“Que coisa é a conversão
da alma,
senão entrar um homem dentro de si
e ver-se a si mesmo?
Para isso o pregador concorre
com o espelho que é a doutrina;
Deus concorre com a luz que é a graça;
o homem concorre com os olhos
que é o conhecimento.” Sermões - Padre Antonio Vieira
A ÉTICA DA PSICOLOGIA E A RELIGIOSIDADE DO PSICÓLOGO
Tendo como objeto de estudos a ABRAPE – Associação
Brasileira de Psicólogos Espíritas, o primeiro questionamento
que surgiu, pelo que e para que incluir a religiosidade como uma variável
do atendimento psicológico. A psicóloga Dra. Marília
Ancona-Lopez, em seu texto no livro Diante do Mistério –
Psicologia e Senso Religioso (1),
cita os autores Shafranske e Malony, (2)
que “mostram a importância da religiosidade para a atuação
clínica” e permitem levantar as dificuldades que os psicólogos
encontram quando dessa inclusão, segundo os quais é imprescindível
considerar a religiosidade do sujeito na clínica psicológica
por quatro motivos, os quais descrevemos de acordo com a American Psychological
Association, numa deliberação de 1992 e que consta dos
Princípios Éticos do Psicólogo e no Código
de Conduta:
(1) ANCONA-LOPES, M. in: Diante do mistério
– psicologia e senso religioso. Ed. Loyola. 1999.
(2) SHAFRANSKE, E. P. e MALONY, H. N. Religion and the clinical pratice
of psychology: a case for inclusion. American Psychological Association.USA.
1996 ANCONA-LOPES, M. in: Diante do mistério – psicologia
e senso religioso. Ed. Loyola. 1999.
Primeiramente (a), os psicólogos
devem estar conscientes das diferenças culturais individuais
e do papel que estas desempenham, incluindo aquelas devidas à
religião. Em seguida, sugere procedimentos específicos
de desenvolvimento profissional para lidar com as diferenças
humanas de gênero, raça, cultura e religião.
Outro fator de importância (b), é a incidência do
fenômeno religioso na clínica psicológica, onde
a maioria dos clientes é religiosa; 90% identificam-se com alguma
religião; 86% acreditam em Deus; 70% acreditam que Deus responde
às suas preces; 49% frequentam alguma igreja; 47% consideram
a fé uma coisa importante em sua vida.
Enfatiza que o “psicólogo precisa ter familiaridade com
as tradições religiosas presentes em sua cultura e complementar
seus conhecimentos com uma pesquisa clínica aprofundada da religiosidade
singular do cliente” e que “a maior dificuldade é
o psicólogo lidar com os seus próprios preconceitos”.
A inclusão da experiência religiosa na clínica psicológica
exige abertura para a metáfora, para os símbolos, para
o desconhecido, para o reconhecimento do instante fugaz em que um significado,
um símbolo restaurado, torna-se pleno de vida, produz entusiasmo,
emoções e intuições, que provavelmente inspiraram
o criador (do símbolo) a criá-lo.
A interpretação restauradora é uma experiência
mística que vem do mistério e nos coloca diante dele.
“Por mais que conheçamos a psicologia do homem e investiguemos
seu comportamento, por mais que penetremos em sua intimidade e esquadrinhemos
a sua subjetividade, sempre sobra uma pergunta não respondida,
é assim que a aura do mistério envolve todo o trabalho
do psicólogo clínico”, diz a Dra. Marília
Ancona-Lopez (3).
(3) ANCONA-LOPES, M. in: Diante do mistério
– psicologia e senso religioso. Ed. Loyola. 1999.
São muitas as (c) pesquisas que apontam as relações
entre religiosidade e saúde física, suicídio, drogas,
álcool, delinqüência, depressão, bem-estar,
saúde e longevidade, filiações religiosas, quadros
psicopatológicos, tipos de personalidade, inteligência,
etc. Outras pesquisas apontam “resultados contraditórios
no que concerne ao efeito geral que pode ser atribuído ao fato
do indivíduo ser religioso, mas, certamente, há efeitos
particulares no que diz respeito à saúde mental”.
As evidências de que preocupações espirituais e
religiosas têm um papel importante na saúde mental dos
homens, levou o DSM-IV, de 1994, a incluir uma categoria denominada
“Problema Religioso ou Espiritual”. Essa categoria deve
ser utilizada “quando o foco da atenção clínica
é um problema religioso ou espiritual como experiências
estressantes que envolvem perda ou questionamento da fé, problemas
associados à conversão para uma nova fé, questionamento
dos valores espirituais, relacionados, ou não, a uma igreja organizada
ou instituição religiosa (4).
(4) SHAFRANSKE, E.P e MALONY, H.N. Religion and the clinical pratice
of psychology: a case for inclusion. American Psychological Association.USA.
1996 ANCONA-LOPES, M. in: Diante do mistério – psicologia
e senso religioso. Ed. Loyola. 1999.
Uma outra questão que
surge é a dos valores na prática clínica da psicologia.
Da mesma forma que é importante a teoria e a técnica,
o próprio psicólogo traz na sua formação
as suas crenças e os valores religiosos, mas é pouco freqüente
que esses aspectos sejam levantados. A ação profissional
não se desenvolve sem pressupostos e, se constitui hoje em conhecimentos
disseminados e aceitos por cientistas e profissionais das ciências
humanas, principalmente pelos psicólogos. No entanto, é
raro que os psicólogos se perguntem sobre o papel que suas crenças
e valores religiosos desempenham em sua ação profissional.
Os estudos de psicologia e religião desenvolvem seus trabalhos
excluindo a transcendência, isto é, sem afirmar nem negar
a existência do transcendente, buscando uma atitude neutra. Porém,
uma desconstrução dos textos dos diferentes autores nessa
área, torna inevitável a problematização
dos pressupostos a partir dos quais encaram os assuntos religiosos e,
a análise desconstrutiva das atitudes dos psicólogos clínicos,
no que diz respeito aos seus valores religiosos, termina por incidir
no posicionamento religioso do próprio psicólogo. Uma
das dificuldades que surgem é como o psicólogo pode conciliar
as suas crenças e valores, manter uma visão crítica
de como o paciente lida com a sua religiosidade e praticar uma psicologia
laica. Os grupos de estudos desenvolvidos pela ABRAPE cumprem essa lacuna,
mantendo uma discussão democrática a respeito dos valores
e da cultura dos pacientes e leva um material de referencial para que
o psicólogo trabalhe com mais fundamentos, as questões
ligadas à religiosidade, quando estas surgem
no consultório.