista
Milena Dib, que realizou os atendimentos em cabine durante um ano. Ela
resume a experiência como o maior exercício de empatia
da sua vida. "Às vezes, sentia vontade de ficar brava com
a pessoa, porque ela pode ter um comportamento manipulador. Em outras,
sentia muita vontade de aconselhar. Também me esforçava
para não cair na positividade", lembra.
Pergunto a ela sobre a frequência de atendidos
que efetivamente falavam sobre suicídio. "Só aconteceu
uma vez, mas não senti dificuldade em conduzir a conversa",
diz. Na maior parte das experiências que teve, os diálogos
eram preventivos: de pessoas que se sentiam solitárias ou depressivas.
O CVV precisa de voluntários
Milena relembra que, quanto mais voluntários
estiverem disponíveis, menos carga horária é necessária
para cada um trabalhar, por isso incentiva que mais pessoas se coloquem
à disposição da instituição. Andrea
Rizzo, voluntária e porta-voz do CVV, relembra que, diariamente,
a instituição atende de 10 mil a 12 mil ligações.
"No início da pandemia, tivemos uma pequena
queda no número de voluntários, já que alguns não
estavam adaptados ao mundo digital. Mas, assim como o CVV, foram se
adaptando e a queda não persistiu", revela. Em razão
da covid-19, os atendimentos estão sendo feitos remotamente —e
não nos postos de atendimento. Para se voluntariar, é
preciso ter disponíveis pelo menos quatro horas por semana para
atender as ligações ou conversar pelo chat.
O CVV não encaminha as pessoas que entram em
contato para atendimento psicológico — a menos que elas
mesmas solicitem essa informação. No entanto, a instituição
orienta, por meio de cartilhas de prevenção ao suicídio,
que, caso você ou alguém próximo esteja lidando
com alguém que necessite de ajuda, o ideal, além de escutá-lo,
é sugerir que se consulte com um profissional.
Fonte: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/09/10/gracas-ao-cvv-entendi-que-ajudar-na-prevencao-do-suicidio-exige-preparo.htm
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