O presente trabalho, ao destacar a importância da imprensa espírita,
em Rio Grande no final do século XIX, pretende discutir algumas
questões fundamentais para a cultura espírita na fase
pioneira dessa imprensa, através do jornal A Evolução,
primeiro instrumento de divulgação e formação
de uma consciência da filosofia espírita no Rio Grande
do Sul. Portanto, apoia-se na análise da construção
do discurso visando compreender o projeto cultural da Doutrina Espírita,
especialmente, concentrando-se na investigação dos processos
de significação humanos, através dessa imprensa,
nos períodos de circulação da folha que ocorreu
entre 1892 e 1893. Nessa trajetória, busca-se o processo e sua
linguagem, os autores, o público alvo e a inserção
cultural do Espiritismo, através dessa folha, na comunidade rio-grandina.
A CULTURA ESPÍRITA NO RIO GRANDE DO
SUL ATRAVÉS DO JORNAL “A EVOLUÇÃO”
No Rio Grande do Sul, o Espiritismo teria chegado, segundo a tradição
oral (1),por volta de 1868, com dois marinheiros
espanhóis que primeiramente se estabeleceram em São José
do Norte, eram eles “médiuns” e promoviam fenômenos
de efeitos físicos. As pessoas que lhes procuravam obtinham resultados
satisfatórios para seus problemas, quer de saúde quer
de orientação para os desequilíbrios psíquicos.
Ao chamar a atenção e atrair grande número de pessoas,
curiosos ou desorientados que procuravam amparo, foram perseguidos pelo
clero e então se transferiram para Rio Grande e mais tarde para
a cidade de Pelotas.
(1) Confirmada por muitos militantes antigos do movimento espírita
em Rio Grande, entre eles, Domingos Caruso que, por mais de 50 anos
esteve à frente do movimento.
Entretanto, o espiritismo institucionalizado ocorre com a fundação
da Sociedade Spírita Rio-Grandense, em Rio Grande, conforme registro
em ata do dia 29-05-1887. Ainda no final do século XIX, surge
a Sociedade Espírita Allan Kardec, fundada em 1898 e a Sociedade
Espírita Bezerra de Menezes, fundada em 26-02-1901. Em 12-03-1903,
promove-se a fusão das três casas, originando-se a atual
Sociedade Espírita Kardecista, localizada à rua General
Neto nº 398.
No que tange à estruturação da imprensa espírita
no Rio Grande do Sul, decorre num primeiro momento do surgimento de
grupos de estudos familiares, que gradativamente passam a se institucionalizar
dando origem aos “Centros Espíritas”, com a finalidade
do estudo sério e metódico das chamadas “obras básicas”
que formam o “Pentateuco Kardequiano”. Os primeiros periódicos
que surgiram, configuram um padrão narrativo cujo discurso espírita
emergia de princípios ético-morais, conforme paradigma
estabelecido por Allan Kardec na introdução do primeiro
número da “Revista Espírita” (Janeiro de 1858):
“Nossa Revista será,
assim, uma Tribuna, na qual, entretanto, a discussão jamais
deverá afastar-se das normas das mais estritas conveniências.
Em uma palavra, discutiremos, mas não disputaremos.”
(2)
(2) Kardec, Allan. Revista Espírita –
jornal de estudos psicológicos. Tradução de Salvador
Gentile. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita,
1993.p.3.
Seguindo a orientação de Kardec, conforme
sua afirmação na referida “Revista Espírita”,
que a publicação deste primeiro periódico visava
preencher uma lacuna, e que a “utilidade de um órgão
especial é manter o público a par desta nova ciência
bem como preveni-los dos “exageros da credulidade” (3),
os espíritas rio-grandenses trataram logo de criar seus jornais,
para veicular as idéias da “Codificação”,
bem como registrar todos os fatos que ocorressem nas chamadas reuniões
mediúnicas. (3) Idem, p.2.
Prática esta, característica da cosmologia espírita,
que dá lugar ao intercâmbio com o mundo metafísico,
resultando em um circuito reconstrutivo da codificação
escrita, assim, interagindo com as “obras básicas”
no sentido de complementação. Resultando em uma “[...]
literatura bastante variada, incluindo textos de divulgação,
romances mediúnicos, dissertações, textos doutrinários,
mensagens psicografadas, etc. [...]” (4).
Assim, as práticas de escrita e leitura sempre desfrutaram de
um importante lugar no interior dos centros espíritas. (4) LEWGOY, Bernardo. A Antropologia Pós-Moderna
e a Produção Literária Espírita. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre: UFRGS, n.9, p. 87-113, jun.199
Absorvidos pelo ideal espírita, os pioneiros da doutrina em Rio
Grande buscaram na imprensa uma forma eficiente de divulgação
e propaganda dos postulados por eles defendidos. Nesse sentido, lançam
em 1º de fevereiro de 1892, a primeira edição do
jornal A Evolução. Fundado por Domingos Toscano Barbosa,
da Sociedade Espírita Rio- Grandense, sendo a primeira manifestação
oficial da imprensa espírita, no Rio Grande do Sul, circulava
quinzenalmente e tinha escritório próprio na rua 16 de
julho nº 15. Até a edição nº 6, apresentava
dimensões e formato 0,39 x 0,29, com 4 páginas e 3 colunas.
Apresentava-se como collaboração livre ao custo de 1$000,
por assinatura de três meses, com “pagamento adeantado”.
Tinha como lema:
“Se as palavras preparam o caminho, as obras
o completam.” e “O mais bello de todos os templos é
um coração puro”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Francisco das Neves. A pequena imprensa
rio-grandina no século XIX. Rio Grande: Ed. FURG, 1999.
DE MARIO, Marcus Alberto. Espiritismo & Cultura: elementos de história,
teologia e antropologia. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de
Guillon Ribeiro. 59 ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira, 1992.
_______. Revista Espírita – jornal de estudos psicológicos.
Tradução de Salvador Gentile. São Paulo: Instituto
de Difusão Espírita, 1993.
LEWGOY, Bernardo. A Antropologia Pós-Moderna e a Produção
Literária Espírita. Horizontes Antropológicos,
Porto Alegre: UFRGS, n.9, p. 87-113, jun.1998.
MONTEIRO, Eduardo Carvalho. 100 anos de comunicação espírita
em São Paulo (1881- 1981). São Paulo: Madras, 2003.
PINHEIRO, Ney da Silva. Síntese do Processo Histórico
do Espiritismo no Rio Grande do Sul. A Reencarnação, Porto
Alegre, n.419, p. 26-39, 2o . sem. 1999.
RAMOS, Clóvis. A imprensa espírita no Brasil: 1869-1978.
Juiz de Fora: Instituto Maria,
1979.