24/02/2021
por
Alexandre Caldini / para Folha de SP
Autor do livro “A Morte na Visão do Espiritismo”
Estreou em janeiro na Netflix
uma série intitulada “Vida Após a Morte”.
Baseada no best-seller "Surviving Death", da jornalista Leslie
Kean, a série aborda na sua primeira temporada temas como mediunidade,
experiência de quase morte, reencarnação, materialização
e psicografia.
A série, bem produzida, não dogmática
e que busca aliar ciência e espiritualidade, é bem interessante
e prende a atenção. Conta vários casos de pessoas
religiosas e não reencarnacionistas ou mesmo céticas,
que se viram forçadas a reconhecer a continuidade da vida após
a morte do corpo, depois de intensas experiências pessoais, com
inequívocas evidências.
É o caso de um garotinho americano filho de pais
absolutamente céticos, que aos seis anos demonstra conhecer surpreendentes
detalhes técnicos de aviões de guerra. Ele diz que noutra
vida se chamava James 3º e descreve como morreu quando era piloto
militar e seu avião fora abatido por japoneses na Segunda Guerra
Mundial.
O garoto dá o nome do navio de onde seu avião
partira, o mesmo de seu melhor amigo na tropa e do local —Iwo
Jima— onde seu avião foi derrubado. Tudo posteriormente
confirmado por documentos obtidos em investigações de
cientistas estudiosos da reencarnação.
O documentário igualmente apresenta o caso de
um ator coadjuvante de Hollywood morto na década de 1960 e agora
reencarnado. Em sua nova encarnação, dá detalhes
desconhecidos sobre a vida do artista –como a existência
de uma irmã— que nem a filha ou a tia dele sabiam, mas
que foram confirmados após uma extensa pesquisa. Os casos são
referendados por cientistas de prestigiosas universidades como a de
Cambridge, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e outros PhDs.
Mas o documentário também mostra uma escola de formação
de médiuns na Holanda que parece meio suspeita ou, no mínimo,
muito comercial. A sofisticada escola, em um belo e enorme prédio,
no meio de um lindo bosque, oferece workshop pagos para a formação
de médiuns.
A ideia é que o aluno saia do rápido curso pronto para
se comunicar com seus parentes mortos. Por comparação,
no espiritismo no Brasil, um médium leva no mínimo cinco
anos de estudo e prática para ser formado, e alguns, mesmo depois
desse tempo, nunca conseguirão dar comunicação
alguma. O curso no Brasil, que é sempre gratuito, tem como objetivo
que o médium ajude outros, e não que apenas satisfaça
sua curiosidade em descompromissados bate-papos com seus parentes mortos.
Talvez buscando isenção, a série também
mostra algumas saias justas mediúnicas. Um dos médiuns
instrutores da escola holandesa, em transe, tenta —sem sucesso—
adivinhar características de um consulente indiano. Sugere algo
e o indiano, sem graça, nega. E nega novamente e novamente.
Depois de várias tentativas infrutíferas, o médium
acaba desistindo. A médium chefe dessa mesma escola, em determinado
trecho do documentário, é trazida da Holanda para os Estados
Unidos para fazer uma “leitura mediúnica”. Em transe,
apresenta surpreendentes dados pessoais de um dos consulentes. Mais
tarde, se verifica que tudo o que ela disse estava no Facebook do rapaz.
Nessa mesma escola, os médiuns professores entram numa sala
(que lembra bastante a nave de uma igreja) apenas depois que todos os
alunos já estão sentados. São recebidos com entusiasmados
aplausos, numa postura que beira um forçado incentivo à
idolatria.
No Brasil, uma das regras mais repisadas para todos os médiuns
é a importância de manterem a modéstia, a sobriedade,
a simplicidade e o espírito de servir. Médium aqui é
—ou deveria ser— apenas um voluntário intermediário
da comunicação e não um superstar.
A cena deles sendo aplaudidos ao entrar e sair do salão da escola
de médiuns lembra João de Deus, igualmente ovacionado
e agora desmascarado.
Um ponto bastante diferente da mediunidade brasileira
com a estrangeira é que aqui —pelo menos no espiritismo—
médiuns não cobram nada para realizar uma consulta mediúnica.
Nos Estados Unidos, médiuns cobram e, como nos lembra um barman
que contrata os serviços de alguns médiuns para saber
de seu pai morto, esses médiuns ganham muito dinheiro.
O que a série apresenta não é nada
de novo ou surpreendente para nós, brasileiros, que vivemos num
país onde existem dezenas de milhares de centros espíritas,
milhares de terreiros de umbanda e de candomblé e onde os postes
têm cartazes garantindo uma mandinga para trazer a pessoa amada.
Quem teve Chico Xavier, Zé Arigó e Mãe Menininha
não se impressiona com médium de workshop.
Mas, se não há grande novidade para quem
foi criado em meio a passes e psicografias, a série tem o mérito
de levar ao mundo um olhar espiritualizado da morte. Aborda conceitos
absolutamente espíritas como passe, psicografia, psicofonia,
vidência, materialização, reencarnação
e até ectoplasma, embora não mencione em nenhum momento
o pioneiro e organizador do espiritismo, o intelectual francês
Allan Kardec.
A série tampouco menciona a palavra "espiritismo"
ou o país onde os fenômenos espíritas são
mais corriqueiros e fazem parte da cultura popular, o Brasil. Um esquecimento
que lembra aquelas teses de doutorado que copiam trechos inteiros, mas
se esquecem de citar a fonte.
Vida após a morte
Quando - Disponível
Onde - Netflix
Classificação - 18 anos
Produção - Estados Unidos, 2021
Direção - Ricki Stern e Jesse Sweet
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/02/vida-apos-a-morte-nao-impressiona-brasileiro-e-e-espiritismo-pra-ingles-ver.shtml?origin=uol