ALEXANDER MOREIRA ALMEIDA

Allan Kardec e o desenvolvimento de um Programa de pesquisa em experiências psíquicas

5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados

 


ALEXANDER MOREIRA ALMEIDA
-> Allan Kardec eo desenvolvimento de um Programa de pesquisa em experiências psíquicas

5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados

 

 

Alexander Moreira Almeida - apresentação

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RESUMO

Allan Kardec foi um dos primeiros acadêmicos a propor uma investigação científica dos fenômenos psiquicos 1, mas detalhes de sua vida e de seu trabalho de pesquisa não são bem conhecidos e, freqüentemente, têm sido mal interpretados. O objetivo deste artigo é descrever os primeiros passos de sua pesquisa seminal e as várias diretrizes epistemológicas/metodológicas por ele propostas para desenvolver um programa de pesquisa científica que abarcasse os fenômenos psíquicos. Ele aceitou que a fraude, a alucinação, a atividade cerebral inconsciente e a projeção do pensamento poderiam explicar muitos fenômenos tidos como mediúnicos. Entretanto, para Kardec, um amplo estudo da mediunidade indica que o entendimento da existência de uma origem espiritual para o fenômeno seria a melhor forma de compreendê-lo.

1- Apesar de reconhecer possíveis especificidades de cada um dos termos, neste artigo, as palavras físico, parapsicológico e mediúnico serão utilizadas de maneira bastante flexível para designar o conjunto de fenômenos estudados pela parapsicologia, pela pesquisa psíquica e pelo Espiritismo.


1. INTRODUÇÃO

Allan Kardec foi pioneiro na proposição de uma pesquisa científica dos fenômenos psíquicos, em meados do século XIX. Para proceder a essa investigação, ele desenvolveu um programa de pesquisa com uma abrangente teoria que denominou “Espiritismo”. Atualmente, as principais idéias do Espiritismo tornaram-se um movimento social, resultando em centros de cura, instituições de caridade e hospitais envolvendo milhões de pessoas em dezenas de países, em sua maior parte no Brasil (Aubrée & Laplantine, 1990; CEI, 2008; Moreira-Almeida & Lotufo Neto, 2005). Apesar dos livros de Kardec possuírem apelo popular no Brasil, vendendo milhões de cópias, seu trabalho e sua metodologia de pesquisa são relativamente pouco conhecidos, tanto por espíritas quanto por parapsicólogos, havendo informações imprecisas e mal-entendidos em ambos os campos (Fodor, 1966; Melton, 1966).

O objetivo deste artigo é apresentar os primeiros passos de Kardec no desenvolvimento de seu programa de pesquisa, denominado Espiritismo. Serão apresentadas, também, algumas diretrizes epistemológicas propostas por ele para uma frutífera investigação dos fenômenos físicos. Visando captar mais diretamente as idéias e os métodos de Kardec, a pesquisa foi desenvolvida diretamente sobre as fontes primárias, ou seja, nos seus próprios escritos constituídos por diversos livros e doze volumes da “Revue Spirite”, revista mensal editada e publicada por Kardec de 1858 até seu falecimento, em 1869.


2. EM BUSCA DE UMA ESTRUTURA CONCEITUAL PARA EXPLICAR FENÕMENOS MEDIÚNICOS

Kardec não aceitava a existência do sobrenatural ou de milagres. Assumia que todo fenômeno que ocorre na natureza deve ter uma explicação natural, seguindo alguma forma de lei passível de ser investigada cientificamente. Algo pode ser inexplicado porque suas causas são desconhecidas em certo período histórico, mas não inexplicável (Kardec, 1859/1999; 1868).

Kardec enfatizou várias vezes que deveríamos ser muito cuidadosos em atribuir aos espíritos todos os tipos de fenômenos extraordinários ou que não pudéssemos compreender.

Nunca seria demais insistir sobre este ponto, a fim de pôr em guarda contra os efeitos da imaginação e, muitas vezes, do medo. Quando se produz um fenômeno extraordinário — repetimo-lo — o primeiro pensamento deve ser que tenha uma causa natural, por ser a mais freqüente e mais provável (Kardec, 1860a:81).

Face aos fenômenos mediúnicos, como as mesas girantes e outros similares, Kardec propôs a utilização de uma abordagem científica para entendê-los:

Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental. Fatos novos se apresentam que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as conseqüências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida. (...) É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à atéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas. (Kardec, 1868/2002:20).

Vale ressaltar que os livros de Kardec sobre Espiritismo contêm basicamente as teorias por ele desenvolvidas a partir das investigações das manifestações mediúnicas. Esses livros discutem o que ele denomina de “filosofia espírita” que emergiu dessa investigação. Por vezes aludem brevemente a relatos de casos ou evidências empíricas que fundamentam a teoria, todo esse conteúdo foi apresentado por ele de forma integral na Revista Espírita. Nesse periódico, descreveu muitos fatos que testemunhou ou que foram testemunhados por vários dos seus correspondentes ao redor do mundo. Geralmente, essas ocorrências não eram relatadas de forma minuciosa, como mais tarde se tornou praxe na Society for Psychical Research, que veio a ser outro importante núcleo de pesquisas do século XIX, na Inglaterra. Kardec considerava a Revista Espírita como um “laboratório”: costumava apresentar relatórios e discutir possíveis explicações para todos os tipos de manifestações mediúnicas físicas ou mentais e, regularmente, apresentava hipóteses para serem testadas e analisadas pelos leitores.

Muitos textos e teorias inicialmente publicados na Revista foram, mais tarde, publicados de forma mais desenvolvida em seus livros (Kardec, 1858i; 1868).

Adiante, serão apresentadas e discutidas, resumidamente, as abordagens iniciais de Kardec em relação aos fenômenos mediúnicos e as principais hipóteses por ele exploradas na busca por uma explicação para todo o conjunto de fenômenos psíquicos observados.


Fraude


Kardec reconheceu que muitas das alegadas manifestações mediúnicas tiveram como causa truques ou charlatanismo. Enfatizou que seria necessário estar sempre ciente da possibilidade de fraude, a qual deveria ser denunciada sem constrangimentos: “o Espiritismo só terá a ganhar com o desmascaramento dos impostores” (Kardec, 1959:103). No entanto, Kardec negou que truques pudessem explicar todos os tipos de fenômenos observados. Abaixo, listamos algumas das razões por ele apresentadas para fundamentar essa alegação:

- Freqüentemente a acusação de fraude é levantada sem evidências, mas, simplesmente, porque se testemunha uma ordem de fatos que não se consegue explicar (Kardec, 1859/1999).

- A possibilidade de imitação de muitas manifestações mediúnicas, não implica na impossibilidade da manifestação real. “De tudo se abusa, até das coisas mais santas. Por que não abusariam do Espiritismo? Porém, o mau uso que de uma coisa se faça não autoriza que ela seja prejulgada desfavoravelmente.” (Kardec, 1861/2002:55).

- É difícil pensar que milhares de pessoas envolvidas com a mediunidade em todo o mundo participem da mesma fraude (Kardec, 1859/1999).

- Fraude é muito mais provável entre médiuns que fazem da mediunidade uma fonte de lucro pecuniário, especialmente quando afirmam a capacidade de produção das manifestações mediúnicas à sua própria vontade. Kardec sempre se opôs a médiuns pagos:

Não ignoramos que a nossa severidade para com os médiuns interesseiros levanta contra nós todos os que exploram, ou se vêem tentados a explorar essa nova indústria, fazendo-os, bem como de seus amigos, que naturalmente lhes esposam a opinião, encarniçados inimigos nossos. (...) não vemos, com efeito, como se provaria que não há mais facilidade de se encontrarem a fraude e os abusos na especulação, do que no desinteresse. Quanto a nós, se os nossos escritos hão contribuído para desacreditar, assim na França, como em outros países, a mediunidade interesseira, entendemos que esse não será dos menores serviços que tenhamos prestado ao Espiritismo sério (Kardec, 1861/2002:413- 14).

- Na mediunidade física torna-se impossível julgar o conteúdo da manifestação mediúnica, nesse sentido este tipo de mediunidade é mais sujeita à fraude do que a intelectual. É difícil qualificar como fraude manifestações em que médiuns demonstram ter conhecimento de fatos particulares e traços de personalidade de pessoas falecidas que eram desconhecidas deles e dos demais participantes da sessão (Kardec, 1861/2002).

 

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