SUPERANDO A DOR
No dia 28 de julho de 1976, a cidade industrial de
Tangshan foi completamente arrasada por um terremoto apavorante. Trezentos
mil mortos.
O fato ficou famoso como símbolo do colapso total das comunicações
da China naquela época.
A preocupação das autoridades era com a crise pela morte
de Mao Tsé-tung e duas outras importantes personalidades.
A notícia do terremoto acabou chegando ao Governo através
da imprensa estrangeira.
Muitas mulheres ficaram sem marido e viram seus filhos desaparecer em
abismos profundos.
Chen foi uma delas. Naquela manhã de julho, antes de clarear,
ela foi despertada por um som estranho.
Era uma espécie de ronco surdo e um assobio, como se um trem
estivesse se espatifando contra as paredes da casa.
Quando ia gritar, metade do quarto cedeu e a cama onde estava deitado
o marido, foi tragada por um buraco enorme.
O quarto das crianças, que ficava do outro lado da casa, como
um cenário de um palco, apareceu à sua frente.
O filho mais velho estava de olhos arregalados e boca aberta. A menina
chorava e gritava, estendendo os braços para a mãe.
O filhinho pequeno continuava dormindo calmamente.
A cena à sua frente sumiu de repente como se uma cortina tivesse
caído.
Chen acreditou que estava tendo um pesadelo e se beliscou. Não
acordou. Então, espetou a perna com uma tesoura.
Sentindo a dor e vendo o sangue, entendeu que não era um sonho.
Gritou como louca. Ninguém ouviu. De todos os lados vinham sons
de paredes desmoronando e de móveis quebrando.
Ela ficou ali, com a perna ensangüentada, olhando para o buraco
enorme que tinha sido a outra metade da sua casa.
Seu marido e suas lindas crianças tinham desaparecido diante
dos seus olhos.
Sentiu vontade de chorar, mas não tinha lágrimas. Simplesmente
não queria continuar vivendo.
Vinte anos depois, contando esta história a uma jornalista, Chen
confessa que quase todo dia, ao amanhecer, ouve um trem roncando e apitando,
junto com os gritos dos seus filhos.
Os pesadelos a machucam, mas ela diz que os suporta porque neles estão
também as vozes dos seus filhos.
E quem pensa que Chen vive somente a lamentar e a chorar a perda dos
seus amores, engana-se.
Ela, junto a outras mães que perderam seus filhos no terremoto
de 1976, fundaram um orfanato, com o dinheiro da indenização
que receberam.
É um orfanato sem funcionários. Alguns o chamam de uma
família sem homens.
Vivem ali algumas mães e dezenas de crianças. Cada mãe
ocupa um aposento grande com 5 ou 6 crianças.
Os aposentos do orfanato foram decorados com uma infinidade de cores,
de acordo com o gosto das crianças. Cada quarto com seu estilo
de decoração.
Bem diferente dos orfanatos tradicionais da China.
Ao ser questionada como se sente hoje, naquele voluntariado, confessa
Chen:
"Muito melhor. Especialmente à noite. Fico olhando enquanto
as crianças dormem. Sento ao lado delas, seguro suas mãos
contra o meu rosto. Beijo-as e agradeço a elas por me manterem
viva.
É um ciclo de amor. Dos velhos para os jovens e de volta para
os velhos."
* * *
Por vezes, quando a dor nos visita,
nos enclausuramos nela, acreditando que a nossa é a dor maior
do mundo.
O exemplo de Chen nos dá a dimensão da dor e nos ensina
como lidar com ela: atender o próximo que também sofre.
Afinal, sempre que olharmos para trás encontraremos criaturas
mais intensamente feridas do que nós mesmos. E no atendimento
às suas feridas, encontraremos o alívio que buscamos.
Tudo porque o toque delicado do amor é o curativo perfeito
para as próprias chagas abertas no coração.
* * *
Redação do Momento Espírita
com base no cap. As mães que sofreram um terremoto, do livro
As boas mulheres na China, de autoria de Xinran, ed. Companhia das
Letras.
http://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=1059&let=S&stat=0