PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO

A Contemporânea e dogmática negação do Neovitalismo de Claude Bernard

5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados

 


PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO
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5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados




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Resumo:

Manuais e artigos da história da medicina e da fisiologia descrevem Claude Bernard lutando contra as teorias vitalistas para estabelecer um radical monismo físico- químico no estabelecimento da medicina experimental. Essa descrição tornou-se um senso comum e estabelece o materialismo como sendo um paradigma científico estabelecido pela superação de um fluidismo sobrenatural pré-científico. Entretanto, não se encontram no século 19 cientistas puramente mecanicistas ou vitalistas. Em verdade, as hipóteses animistas, vitalistas e monistas se sucederam em diversas fases nos últimos três séculos para definir o fenômeno vital. Este artigo vai demonstrar como a simplificação historiográfica do contexto e do papel de Claude Bernard quando da publicação da revolucionária obra “Introdução à medicina experimental” impede o reconhecimento de sua teoria neovitalista, caracterizada por uma força vital organizadora e mantenedora da vida, enquanto as funções e fenômenos fisiológicos respeitariam um determinismo físico-químico complementar.


1. Introdução

Milhões de cientistas em todo o mundo associam-se em grupos coesos dedicando suas vidas à compreensão das leis naturais. A divisão de tarefas, inspiração positivista, marcou a evolução industrial nos últimos séculos e também inspirou a especialização na ciência. Duas grandes frentes de pesquisa conquistaram para a humanidade em uma década mais do que milênios de questionamento: as neurociências, estudo multidisciplinar do cérebro e a física moderna na busca do significado fundamental da matéria. Surpreendentemente, os dois grupos chegaram a conclusões absolutamente opostas. A física moderna registra evidências que apontam para a necessária presença de uma consciência para dar às partículas da matéria condição de observação. Ou seja, é o observador, enfim, quem dá condições para o “colapsar” da nuvem de possibilidades da partícula, tornando a sua manifestação perceptível. Por outro lado, a maioria dos neurocientistas considera a consciência apenas um produto virtual que surge do funcionamento encefálico, principalmente nos sistemas da área cortical pré-frontal. O diálogo elétrico e químico das sinapses cria a consciência que não passa de uma realidade virtual, sem existência física.

Para o atual paradigma da física, o estudo iniciado por Newton, que considerava as partículas como esferas sólidas que davam à matéria sua ponderabilidade, foi substituído por uma realidade mais complexa do microcosmo, onde as leis da natureza desafiam o senso comum. No século 19, imaginava-se que seria possível prever qualquer ato, bastando medir e registrar o movimento de cada partícula do Universo. A partir das espantosas descobertas da física quântica, porém, não há uma realidade palpável das partículas como se imaginava, mas um campo de possibilidades que vai ao infinito.

Apesar desse novo paradigma científico da Física ter causado uma nova visão de mundo, entre os pesquisadores que estudam o ser humano, como psicologia, neurociências, psicanálise, sociologia, há uma hegemonia em se considerar a consciência como produto virtual do cérebro, tese corroborada pela Física no século 19, quando as partículas eram imaginadas como esferas sólidas. A física moderna tirou o chão dessa hipótese, mas as ciências humanas e biológicas, blindadas em pressupostos materialistas, teimam em se manter no ar, lutando contra a lei da gravidade.

Mas nem sempre foi assim.



2. Animismo, vitalismo e unicismo

No fim do século 19 e início do 20, quando Einstein especulava novos caminhos para a Física, fisiologistas e médicos consideravam diversas hipóteses para explicar o fenômeno da vida. Por milênios o homem discutiu as três esferas da realidade, sejam a matéria, a vida e o pensamento. Foi no século passado que o materialismo tornou-se dogma hegemônico para as ciências. Até então, havia a liberdade de escolha dos pressupostos filosóficos adotados pelos pesquisadores acadêmicos, de acordo com suas convicções. Para explicar o pensamento, podia-se adotar a tese materialista (Virchow, Buchner, Helmholtz) como também espiritualista (Flammarion, Paul Janet, Charles Richet). Naturalmente, dualismo - que separa o pensamento da matéria concebendo a existência da alma -, e monismo - estabelecendo a existência de uma só substância, a matéria -, eram escolhas filosóficas, adotadas pelos cientistas como convicção e pressuposto para suas hipóteses e teorias.

Já para estudar o fenômeno da vida, havia três maneiras de se considerar seu mecanismo: o animismo, o vitalismo e o unicismo. O primeiro considerava a alma como causa de todas as distinções entre matéria orgânica e matéria inerte. O animismo é a mais antiga e primitiva das concepções sobre a vida. Segundo ela, a alma imaterial é a geradora de movimento, da capacidade de raciocinar, de sentir e de escolher, além de gerir o funcionamento dos órgãos. No século 18, o maior expoente animista foi o médico e químico Stahl. Para Cuvier e Bichat, as leis que regem o corpo estariam em oposição aos fenômenos físico-químicos, luta vencida pela vida e em derrota na ocasião da morte. Já os vitalistas variavam em inúmeras escolas, estabelecendo graus e complexidades na diferenciação do fenômeno biológico. Para o vitalista Barthez havia um princípio vital responsável pelas ações inconscientes do corpo, enquanto a alma era a sede do pensamento e das escolhas. Outros vitalistas eram fluidistas, acreditando numa forma especial de energia, ou, no conceito da época, “fluido”
(1) (Essa concepção vital como “fluido” seguia, naturalmente, uma das vertentes principais da Física nos séculos 18 e 19, caracterizando determinados fenômenos da natureza como sendo substâncias materiais etéreas, imponderáveis ou quintessenciadas, entre elas o fluido elétrico, o magnético e também o vital), ainda por se descobrir e de origem biológica, que promoveria a vitalidade. Por fim, os unicistas concebiam o corpo como uma máquina, funcionando em absoluto por fenômenos físico-químicos.

Apesar da classificação dos grandes expoentes da pesquisa científica normalmente estabelecida para enquadrá-los na história da ciência, não havia posições hegemônicas e estanques. Elas variavam, de acordo com os resultados dos experimentos, pressupostos estabelecidos nas hipóteses e teorias, como bem observou Wilson Frezzatti ao estudar as raízes históricas do mecanicismo:

“Longe de haver um acordo sobre o caráter da vida, várias correntes debatiam-se entre si para definir o fenômeno vital. Vitalistas, mecanicistas, químicos e outros mais disputavam o estatuto dos processos orgânicos: seriam eles reduzidos a leis mecânicas ou físico-químicas ou teriam leis específicas? O mecanicismo, nesse embate, não foi criticado apenas por aqueles que se alinhavam com alguma das perspectivas vitalistas, mas também por aqueles que se utilizavam dos métodos de investigação físico-químicos” (FREZZATTI, 2003).

Entretanto, toda essa diversidade doutrinária da biologia e da fisiologia cedeu, no século passado, a uma e única base filosófica aceita pela academia, um monismo materialista que considera exclusivamente fenômenos físico-químicos para explicar a realidade. O conceito de alma, desse modo, perde qualquer finalidade, senão quando significando apenas uma referência à consciência virtual, efeito do cérebro como órgão secretor do pensamento.




Referências bibliográficas

BERNARD, C. [1869]. Introdução à medicina experimental. Lisboa: Guimarães Editores, Ehrlich, R., 2002.

CASSIRER, E. El problema del conocimento. Vol. IV. Trad. de W. Roces. México: Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 253-4.

DASTRE, A. A vida e a morte. Lisboa: Aillaud e Bertrand, 1903.

DENIS, Leon. O problema do ser, do destino e da dor. Rio de janeiro: FEB, 2002.

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. “Haeckel e Nietzsche: aspectos da crítica ao mecanicismo no século XIX”. Scietle Studia, vol. 1, no. 4, 2003.

KUHN, Thomas. A Estrutura das revoluções científicas, São Paulo, Perspectiva, 1987.

POPPER, Karl. Lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

SANTOS, Ana Lúcia Rissoni e MARQUES, Rita de Cássia. “Quando não estamos doentes? A aplicação da ciência moderna na medicina” In: J. L. Goldfarb & M. H. M. Ferraz (org.), Anais do VII Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. São Paulo: Edusp/Edunesp/Imprensa Oficial/SBHC, 2001, pp. 269-272.

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