Existem pessoas que reclamam condições
para a realização de tarefas. Há as que se desculpam
por não mais terem progredido, galgado altos degraus porque lhes
faltaram melhores oportunidades.
Entretanto, a engenhosidade humana não tem
limites e quando o Espírito deseja, concretiza seus anseios,
embora os embates de fora, as agressões, as adversidades.
Durante a Segunda Guerra Mundial, num imundo campo
de concentração em Sumatra, um bando de mulheres magras
e desnutridas foram se sentindo sempre mais fracas.
Até que idealizaram algo que as pudesse aliviar
da tortura do aprisionamento e das péssimas condições
de alimentação e higiene.
Foi em dezembro de 1943 que as prisioneiras principiaram
a serem avisadas que suas colegas promoveriam um concerto.
Ao ar livre, em um espaço cercado, a multidão
de crianças e mulheres se apinhou.
Alguém escreveu no chão sujo: orquestra.
As participantes foram entrando, uma após a
outra, cada qual portando um banquinho e algumas folhas de papel.
Nenhum instrumento à vista. Estranha orquestra.
Seria uma brincadeira engendrada pelos guardas brutais, com o fim único
de abater o ânimo, já tão escasso daqueles seres
sofridos?
Então, uma missionária presbiteriana,
magra, de grossas lentes destacou-se do grupo miserável de vestidos
remendados e gastos, de pés descalços, cabeças
raspadas e ataduras nas pernas e nos pés, para cobrir as feridas.
Sua voz soou clara, como um arauto de boas novas:
Esta noite vocês ouvirão um coro de vozes femininas produzindo
música, geralmente executada por orquestras.
Fechem os olhos, imaginem-se num teatro imponente
e ouçam a música imortal.
As prisioneiras passaram a imitar o som da orquestra.
Num crescendo, as sinfonias invadiram o pavilhão.
Pelas mentes cansadas das mulheres que ouviam, as
imagens se sucediam como por encanto. A Pastoral do Messias do compositor
Handel evocou o Natal, um prelúdio do polonês Chopin reavivou
lembranças de um amor que um dia existira na fase do namoro e
do casamento de muitas delas.
O som de violinos podia ser ouvido. Em certo momento,
o guarda de baioneta no rifle, furioso, investiu contra o grupo.
No exato momento, o coro atingiu o auge de sua apresentação
e ele permaneceu imóvel, como que hipnotizado pelos acordes vocais.
Por mais três ou quatro vezes, o coro fez concertos.
A música lhes renovava as esperanças e o sentido de dignidade
humana.
Quando cantavam, esqueciam que se encontravam num
campo de concentração, entre ratos e mau cheiro.
Suas almas alçavam o vôo da liberdade
e em suas asas conduziam as companheiras.
Além das cercas, dos maus tratos elas andavam
nos campos, aspiravam o perfume das flores, adentravam salões
de festa, teatros e participavam do grandioso concerto.
Seu canto as levava para muito além dos muros,
da miséria e do desamor.
* * *
Você tem na garganta uma flauta
mágica, disposta por Deus, para a modulação da
canção da paz.
Use-a, todos os dias, para executar a sinfonia da esperança
aos ouvidos dos aflitos e ciciar doces melodias para os corações
em desesperança.
Una-se a outras vozes e à orquestra divina que
se chama amor.
* * *
Redação do Momento Espírita,
com base no artigo Canção da sobrevivência, da
Revista Seleções do Reader´s Digest, de fevereiro
de 1998.